sexta-feira, 30 de julho de 2021

"Superstição", novo verbete da Enciclopédia Espírita Online

O que você sabe sobre "superstição"? Qual a relação entre essa ideia e a Doutrina Espírita? Você é ou não supersticioso?

Pois bem, a Enciclopédia Espírita Online acaba de publicar o seu mais novo verbete, justamente tratando deste tema, que é de total interesse para uma boa compreensão do Espiritismo.

Veja a sinopse do verbete:

Superstição é o conjunto de crenças e práticas que se baseiam na ideia de causalidade entre um determinado ato causal e um evento resultante daquele, sendo esta relação considerada infundada, irracional e tola, sustentada então pela fé em uma ligação mística entre a causa e o efeito. Consequentemente, em geral o termo é aplicado de forma pejorativa para evidenciar e ou ridicularizar quaisquer ideias, concepções e tradições que estejam fora do entendimento da ciência, deslocando-as para a categoria dita “crendice popular”. Seja por pura ignorância, por preconceito ou por sistemático antagonismo doutrinário, o Espiritismo e toda a fenomenologia mediúnica têm sido ocasionalmente colocados dentre dessas crenças supersticiosas, pelo que a codificação kardequiana tratou de distinguir esta doutrina das superstições, demonstrando a naturalidade das manifestações espirituais e a justeza da sua mensagem moral, cuja racionalidade está em franca oposição a tudo o que é supersticioso.

Acesse agora mesmo o verbete completo na Enciclopédia Espírita Online.


quarta-feira, 28 de julho de 2021

Calendário Histórico Espírita: 50 anos do primeiro Pinga-Fogo com Chico Xavier


Há exatos 50 anos acontecia um fato extraordinário: um marco da História da televisão brasileira e um grande feito para o movimento espírita: o programa Pinga-Fogo da extinta TV Tupi, edição N° 29, em 28 de julho de 1971, apresentava ao Brasil inteiro a imagem cativante de Francisco Cândido Xavier, episódio esse que foi muito bem explorado em Chico Xavier, o filme (Direção de Daniel Filho, 2010). A partir dele, o médium ganhou fama nacional e expandiu a Doutrina Espírita de forma significante. Nele, Chico Xavier foi sabatinado sobre variados temas, aos quais, respondeu com muita sagacidade -- sob orientação de Emmanuel --, embora, como bem confessou, estivesse muito temerário.

Não era para menos, televisão era algo exorbitantemente importante naquela época. O terreno era hostil, pois o Espiritismo não era bem visto no meio popular. Mas com simpatia, franqueza e principalmente com consistência doutrinária, Chico Xavier "ganhou o público".

O que era para ser mais uma hora de entrevista comum, tornou-se um dos maiores marcos da televisão brasileira, extrapolando o tempo para mais de duas horas e meia, uma estrondosa audiência e uma repercussão sem igual.

Destaque para a participação do emérito filósofo espírita José Herculano Pires, na tribuna de entrevistadores, e o momento em que Chico chora, ao citar o nome da mãe, que segundo ele, o acompanhou durante o programa.

O sucesso de Chico no Pinga-Fogo não parou e obrigou a emissora a produzir uma segunda entrevista, o que se deu logo no ano seguinte, 1972, com a continuação do sucesso. Agora, já mais à vontade com a mídia e bem acomodado com as câmeras, Chico mostra segurança e deslancha com conhecimentos e conceituações, sempre segundo a disciplina espírita.

Uma cópia do vídeo daquele histórico evento pode ser acessada pela janela a seguir:


Para mais dados e eventos de interesse ao Espiritismo, confira a página:

domingo, 18 de julho de 2021

Lançamento de "Os Pensamentos de Cáritas e as Reflexões de Maria", de Laurent de Faget


Anunciamos aos nossos confrades o mais novo livro disponibilizado na Sala de Leitura do Portal Luz Espírita: Os Pensamentos de Cáritas e as Reflexões de Maria, de Laurent de Faget.

Lançado em 1888, esta obra, assinada pelo grande publicista, poeta, médium e divulgador do Espiritismo, Laurent de Faget informa no prefácio se tratar de uma obra mediúnica, sob o ditado de dois Espíritos (Cáritas e Maria), que ele recebeu em algumas noites de inverno.

