Quem tem medo do inferno? - 160 anos de 'O Céu e o Inferno'
Continuando a série de matérias especias em homenagem aos 160 anos de lançamento do livro O Céu e o Inferno, de Allan Kardec, trazemos aqui um assunto palpitante para aqueles que ainda não encontraram a luz do Espiritismo: o inferno e toda a sua mística pregada pelo cristianismo tradicional, mas que a Revelação Espírita refuta com propriedade.
Então, boas notícias: o inferno não existe, nunca existiu e nunca existirá! Mas atenção para a informação precisa a respeito, como segue.
Dos mitos à teologia cristã convencional
No seu significado clássico, inferno é "para os cristãos, lugar em que as almas pecadoras se encontram após a morte, submetidas a penas eternas", conforme o Dicionário Houaiss. A versão dos católicos, protestantes e cristãos reformistas em geral tem suas raízes nos diversos mitos e expressões culturais das mais antigas tradições, dentre as quais a ideia do Hades, da mitologia grega; contudo, comenta o codificador espírita, Allan Kardec, que o modelo infernal desses cristãos convencionais "em muitos pontos supera o inferno dos pagãos" (O Céu e o Inferno - 1ª parte, cap. IV, item 3); enquanto os suplícios da justiça nos mitos gregos e demais culturas pagãs eram compostos de penas individualizadas, diz Kardec que o suplício dos cristãos "tem, para todos, suas caldeiras ferventes, das quais os anjos levantam as tampas para ver as contorções dos condenados e nisso, impiedosamente, Deus fica ouvindo os gemidos deles durante a eternidade! Jamais os pagãos retrataram os habitantes dos Campos Elíseos apreciando a vista dos suplícios do Tártaro." (Idem)
Para tornar a coisa ainda mais dramática, o inferno cristão buscou a imagem mais forte e terrível que fosse possível para implantar um verdadeiro terror nos fiéis: a do fogo. Ora, sem poder descrever com exatidão o que não via (até porque não há como descrever o que não existe), o homem copiou do que existe na Terra de mais aterrorizante para então idealizar como seria o lugar dos castigos eternos; nisso, ele pintou o quadro de um lugar repleto de labaredas, queimando constantemente os condenados, mas sem consumi-los, para que o castigo seja perpétuo, donde o pioneiro espírita vai dizer desse homem primitivo que materializa a punição pós-morte num campo infernal: "Como ainda não estava desenvolvido o sentido que mais tarde o faria entender o mundo espiritual, ele não podia conceber mais do que os sofrimentos físicos; eis por que, salvo algumas diferenças no formato, o inferno em todas as religiões é semelhante." (O Céu e o Inferno - 1ª parte, cap. IV, item 2)
Ah, mas alguém poderá perguntar: e por que Jesus não revelou toda a verdade, quando encarnou na Terra, detalhando enfim como é aplicada a justiça divina e, com isso, negando o inferno? Kardec responde: "Jesus não podia de uma hora para outra destruir crenças arraigadas; faltava ao homem os conhecimentos necessários para conceber a imensidão do espaço e o número infinito de mundos; a Terra era para eles o centro do Universo; dela, não se conhecia nem a forma nem a estrutura interior; tudo era limitado ao ponto de vista daqueles homens: as noções do futuro não podiam se estender além dos seus conhecimentos. Em razão disso, Jesus encontrava-se na impossibilidade de os iniciar no verdadeiro estado das coisas; mas, por um lado, não querendo sancionar com a sua autoridade os preconceitos estabelecidos, ele se absteve, deixando ao tempo a tarefa de retificar aquelas concepções. Ele se limitou a falar vagamente da vida bem-aventurada e dos castigos que esperam os culpados; mas, em nenhuma parte nos seus ensinamentos constam o quadro dos suplícios corporais dos quais os cristãos constituíram um artigo de fé." (O Céu e o Inferno - 1ª parte, cap. IV, item 6)
Portanto, não existe um lugar específico no espaço, ou em qualquer outro lugar, determinado para o castigo dos pecadores — tal como o que caracteriza o inferno — assim como não existe a condenação eterna.
