Ensaio: "Nem tudo é obsessão, nem poderia ser!" por Marcelo Henrique


Jorge chega à casa espírita, como de costume. Assiste à exposição do dia, mas sua concentração está difícil. Seu pensamento vagueia. As palavras do palestrante parecem meros ruídos, como quem aguarda para atravessar na faixa de pedestres de um movimentado cruzamento da cidade.

Como a “conversa fraterna” só ocorre após a doutrinária, ele espera...

Com a ficha numerada em mãos, aguarda que chamem. Número doze. É ele. Entra numa sala simples onde há três pessoas sentadas e uma cadeira vazia, de frente para os que ali já estão. É recebido com afetividade, mas sem excessos. Sem contatos, igualmente. Apenas o cumprimento e um leve sorriso de boas-vindas.

Indagam-lhe o motivo de sua estada, ali, e ele responde: - É que... Eu estou sendo obsediado!

E inicia-se a conversação, com base espírita...

A cultura da obsessão parece ter tomado conta do “movimento espírita”. Qualquer dificuldade existencial, calcada na ideia (apressada e irreal) de que “nada dá certo na minha vida” acaba sendo o pano de fundo para as “firulas” doutrinárias (ou tidas como tal). Logo há um exemplo, um “causo”, uma “cena” de um “romance espírita”, que se parece com os fatos da vida de Paula, Aniceto ou Gabriela.

E a “identificação” ocorre, instantaneamente. Não é mais o personagem do relato. Somos nós – e os nossos dissabores.

Há, em geral, na Humanidade um vitimismo preocupante. As derrotas são atribuídas aos “inimigos” que não querem a nossa felicidade e que se comprazem com os nossos sofrimentos e infortúnios. É assim o colega de trabalho invejoso, o chefe prepotente, o subordinado que quer o “nosso” lugar, o filho malcriado, a esposa distraída, o esposo grosseirão, o vizinho que promove festinhas até altas horas, o espertinho que quer furar a fila, etc.

Homens e mulheres do nosso tempo, não necessariamente espíritas, se consideram desafortunados e infelizes porque os “seus” planos não deram certo. Ou não está acontecendo aquilo com que sonhamos, desde a mocidade. Culpamo-nos pela “vidinha” que temos, e pelas escravidões modernas (compromissos, afazeres, tempo, trânsito, trabalho, etc.).

E, na casa espírita, onde deveríamos receber o informe IDEAL acerca das relações entre “vivos” e “mortos”, as orientações para o processo do autoconhecimento, indispensável, e alguns direcionamentos para nossos questionamentos – os que já temos e os que virão – acabamos recebendo, pasteurizadamente, uma “resposta pronta” para nossas dificuldades: - Sim, é obsessão! É um “inimigo” seu do passado, alguém que você prejudicou e que, agora, vem “cobrar a conta”. Esta é a regra dos “esclarecimentos” dos “consultórios espíritas”. Algumas vezes, até, “respaldadas” em argumentos de um “vidente” que está “enxergando”, ao lado do necessitado, o desencarnado com “olhos vidrados” e “expressão carregada”, no ato de vindita.

Rapidamente, com muita imaginação e com os “roteiros pré-estabelecidos” dos romancezinhos consumidos pelos frequentadores das instituições espíritas ou por curiosos simpatizantes do Espiritismo, novelinhas espiritualistas de quinta categoria, mal-escritas e “previsíveis”, vai se formando a “massa espírita” de crentes nas fantasias tidas como “relações espirituais”.

Allan Kardec, a seu tempo, já nos advertira para a necessidade da avaliação das “obras” recebidas por via mediúnica, dizendo que não seria a “assinatura” aposta no texto, nem as qualidades visíveis (porque as invisíveis, de caráter, nem sempre são observáveis à distância) dos médiuns, nem o “rebuscamento” ou o “colorido” das mensagens, quase sempre contendo expressões bonitas, o “palavrório” que encanta e as cenas que despertam atenção, nos relatos, os ELEMENTOS CARACTERIZADORES da Doutrina Espírita. Muito pelo contrário.

A expressão que remonta aos tempos da passagem do Rabi sobre a Terra (“provai e vede se todos os Espíritos são de Deus”), persiste como referencial de avaliação das “produções mediúnicas”, consubstanciadas, na obra de Rivail, numa expressão atribuída ao Espírito Erasto (que foi discípulo de Paulo de Tarso), que consagra como “funil” das mensagens de teor mediúnico e, também, das afirmações de médiuns, expositores e dirigentes: “Mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma única mentira, uma única teoria falsa” (“O livro dos médiuns”, Cap. XX, Influência Moral dos Médiuns). Acerca desta expressão erastiana, em primorosa nota explicativa, o Professor Herculano Pires a consagra como a “Regra de Ouro” do Espiritismo.

Voltando ao mote deste artigo, a Obsessão, aprecio a definição dada pelo Codificador em “A Gênese” (edição restaurada), no capítulo XIV, item 46, “in verbis”: “a obsessão é sempre uma imperfeição moral que dá entrada a um Espírito mau”. E o próprio Kardec apresenta o “caminho” ou o antídoto para o problema: “Para preservar-se das doenças, fortifica-se o corpo; para se garantir da obsessão é preciso fortificar a alma. Daí para o obsidiado a necessidade de trabalhar pela própria melhoria, o que satisfaz o mais frequente para desembaraçar-se do obsessor sem recurso de pessoas estranhas”.