As mensagens são de cunho filosóficos, exaltando a revelação espírita, em conformidade com a codificação de Allan Kardec. Os temas são dos mais variados: progresso moral, religiões, vida no mundo espiritual, o homem na sociedade, etc.

Uma obra, pois, de instrução e inspiração para celebrarmos a vida, na Terra e no além.


Clique aqui e leia online ou baixe o PDF de Os Pensamentos de Cáritas e as Reflexões de Maria, de Laurent de Faget.

terça-feira, 6 de julho de 2021

"Kant ou Kardec? - Precisamos perder a referência?", por Carlos Luiz

Em sequência às suas reflexões a respeito do Movimento Espírita atual, nosso confrade espírita e sociólogo Carlos Luiz (Fortaleza, Ceará) oferece a todos o seguinte artigo, pelo qual faz um pequeno comparativo entre duas linhas de pensamento que ele considera substancialmente antagônicas (Kant e Kardec), deixando então a indagação capital a respeito de qual estrada os espíritas devem seguir a partir dessa bifurcação.

Para melhor contextualização destas reflexões, não deixe de conferir o artigo anterior de Carlos Luiz: "Um fato singular".


Kant ou Kardec?
Precisamos perder a referência?

por Carlos Luiz


Qual o tipo mais perfeito que Deus ofereceu ao homem, para lhe servir de guia e modelo?
– "Vede Jesus."
Jesus é para o homem o tipo de perfeição moral a que pode aspirar a Humanidade na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ele ensinou é a mais pura expressão de sua lei, porque ele estava animado do Espírito divino e foi o ser mais puro que já apareceu na Terra.
Se alguns dos que pretenderam instruir os homens na lei de Deus algumas vezes os desviavam para falsos princípios, foi por se deixarem dominar por sentimentos demasiado terrenos e por terem confundido as leis que regem as condições da vida da alma com as que regem a vida do corpo. Muitos deles apresentaram como leis divinas o que era apenas leis humanas, instituídas para servir às paixões e dominar os homens.
O Livro dos Espíritos – questão 625 seguido de comentário de Kardec


As modas intelectualistas no movimento espírita prosseguem seu caminho infeliz. Como anunciou o Cristo na parábola do joio e o trigo, o inimigo atiraria joio em meio ao bom grão, as falsas teorias em meio às verdades. Por isso, a vigilância e a oração — principalmente em um tempo de intensa renovação — é dever de todo espírita sincero.

Algumas vezes, importamos ideias excêntricas de heresias antigas (como a ideia do corpo fluídico de Jesus, do Docetismo do século II depois de Cristo), outras vezes, querendo parecer mais intelectualizados, copiamos, sem nenhum senso crítico, ideias que aparecem no meio acadêmico, ainda que sejam antiespíritas. Esse é o caso que analisaremos.

A importação dos conceitos do filósofo alemão Immanuel Kant (1724- 1804) para o Espiritismo — como se fosse ele uma autoridade doutrinária, referência para a Doutrina espírita, e até superior a Allan Kardec (1804-1869) e ao Espírito Verdade — é destas loucuras que chocam a todos de bom senso, espíritas ou não. Busca-se corrigir Kardec com as ideias de Kant, esconde-se ou ignora-se que aquele filósofo iluminista desprezava a mediunidade, a moral cristã e o conceito espírita-cristão de Deus.

As diferenças e contradições entre a visão de mundo de Immanuel Kant e a espírita são tão numerosas que será necessário um trabalho longo para apresentá-las, o que faremos no futuro. Mas como diz a famosa frase atribuída a Winston Churchill (1874-1965): “Uma mentira dá meia volta ao mundo antes que a verdade tenha tempo de vestir as calças”, iniciamos nesse artigo o estudo de dois aspectos da filosofia e da moral kantiana: o primeiro são os frutos culturais da filosofia de Kant; o segundo aspecto é uma das inúmeras contradições entre o kantismo e o Espiritismo, a condenação e ridicularização da pesquisa mediúnica por Kant.


ASPECTO PRIMEIRO: OS FRUTOS DA FILOSOFIA KANTIANA

Como afirma o próprio, Augusto Comte (1798-1857), fundador do Positivismo (movimento intelectual e cultural inimigo do Espiritismo, desde a época de Allan Kardec), a filosofia positivista tem como um dos seus principais inspiradores o filósofo alemão Immanuel Kant.