Expiação pela justiça divina
Que bom, não é mesmo? Sim, mas é preciso dizer também que a não existência do inferno e da condenação eterna não invalida a justiça de Deus; a lei natura é inexorável, justa e infalível, valendo para todos, sem exceção mesmo! Todos colhem dos frutos que plantaram — tanto os bons frutos como os maus frutos — ou pagam pela omissão do bem que deixaram de fazer. Nisto consiste a expiação, a punição, o castigo que o Senhor impõe aos Espíritos imperfeitos, com o objetivo de conscientização do mal que foi feito e do bem a ser praticado em lugar da imperfeição. Vê-se, então, que a expiação imposta pela lei natural divina tem uma função educativa.
A expiação é naturalmente penosa, mais ou menos dolorida conforme a gravidade da imperfeição praticada, incluindo aí a reparação dos danos causados a terceiros; mas não poderia ser eternizada: o pagamento da sentença é a purificação do Espírito, e, uma vez purificado, ele pode trilhar o caminho rumo à felicidade sem que seu passado delitoso lhe perturbe mais.
Para se purificar, o Espírito tem à sua disposição o mecanismo da reencarnação, pela qual ele experimenta as provações da vida que o ajudam a despertar a consciência e o dever de caridade para com o seu próximo. No entanto, para os indivíduos endurecidos e ainda inclinados ao mal, necessário se faz que ele passe por duras condições de sofrimento até que se resigne e reforme sua moral; enquanto permanecer obstinado no seu erro, por mais tempo ele arrasta o tempo da sua sentença, além de piorar as condições de sua expiação. Neste caso, em sentido figurado, podemos dizer que ele pode prolonga seu inferno particular.
Porém, chega uma hora em que ele não aguenta mais, e que a força das coisas o leva a desejar algo melhor, conduzindo-o ao refazimento espiritual. Daí, é possível dizer com segurança que realmente não há inferno.
Perversidade da teologia do inferno
A ideia do inferno está atrelada a da condenação eterna; é assim que a teologia católica e evangélica protestante prega. Com isso, nós vemos uma grande perversidade sendo exercida na prática comum, dentre outros tantos erros teóricos nessa ideia: imagine quantos criminosos — ou mesmo simples pecadores — foram tomados de um pensamento sobre sua conduta e chegaram a conclusão que, não sendo perfeitos e santos, ou pelo menos muito bons, então se veem antecipadamente na lista dos condenados ao inferno pelos erros cometidos, dos quais eles acham que não podem ser perdoados; o que pode acontecer a partir daí? Que simples pecadores ou criminosos menores desistam de buscar o perdão divino e, já considerando desgraçados, se entreguem ainda mais ao mal, aos vícios, aos crimes e tudo quanto é atrocidade, sob a ideia vã de que: "Já que tudo está perdido mesmo..."
E adicione aí o fato das obsessões espirituais: entidades malévolas inspirando suas pressas ao desespero devido seus "pecados".
Quanta desgraça ocorre por falta de esperança, e quanta desesperança brota por falta de um conhecimento mais acertado acerca da justiça divina...
Por essas e outras, nada melhor do que o livro O Céu e o Inferno para se compreender como é A justiça divina segundo o Espiritismo; especialmente, sobre a temática aqui tratada, recomendamos o Capítulo IV da 1ª parte do livro.
Eis por que temos muito o que comemorar este ano, pela passagem do 160º aniversário de lançamento desta obra magnífica.
Lembrando que você pode ler online ou baixar este livro em PDF ou EPUB através da nossa Sala de Leitura.
Veja também as nossas primeiras publicações sobre esta série especial de artigos:
- 160 anos de lançamento do livro "O Céu e o Inferno" de Allan Kardec" (19/01/2025)
- Kardec batendo de frente com a Igreja Católica (26/03/2025)
- O castigo divino numa visão kardecista (26/04/2025)
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