Allan Kardec e o código espírita: questão dos termos codificador, decodificador e codificação do Espiritismo

Durante o seminário sobre a novíssima tradução do livro A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, transmitido no dia 24 do mês passado, uma questão bastante interessante foi levantada por uma das expectadoras: a utilização do termo “codificador”, atribuído a Allan Kardec; na ocasião, Ana Cristina Lima indaga então por que não “decodificador”? Uma indagação muito válida, aliás, posto que há no Movimento Espírita interpretações controvérsias a esse respeito, bem como quanto a designação “codificação espírita”, ou “codificação do Espiritismo”, como definição de todo o trabalho kardequiano, havendo quem defenda que esses termos não apenas sejam imperfeitos, mas também totalmente inadequados. Será mesmo isso? A propósito dessa discursão, apresentamos então a reedição do verbete "Codificador Espírita" da Enciclopédia Espírita Online.

Para começar nossa reflexão, assista ao trecho da questão levantada no seminário:


Temos uma controvérsia...

Sim, temos aqui mais uma controvérsia no meio espírita — o que não é de se espantar, afinal, estamos tratando de algo muito complexo mesmo, tal como é o Espiritismo; por mais didático que tenha sido Allan Kardec ao sintetizar esta doutrina através de suas obras literárias, devemos ter em conta a impossibilidade de solucionar todos os problemas teóricos, de explicar suficientemente claro todas as nuances de um objeto de estudo (a natureza espiritual) que é muito superior às nossas capacidades intelectuais. Daí a razão de ainda nos debatermos acerca de certos detalhes doutrinários, especialmente levando em consideração a própria dificuldade da nossa linguagem para ilustrar as coisas tais da dimensão espiritual, para as quais faltam palavras apropriadas.

Apesar das limitações da linguagem, faz bem procurarmos a melhor correspondência, buscando as melhores definições possíveis — deixando em aberto a discursão para novas e melhores contextualizações, sem a arrogância infantil de julgamos satisfazer a questão perfeitamente.

Com isso, a melhor solução para uma peleja teórica como essa não é buscarmos acrescentar mais uma mera opinião, somando ao debate os achismos ao gosto pessoal de cada um, mas sim buscando o auxílio da ciência mais adequada para o caso. Fosse uma questão numérica, chamaríamos uma disciplina matemática; no fato aqui, então, temos um problema de semântica, quer dizer, significado das palavras, pelo vamos devemos nos socorrer de um estudo da ciência linguística, procurando compreender a concepção, ou melhor, as concepções dos termos referidos, codificador, codificar, código etc., e comparar com o contexto aplicado no meio espírita para vermos se há uma ou mais concepções compatíveis com a referida aplicação, em alusão a Kardec.

 

Uma visão limitada

Segundo certa interpretação, a concepção usual do termo codificador que atribuímos a Kardec diz respeito e se restringe à ideia de codificar no sentido de compilar, coletar documentos e reuni-los numa obra (como é o trabalho de certos editores que coletam poesias dispersas e as publicam num só volume). Nesse contexto, Pierre-Gaëtan Leymarie foi o compilador — portanto, um codificador — do livro Obras Póstumas de Allan Kardec, publicado em 1890.

De fato, uma das significações do verbo codificar é fazer esse tipo de coletânea; de alguma forma, Kardec também foi um compilador, porque na composição de O Livro dos Espíritos, por exemplo, ele coletou e sistematizou diversas mensagens espirituais, transmitidas por diversos médiuns, organizando assim um volume bem organizado. Nesse sentido, então, o termo faz jus à sua utilização. Mas há quem veja aí um reducionismo no valor de Kardec, uma diminuição do seu trabalho e, por isso, a rejeição ao epíteto "codificador". E mais: há quem veja aí uma intenção — até mesmo maliciosa — de rebaixar Kardec. É o que lemos num texto intitulado Kardec codificador? (consultado hoje, 2 de maio, 2022) onde nos deparamos com a seguinte citação (grifo nosso):

"No Brasil, justamente por termos perdido ou não compreendido suficientemente os critérios de racionalidade e pesquisa que Kardec criou para a análise dos fenômenos mediúnicos, ficamos apenas com a revelação, aceita cegamente. Por isso, o termo codificador combina melhor com essa nossa visão caseira do Espiritismo, como algo meramente revelado e não pesquisado e concebido pelo ser humano, em diálogo com os Espíritos."

Com todo o respeito, vemos nessa interpretação um negativismo sistemático ao movimento espírita brasileiro, como se em algum outro lugar no mundo o Espiritismo tivesse sido melhor compreendido. Além do que, na análise do termo codificar, a articulista limitou-se a pegar um único significado que o citado dicionário Houaiss dá para o termo, quando na verdade há vários, alguns dois muito bem aplicáveis a Kardec, ampliando assim a concepção que podemos inferir ao seu trabalho na codificação espírita, colocando-o muito além de compilador dos Espíritos.

Trecho do artigo Kardec codificador?

Ao reduzir o valor semântico do termo codificar, o referido artigo ficou preso a uma interpretação limitada, enquanto o Dicionário Houaiss o amplia consideravelmente.


Uma entendimento ampliado

Tomando então um estudo linguístico aprofundado, analisando todas as acepções possíveis dos termos "codificador", "codificar" e "código", vamos compreender que as expressões Codificador Espírita Codificação do Espiritismo são perfeitamente cabíveis e em nada deprecia Allan Kardec desde que se preserve o justo e devido contexto.

Então, para conferir o resultado desse estudo linguístico e compreender melhor as acepções e aplicações possíveis para os termos em questão, recomendamos a todos a leitura na íntegra do verbete "Codificador Espírita" na Enciclopédia Espírita Online.


O verbete também examina as possibilidades de interpretação de "Código Espírita", o papal de Kardec como "decodificador" e os outros significados do verbo "codificar" que não são aplicáveis no contexto do Espiritismo.

Verbete "Codificador Espírita" na Enciclopédia Espírita Online.

Comentários

Postagens populares

Dra. Anete Guimarães em São Paulo

REVELAÇÕES DE CHICO XAVIER SOBRE TRANSIÇÃO PLANETÁRIA

A tragédia da Chapecoense e as mortes coletivas