O Positivismo combateu as ideias espíritas em várias frontes. Para a filosofia de Comte, a evolução da humanidade aconteceria em três fases, segundo a lei dos três estados, teríamos o estado teológico, o metafísico e o positivo. Os dois primeiros seriam a infância da humanidade, período de ignorância e superstição; o terceiro, a era da ciência materialista — este, naturalmente, para os positivistas, seria o mais avançado. A consequência é clara: o Espiritismo (como qualquer saber que considera importante a busca da causa primeira, bem como a finalidade da vida) não passa de mera superstição e inutilidade nociva.

Não por acaso, o mais renomado seguidor de Comte na França de Kardec, Emile Littré (1801-1881) — que entendia melhor do que os espíritas atuais a ligação entre Espiritismo e o Magnetismo — combateu a ambos de forma rude. O sr. Littré foi citado por duas vezes na Revista Espírita (janeiro de 1860 [1] e fevereiro de 1862 [2]) como opositor do Magnetismo e do Espiritismo. Littré promoveu, por exemplo, o trabalho do dr. Braid (1795-1860) que, para combater o magnetismo, criou o termo "hipnotismo" e negou a existência dos fluidos como uma forma de materializar essa área do saber humano, transformando-a em simples técnica de sugestão mental. Caso tivesse sido aceito pelos espíritas, isso destruiria toda a doutrina espírita, que afirma ser o universo composto por Deus, Espírito e matéria (composta e estruturada pelo fluido cósmico universal). Para Kardec — que combateu com todas as forças as ideais materialistas (positivistas ou marxistas) — os materialistas são os responsáveis pela desordem social, pelo enfraquecimento da moral e pelo aumento de casos de loucura e suicídio.

Como acontece frequentemente, aqueles que traem a Lei de adoração acabam na ridícula situação de adorar a si mesmo e a outros homens, e com o Positivismo não foi diferente. Formou-se a "religião positivista" que possui, inclusive, igrejas. O Positivismo, na estranha situação de uma "religião materialista", que defende uma "imortalidade subjetiva" é um dos importantes frutos culturais da filosofia de Kant, conforme reconhece seu fundador ao escrever para Friedrich Maximilian Müller, tradutor da obra de Kant para o francês, em 1824.

Li e reli com infinito prazer o pequeno tratado de Kant (Idee zu einer allgemeinen Geschichte in weltbürgerlicher Absicht, 1784); é prodigioso para a época, e mesmo, se eu o tivesse conhecido seis ou sete anos antes, ter-me-ia poupado muitos problemas. Estou muito contente que você o tenha traduzido; ela pode contribuir muito efetivamente para preparar as mentes para uma filosofia positiva. (...) Para mim, até agora, depois desta leitura, não me encontro com outro valor que o de ter sistematizado e encerrado a concepção esboçada por Kant sem meu conhecimento, que devo acima de tudo à educação científica; e mesmo o passo mais positivo e distinto que dei depois dele, parece-me apenas ter descoberto a lei da passagem das ideias humanas pelos três estados, teológica, metafísica e científica, lei que me parece ser a base do trabalho que Kant aconselhou a ser executado. [3]

Infelizmente, a influência do filosofo alemão não cessou com o Positivismo. Foi ainda mais desastrosa e degradante nos séculos XX e XXI. O kantismo foi integrado ao marxismo pela Escola de Frankfurt, que desenvolveu seu potencial destrutivo, anticristão, ao extremo. Como explica o estudioso Roger Scruton em seu livro sobre a nova esquerda, “A teoria crítica de Horkheimer é, na verdade, a filosofia crítica de Kant, reapresentada como instrumento de crítica social e modelada pelas marteladas de Marx.” [4]

A título de exemplo, podemos citar a aplicação do conceito de autonomia moral kantiana — que é de essência relativista, como instrumento de destruição da família fundada em valores cristãos. Defende Max Horkheimer (1895-1973), um dos mais eminentes representantes da Escola de Frankfurt, em nome do hoje chamado “marxismo cultural” ou “novo marxismo”, que a liberação sexual radical é uma arma de luta contra a "moral masculina burguesa". Essa crítica significa uma defesa do acesso da criança à vida sexual dos pais, em nome de uma “educação libertadora”, além do desenvolvimento de uma relação sensual entre mãe e filho conforme citação abaixo extraído do ensaio Autoritarismo e Família:

