Artigo escrito por Ery Lopes e gentilmente cedido para divulgação entre nossos amigos do Portal Luz Espírita.
LIMITAÇÕES DO ESPIRITISMO
O que a Doutrina Espírita não explica
Ao encontrar uma religião ou
disciplina filosófica interessante e que satisfaça anseios, é natural que o
indivíduo passe por uma fase inicial de encantamento, a ponto de propor a si
mesmo alguns sacrifícios para propagar sua descoberta — até em razão de, por
força da caridade, querer dividir com os semelhantes as benesses de que ora
goza. Desde que abarcaram o Cristianismo os romanos não mediram esforços para
implantar a nova crença — inclusive usando de espada e fogo para tal fim. Os protestantes,
por sua vez, desafiaram a poderosa Igreja Católica e foram ao "campo"
semear a reforma luterana com um ímpeto impressionante. No meio científico e
filosófico o comportamento também não é tão diferente: vislumbrando um
horizonte irradiante, os iluministas investiram na revolução do pensamento
moderno um tanto apaixonadamente, com o patrocínio até de fraternidades
secretas. Com a expansão do Espiritismo, pós o fenômeno Chico Xavier, vemos
então um surto de campanhas, projetos e realizações em nome da doutrina
kardecista — especialmente no Brasil, mas com selo de exportação.
Essa fase de encantamento é válida,
claro, pois acaba alavancando novas possibilidades — individuais e coletivas —,
porém requer que se faça ressalvas relevantes, dentre as quais, a ponderação,
para que não se perca na paixão e se perda o fio da racionalidade, pois a
exaltação exagerada é até mais prejudicial do que mesmo benéfica para a
disciplina a que se propõe divulgar.
Perspicaz como poucos, Allan Kardec
também escreveu sobre esses exageros. Em "O LIVRO DOS MÉDIUNS", 1ª
parte, Cap. III, item 28, ele classificou os ditos praticantes espíritas em
quatro categorias, a saber: 1) espíritas
experimentadores (aqueles apegados às experimentações mediúnicas); 2) espíritas imperfeitos (os que
reconhecem os fenômenos mas ignoram a prática moral da doutrina); 3) espíritas verdadeiros (esforçam-se no
estudo técnico da doutrina e na prática da sua moral) e, finalmente; 4) espíritas exaltados, discorrendo sobre
estes da seguinte forma:
"A espécie
humana seria perfeita, se sempre tomasse o lado bom das coisas. Em tudo, o
exagero é prejudicial. Em Espiritismo, inspira confiança bastante cega e
frequentemente infantil em relação ao mundo invisível, e leva a aceitar-se, com
extrema facilidade e sem verificação, aquilo cujo absurdo ou impossibilidade a
reflexão e o exame demonstrariam. Porém, o entusiasmo não reflete, deslumbra.
Esta espécie de adeptos é mais prejudicial do que útil à causa do Espiritismo.
São os menos aptos para convencer a quem quer que seja, porque todos, com
razão, desconfiam dos julgamentos deles. Assim, por causa de sua crença fácil,
são iludidos por Espíritos mistificadores, como por homens que procuram
explorar-lhes a fé. Meio-mal apenas haveria, se só eles tivessem que sofrer as
consequências. O pior é que, sem o quererem, dão armas aos incrédulos, que
antes buscam ocasião de zombar, do que se convencerem e que não deixam de
imputar a todos o ridículo de alguns. Sem dúvida que isto não é justo, nem
racional; mas, como se sabe, os adversários do Espiritismo só consideram de bom
quilate a razão de que desfrutam, e conhecer a fundo aquilo sobre o que pensam
é o que menos cuidado lhes dá".
Ou seja, a exaltação — característica
evidente nos principiantes — empurra os novatos a apressarem-se nas suas conclusões
para delas se servirem na propagação daquilo que creem. E como viram pouco, sabem
pouco e pouco podem fazer em favor do que creem.
Um antigo e anônimo provérbio
diz: "quem pouco viu, de tudo muito se admira". Logo, a exaltação é
um perigo, e temos visto muitas tragédias provindas dessa afobação ideológica.
Pela força das tradições,
valendo-se da razão de uma "guerra santa" em nome de Jesus, os
católicos pretenderam uma lavagem cerebral coletiva e aos mais resistentes
impuseram as chamas da Inquisição. Já os evangélicos, de posse da Bíblia,
investiram na memorização de passagens bíblicas para lançaram uma pregação terrorista.
Em contraposição à ideia da invenção do trem, um meio-sabido declarou certa vez
que os homens nunca viajariam em alta velocidade porque morreriam por falta de
ar — e olha que a alta velocidade sugerida era de aproximadamente 80km/h. No movimento
espírita atual temos visto muitas exaltações. E, como disse o codificador, elas
acabam servindo de munição em favor dos detratores do Espiritismo, ao igualar a
base da nossa querida doutrina ao que esses prosélitos exaltados dizem dela.