Também em “O evangelho segundo o espiritismo”, no capítulo XXVIII (Coletânea de Preces Espíritas), o professor francês, volta a definir a obsessão: “é a ação persistente de um mau Espírito sobre uma pessoa. Apresenta características muito diversas, desde a simples influência de ordem moral, sem sinais exteriores perceptíveis, até a completa perturbação do organismo e das faculdades mentais”.

É fato que nossas relações na vida material, diante das nossas próprias imperfeições, podem resultar em situações em que prejudicamos, por nossas ações ou omissões, outras pessoas. Também é notória a circunstância de relações desgastadas, com inimizades gratuitas, que se perpetuam por uma existência inteira. E os “laços” firmados entre os Espíritos (encarnados) subsistem, adiante, no Plano Invisível e, não raro, a presença de um dos contendores ou desafetos na condição física e o outro na posição de desencarnado, pode facilitar os processos obsessivos, em que este último visa prejudicar o que se encontra na vida corporal.

Mas a obsessão também pode ocorrer entre dois encarnados, entre dois desencarnados e de encarnado para desencarnado, visto que o caráter da vinculação não está restrito à condição de materialidade nem é exclusivo da relação que provém de quem esteja invisível, naquele momento.

Melhor, então, falar-se, na ambiência espírita, de INFLUÊNCIAS ou INFLUENCIAÇÕES. Afinal, diuturnamente, nós influenciamos e somos influenciados pelos convivas. E as influências podem ser positivas ou negativas, de acordo com nossos interesses e vinculações, ou da natureza moral de nossas aproximações com os semelhantes.

São também os Espíritos quem delimitam esta influenciação espiritual em relação aos que se encontram, momentaneamente, encarnados, porquanto as limitações impostas pela condição da matéria – às liberdades e percepções do Espírito, notadamente – geram um quadro que precisa ser bem entendido por aqueles que se interessam pelas questões espíritas, já que, para o senso comum, e, principalmente, para os que repudiam as informações da Doutrina dos Espíritos, não é possível esclarecê-los. Para os que se dizem espíritas e para os simpatizantes ou interessados nos conceitos espiritistas, é esta a pedra de toque dos relacionamentos entre desencarnados e encarnados: os Espíritos (desencarnados) influem em nossos PENSAMENTOS e ATOS “Mais do que imaginais, pois com bastante frequência são eles que vos dirigem” (“O livro dos espíritos, item 459).

A Influência, assim, não é necessariamente negativa, ruim ou para o “mal”. As influências a que estamos, todos, na condição de encarnados, sujeitos, podem ser as POSITIVAS e as negativas. Isto porque nós, via de regra, não ficamos abandonados “à própria sorte”, como supõem alguns – e como, lamentavelmente, alguns intérpretes espíritas o dizem. Do contrário, além de, individualmente, termos, todos, do homem mais simples ao mais letrado, do menos virtuoso ao mais, um ESPÍRITO PROTETOR, designado a orientar-nos e amparar-nos em nossas “necessidades” espirituais, tem-se que a primeira sugestão mental que se nos aparece, nas “encruzilhadas” ou “curvas” da existência é, segundo os Espíritos Superiores “uma voz que vos fala”. E, “Os pensamentos próprios são, em geral, os que vos ocorrem no primeiro impulso”, cabendo-nos, individualmente, zelar pela qualidade das sugestões mentais que serão nos apresentadas e pela seleção que delas fizermos, pois, o primeiro impulso “Pode ser bom ou mau, segundo a natureza do Espírito encarnado. É sempre bom para aquele que ouve as boas inspirações”.

E, como todos somos médiuns, no sentido de estarmos sujeitos à comunicação (intuitiva, não provocada, até acidental ou inesperada) com os desencarnados, estamos todos os dias à mercê destas influenciações, em razão dos vínculos que estabelecemos, mentalmente, com aqueles (invisíveis) que nos cercam, bem como com os demais encarnados, pela transmissão de pensamentos – que muitos e a própria ciência estuda como “telepatia”.  E, na forma de pressentimento, isto é, a advertência dada pelo Espírito Protetor, “é o conselho íntimo e oculto de um Espírito que vos deseja o bem” e, neste sentido, podemos dizer que são-nos sugeridos bons pensamentos em caráter intuitivo, os quais nos ajudam a tomar as decisões de nossa existência física. O que nos cabe, então, é resolver, decidir, fazer escolhas, e ir caminhando na senda do progresso.

Ainda que a obsessão possa ser uma ocorrência em nossas andanças, o Espiritismo nos fornece, com tais interpretações, as ferramentas para que possamos zelar por nossa saúde espiritual, resistindo às influências potencialmente negativas e, também, com tal resistência, auxiliando o despertamento espiritual daqueles que se encontrem como potenciais obsessores, em razão de inimizades cultivadas, por nós e por eles, em outras oportunidades.

Atribuir “tudo” ao desencarnado, inferior e igualmente “sofredor” no sentido de não estar aproveitando as oportunidades para o seu próprio esclarecimento e adiantamento espiritual, é fruto de crendices ou interpretações apressadas em relação à conjuntura espiritual que envolve encarnados e desencarnados. Compreender as relações entre espírito e matéria, ou seja, entre os Espíritos que estejam nas duas conformações possíveis (a material e a imaterial, em termos de oportunidades evolutivas) é o papel da Doutrina dos Espíritos neste quadrante da existência espiritual, nossa, e do próprio orbe que habitamos. Desmistificar e afastar as crendices, é papel de todo espírita sensato!

Por menos obsessões, sem a “cultura da obsessão” e por seres espiritualmente mais felizes e realizados!

Marcelo Henrique

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