"A monogamia na sociedade masculina burguesa pressupõe a desvalorização do prazer oriundo da mera sensualidade. Por isso, não só a vida sexual dos esposos é envolta em mistério perante as crianças, mas todo o carinho dispensado à mãe pelo filho tem de ser banido estritamente qualquer elemento sensual." (p. 230)

O que isso significa? Primeiro, o fato de a criança não ter acesso à vida sexual dos esposos cria um 'mistério' que afetará o desenvolvimento da criança. As consequências dessa falta de autonomia da criança de ter acesso ao ato sexual dos pais e de receber carícias sensuais da mãe são consideradas pelo autor Kantiano-marxista muito negativas, geradora de obscuridade e posturas conservadoras como ele explica no mesmo texto:

"A razão e o prazer nele são restringidos, e a inibida dedicação à mãe retoma na receptividade exaltada e sentimental a todos os símbolos de forças obscuras, materiais, conservadoras." (p.231)

Em outras palavras, há uma inibição da razão e da capacidade de sentir pelo fato de a criança não ter em assistido a vida sexual dos pais e recebido "elementos sensuais" da mãe. Como entender tais monstruosidades mentais? Não é difícil. Kant funda uma visão de mundo relativista, onde a percepção tem seu predomínio em relação à realidade; tudo são representações, opiniões; a verdade e a mentira se confundem... E Marx, como ele mesmo afirma, tem ódio da civilização cristã — e ainda mais ao Espiritismo. [5] Ao juntar estas duas visões de mundo, o relativismo e o ódio, elabora-se uma estratégia sutil e inteligente para destruir a atual civilização cristã, instalando em seu seio o caos e a desordem, frutos da extinção das hierarquias, dos valores, da verdadeira arte e da relação com Deus, tudo em nome de uma liberdade mentirosa, que é expressão de intenso ódio, destrutiva revolta e imensa ingratidão.

Podemos agir com complacência ante tais afirmativas?

Quando constatamos que o marxismo e kantismo são amplamente aceitos e divulgados em nosso movimento, temos reais motivos para graves preocupações. Principalmente quando o veneno — o sempre destrutivo fermento dos fariseus — é propagado sob um manto de respeitabilidade, decência e dignidade.

Não pensemos que estas questões estão longe de nosso país. Como exemplo, podemos citar, dentre outros, o filósofo e professor universitário Paulo Ghirardelli autor do livro Neopragmatismo, Escola de Frankfurt e marxismo (Rio de Janeiro: DPA, 2001) que publica um artigo intitulado "Pedofilia saudável e recomendável. Jesus era pedófilo", no qual afirma “Quando Jesus chamou as crianças, agiu como nós hoje com bebês, cães e ‘decotes’. Ficou feliz. Talvez até quisesse dar de mamar às crianças. Muitos pais (homens, sim!) dão de mamar às crianças, pois só a presença e o choro delas desenvolvem glândulas mamárias de adultos sensíveis próximos”. [6]

Esse será o resultado também no movimento espírita. A junção que já observamos entre marxismo e o kantismo promovidos por autores e editoras que se apresentam como espíritas e são aceitos por instituições e dirigentes como grandes intelectuais não dará resultados diferentes. Nesse momento de profunda e evidente decadência intelectual e moral que vivemos é imprescindível vigiar e orar, que significa não apoiar nem direta nem indiretamente essas ações e, como ensina Jesus, alertamo-nos uns aos outros, pois que o que há de mais degradante em termos de filosofia já está presente em nosso meio para corrigir o Cristo e Kardec.

Orar também é imprescindível, não sabemos os interesses destes indivíduos e instituições que promovem essas ideias, mas orar é atitude cristã, pedir por uma intervenção do Alto para que estes indivíduos e instituições desistam de lutar contra o Consolador ou que seus recursos de destruição sejam inutilizados para que parem de usar o nome do Espiritismo em suas empresas e empreendimentos.

Vejamos, agora que entendemos que consequências da adoção da filosofia de Kant e Marx em nosso movimento, como o aclamado filósofo alemão encarrava a mediunidade e os estudos sobre a vida espiritual.