Diante disso — mesmo correndo o
risco de também ser um meio-sabido espírita —, propus-me a escrever sobre uma
dessas exaltações que tenho visto de meus confrades: a de que o Espiritismo tem
respostas para tudo. No azo dessa afirmação, que considero errônea, tracei
algumas limitações do Espiritismo, quer dizer, de coisas que a Doutrina
Espírita não explica. Ei-las a seguir:
- O mistério de Deus:
embora tenha sugerido algumas qualidades atribuíveis à Divindade (que Deus
é eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e
bom), a codificação não se propôs defini-lo. E os Espíritos superiores que
contribuíram com Kardec foram enfáticos em dizer que a essência do Criador
é inacessível para nossa condição atual, pois nos falta o sentido próprio
para essa compreensão. Com isso, Deus é doutrinalmente um mistério para nós.
Entretanto, quando dizemos "mistério", referimo-nos à
"ignorância", à falta de conhecimento, nada relacionado aos
chamados "mistérios sagrados", que aqueles segredos (que sejam
conhecíveis) e que são propositadamente escondidos.
- A causa primordial:
os Espíritos disseram que Deus é a causa primordial de todas as coisas. Muito
bem, mas, e a causa de Deus? Ele próprio se fez? A resposta foi que Deus é
eterno, portanto, não teria início (não teria sido criado) e nem terá fim.
Daí, precisaríamos compreender o que a eternidade, o tempo, o infinito,
etc.
- Sondagens: o
codificador espírita bem que tentou penetrar em conceitos profundos, por
exemplo, eternidade, infinito, tempo, espaço etc. (que seriam fundamentais
para sondarmos a essência de Deus), mas os guias espirituais também não puderam
ajudar muito. Incapacidade nossa, sem dúvida, porém, de qualquer maneira,
é uma limitação do atual Espiritismo.
- Nascimento
espiritual: quando e o processo de nascimento dos Espíritos são outras
temáticas ainda ignoradas pelo nosso Espiritismo.
- Nessa mesma conta poderíamos ajuntar a origem da matéria
e, por conseguinte, de todo o Universo. Aliás, curiosamente, podemos
deduzir que o nosso futuro nos parece muito mais certo e calculável do que
a construção do nosso passado.
Com efeito, a Doutrina Espírita
tem suas limitações, por não ser capaz de suplantar nossa ignorância. Se propagarmos
por aí que ela é uma ciência completa e perfeita, corremos o risco de vulgarizarmos
o Espiritismo, ao criar uma falsa ideia de que as pessoas terão respostas
prontas tal como uma receita de bolo. Todavia, as limitações não são exatamente
da doutrina em si, mas da nossa condição evolutiva atual; somos nós quem não
temos as capacidades de compreensão da perfeição universal. Se tivéssemos o
sentido espiritual, o Espiritismo seria uma porta aberta para toda a verdade,
uma vez que ele nos conecta com a espiritualidade e com o próprio Criador. Mas
como ele (o Espiritismo) se faria audível a quem falto o órgão auditivo? Seria como
mostrar o mapa da verdade para um cego.
Convém dizer ainda que essas
lacunas não desmerecem a doutrina, pois que está é uma ciência contínua,
progressiva. Na verdade, a Humanidade sequer via algumas dessas lacunas de que
hoje o Espiritismo trata. E antes de encontrar as respostas, é preciso desenvolver
as perguntas.
Se não pode explicar tudo, a Doutrina
Espírita já adiantou um bom bocado. Ela antecipou muitas descobertas que a ciência
humana só faria muito mais tarde. Sobre Deus, por exemplo, se não é possível fazer
uma conceituação definitiva, pelo menos, temos d'Ele aquelas qualidades
supracitadas, pelas quais podemos desmistificar falsas impressões, como a de um
ser com feições e temperamentos humanos.
E para nossa felicidade, a cada
dia a doutrina se agiganta em essência, com as revelações que os Espíritos vêm
nos trazer e com a comprovação prática de seus postulados.
Portanto, é bom mantermos a ponderação
quando na propagação do Espiritismo, evitando assim lhe atribuirmos o que nela não
contém, nem tirarmos o que é dela.
Logicamente que todos têm o
direito de expressão e esse livre exercício — embora propicie erros e gere as consequências
desses equívocos, também serve como ensaio para nosso aperfeiçoamento — e não
queremos aqui propor qualquer espécie de censura ou inquisição. No entanto, é
bom, quando possível, aconselharmo-nos na boa condução de nossa prática
espírita.
Para finalizar, exclamo que o
Espiritismo é perfeito em si mesmo, dentro de suas prerrogativas, pois que abre
as possibilidades para os homens descobrirem a verdade espiritual à medida que
a nossa consciência se abre para a compreensão das revelações. O que ela não
pode explicar hoje, certamente o fará paulatinamente, de acordo com nossa
evolução. Louvo a Deus por ter encontrado essa luz em minha vida e rogo que
meus irmãos terrenos que ainda a ignoram possam brevemente acessar essa graça.
Ery Lopes
Músico espírita e membro do Conselho Administrativo Luz Espírita