Immanuel Kant (1724- 1804)


KANT, O ANTIESPÍRITA

Os pontos de oposição inconciliáveis entre a filosofia de Kant e o Espiritismo são tão significativos e numerosos que somos obrigados a selecionar um dentre muitos.

Kant em seu livro Sonhos de um visionário explicados por sonhos da metafísica [7] debate sobre as experiências espirituais de Emmanuel Swedenborg, que ele ridiculariza de forma tão intensa e grosseira que cria no mundo intelectual a rejeição à ideia de qualquer pesquisa sobre fenômenos mediúnicos.

Após tentar desmoralizar Swedenborg e suas experiências, Kant afirma que nada podemos saber da vida espiritual, que é impossível realizar qualquer pesquisa séria sobre o tema. As investigações experimentais sobre a vida espiritual devem ser deixadas aos tolos, aos loucos ou charlatães. Depois de uma longa sequência de zombarias e sarcasmos, dos quais mostramos alguns exemplos, classifica os médiuns como fantasistas.

"O reino das sombras é o paraíso dos fantasistas. Aqui eles encontram uma terra ilimitada, onde podem se estabelecer à vontade. Vapores hipocondríacos, contos de fadas e milagres de convento não deixam faltar material." (p.143, grifamos)

Defende o filósofo ser o Espírito nada mais do que uma ilusão grosseira, infantil.

"Um espírito, diz-se, é um ser que possui razão. (...) Esta autoilusão, apesar de ser suficientemente grosseira para ser percebida com olhos semicerrados, é afinal de origem bem compreensível. Porque daquilo que no início, como criança, sabe-se muito, disto se tem certeza, mais tarde e na velhice, nada saber, e o homem da solidez se torna, por fim, quando muito, o sofista de sua ilusão juvenil.

"Não sei, portanto, se existem espíritos, mais ainda, nem sequer sei o que significa a palavra espírito." (p. 145-146, grifamos)

Zomba, Kant, de toda possibilidade de comunicação espiritual.

"Por isso, de modo algum levo a mal se o leitor, em vez de tratar os visionários como meio-cidadãos do outro mundo, despachá-los simplesmente como candidatos ao hospício, dispensando-se assim de qualquer investigação ulterior. Mas, se tudo é então tomado dessa maneira, o tratamento desse tipo de adeptos do reino dos espíritos deve ser bastante diferente daquele dispensado conforme os conceitos acima, e, como se achava outrora necessário queimar alguns deles, agora será suficiente apenas purgá-los.

"Neste estado de coisas também não teria sido absolutamente necessário ir tão longe e procurar com a ajuda da metafísica segredos no cérebro febril de entusiastas enganados. O perspicaz Hudibras poderia ter-nos resolvido o enigma sozinho, pois, segundo sua opinião, quando um vento hipocondríaco se agita nas entranhas, tudo depende da direção que ele toma: se vai para baixo, então resulta daí um p..., mas, se vai para cima, então é uma aparição e uma inspiração sagrada." (p.184-185, grifamos)

Esse é o nível Kant. Após zombar e agredir, ensina: a realidade espiritual nunca poderá ser conhecida, a doutrina que lida com o mundo espiritual deve chamar-se de doutrina da "necessária ignorância":

"Mas com a doutrina filosófica acerca de seres espirituais a situação é bem outra. Ela pode ser completa, mas em sentido negativo, na medida em que ela fixa com segurança os limites de nossa compreensão e nos convence de que as diversas manifestações da vida na natureza e suas leis são tudo que nos é dado conhecer, mas que o princípio desta vida, isto é, a natureza espiritual, que não se conhece, mas apenas conjetura, nunca poderá ser pensado positivamente, (...) Nesta base, a pneumatologia dos homens pode ser chamada uma doutrina de sua necessária ignorância em vista de uma suposta espécie de seres e como tal ser facilmente apropriada à tarefa. Ponho agora de lado, como resolvido e concluído, todo esse assunto de espíritos, um vasto capítulo da metafísica: ele já não me interessará no futuro." (p.189, grifamos)

Para Kant, todo o esforço Espírita e semelhantes deve ser classificado como projetos inúteis e levianos:

"Na medida em que resumo melhor deste modo o plano de minha investigação e me dispenso de algumas investigações completamente inúteis, espero poder aplicar minha pequena capacidade de entendimento de forma mais vantajosa aos demais objetos. É em grande parte inútil querer estender a pequena medida de sua força a todo tipo de projetos levianos. Por isso, tanto neste como em outros casos, a prudência manda adequar o tamanho dos projetos às forças disponíveis, e, caso não se possa atingir corretamente o grandioso, limitar-se ao mediano." (p. 189-190, grifamos)

Em outros escritos, Kant chama Swedenborg de "caçador de fantasmas" e de um indivíduo "sem emprego e desocupado". [8] Classificação que, conforme vimos, cabe a todos os tolos que resolvem perder tempo com estudo de "vento hipocondríaco se agita nas entranhas". Allan Kardec pensa diferente.

Emanuel Swedenborg (1688-1772)

Afirma o Codificador na Revista Espírita de novembro de 1859:

"O incontestável mérito de Swedenborg, seu profundo saber e sua alta reputação de sabedoria, tiveram grande influência na propagação dessas ideias, que hoje mais e mais se popularizam, pois crescem em plena luz e, longe de buscar a sombra do mistério, apelam à razão. Apesar dos erros do seu sistema, Swedenborg não deixa de ser uma das grandes figuras cuja lembrança ficará ligada à História do Espiritismo, do qual foi um dos primeiros e mais zelosos pioneiros." [9]

Não por acaso, Allan Kardec nunca indicou aos espíritas nenhum livro escrito por Kant para estudo, mas indicou vários de Swedenborg, bem como uma biografia sobre a vida deste eminente pensador.

Em uma evocação que Kardec fez de Swedenborg, o início é dos mais interessantes e reveladores. Assim responde o Espírito Swedenborg ao ser evocado pelo Codificador:

— “Falai, meu velho amigo.
— Honrais-me com o título de vosso velho amigo e, no entanto, estamos longe de ser contemporâneos; não vos conheço senão pelos vossos escritos.
— “É verdade, mas eu vos conheço há muito tempo.” [10]

Immanuel Kant não apenas contribuiu poderosamente com o Positivismo e com o Marxismo cultural e suas lastimáveis consequências; mas também ridicularizou toda ideia de pesquisa sobre a realidade espiritual, além de tratar levianamente um dos homens mais culto e justo de seu século — que Kardec definiu como de profundo saber e alta reputação de sabedoria. Embora para certos espíritas O Livro dos Espíritos pareça ter valor apenas quando confirma suas opiniões, nós devemos continuar valorizando-o. No início deste livro, nos Prolegômenos, dez Espíritos assinam a obra, um deles é Emanuel Swedenborg.

Tudo isso nos leva a concluir esse artigo com uma pergunta desconcertante: é esse o filósofo que vai instituir a verdadeira moral espírita? Tem ele suficiente sabedoria e amor para nos guiar nesta e na outra vida em direção a Deus ou estamos desprezando o Pai e Seus enviados e nos apaixonando pelas trevas?

As autoproclamadas autoridades espíritas que tentam enfiar o punhal da traição do coração do Consolador, não conseguirão. Nenhum intelectual, nenhum palestrante ou nenhuma instituição poderá destruir a obra milenar do Espírita da Verdade. Todos passarão, todos perecerão sob peso da própria loucura. O Reino da Verdade será estabelecido em nosso tão sofrido mundo. O Cristo — como ensinam os Espíritos superiores — é a verdadeira fonte moral do mundo. Uma fonte pura — segundo Kardec.

Allan Kardec (1804-1869)

Perdoe-me a pergunta: você é discípulo de Kant ou de Kardec?

Carlos Luiz


Referências:

[1] Revista Espírita, Allan Kardec - coleção 1860: ver artigo 'O Magnetismo perante a Academia', do mês de janeiro - ebook: https://bit.ly/3hGnEPZ.

[2] Revista Espírita, Allan Kardec - coleção 1868: ver artigo 'O Espiritismo diante da História e da Igreja', do mês de janeiro - ebook: https://bit.ly/3jP2At6.

[3] Immanuel Kant’s Critique of Pure Reason. In Commemoration of the Centenary of its First Publication. Translated into English by F. Max Mueller (2nd revised ed.) (New York: Macmillan, 1922). - ebook: https://bit.ly/2TEGY8h, nota de rodapé, p. XLI.

[4]  Scruton, Roger Tolos, fraudes e militantes : pensadores da nova esquerda / Roger Scruton ; tradução Alessandra Bonrruquer. - 1ª ed. - Rio de Janeiro : Record, 2018.) - ebook à venda, p. 164.

[5] "Manuscrito de Karl Marx e o que ele pensava do Espiritismo" em Espiritismo em Movimento.

[6] Ver "Augusto Nunes rebate filósofo que disse que 'Jesus era pedófilo'" em Click NovaOlímpia.

[7] Kant, Immanuel. Sonhos de um visionário explicados por sonhos da metafísica. 1766.


[9] Revista Espírita, Allan Kardec - coleção 1859: artigo 'Swedenborg' do mês de novembro - ebook: https://bit.ly/3dMACdM.

[10] Revista Espírita, Allan Kardec - coleção 1859: artigo 'Boletim da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas' do mês de outubro - ebook: https://bit.ly/3dMACdM.
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segunda-feira, 5 de julho de 2021

Projeto Allan Kardec "O retorno da fé em Deus do Sr. H. Georges"


O Projeto Allan Kardec da Universidade Federal de Juiz de Fora (Minas Gerais) tem-nos oferecido uma oportunidade extraordinária de consultar e estudar documentos originais valiosíssimos acerca da História do Espiritismo (saiba mais aqui). Já resenhamos aqui alguns itens lá publicados, por exemplo, o manuscrito de Allan Kardec intitulado "Evocação" (Veja aqui) e agora trazemos a reprodução de uma correspondência remetida ao codificador espírita, enviada por um leitor da Revista Espírita, que, dentre outras coisas tratadas nesta carta, confessa que, embora ainda estivesse na condição de precisar mais convencimentos sobre a fenomenologia mediúnica corrente naqueles dias, agradecia a Kardec por tê-lo ajudado a recobrar a fé em Deus, fé essa outrora por ele negada.

Como ele próprio descreve, o Sr. H. Georges havia sido criado no catecismo católico, mas então perdera a crença na divindade; ele atribuiu seu desengano às "ideias absurdas" introduzidas na religião cristã à qual sua educação fora submetida. Médico de profissão, certamente foi bastante influenciado também pelas ideologias revolucionárias do meio científico, tradicionalmente materialista senão abertamente declarado em tese, muito em voga na prática.

Enfim, para mais uma alma aberta às luzes da sabedoria, O Livro dos Espíritos cumpriu sua missão mais sublime: semear na consciência os germes da espiritualização, tendo como fonte e referência capital para tudo e para todos Deus, sem o qual nada mais faz sentido.

Confira a seguir a reprodução da tradução da carta do Sr. H. Georges:

Labastide St. Georges, perto de Lavaur (Tarn), em 8 de abril de 1863.

]Enviado em 14 de abril.[

Senhor Georges.

Senhor Allan Kardec,

Minha inteligência sempre se recusou a aceitar uma ideia, qualquer princípio sobre o julgamento feito por outros, e é a essa independência de opinião que devo meu conhecimento do Espiritismo. No meio de um país retrógrado e fanático, eu tinha, em minhas muito raras viagens, ouvido falar, duas ou três vezes, de médiuns, mas jamais de Espiritismo, até que a Providência quis que um de meus amigos, mais bem favorecido do que eu e vindo em visita aos seus pais, me desse algumas informações vagas sobre essa nova ciência. Com esses dados, fui pesquisar, e foi somente em novembro passado que finalmente pude possuir e tomar conhecimento de O Livro dos Médiuns e o dos Espíritos. Neste último, não importa o que os detratores digam, estão, em minha opinião, os princípios da mais pura moralidade e as bases de uma lógica irresistível. Além disso, devo à leitura desta obra encantadora o meu retorno à Divindade, contra a qual me acuso de ter tantas vezes blasfemado, impulsionado pelas ideias absurdas introduzidas na religião cristã em que nasci.

Como vê, senhor, estou profundamente abalado, mas ainda não me sinto completamente convencido; eu ainda tenho algumas dúvidas, eu preciso ver. No isolamento, eu quis tentar me tornar um médium e minha mão não se mexeu, nenhuma ideia mesmo chegou a atravessar meu cérebro.

Não ousando confessar minha pesquisa sobre Espiritismo, não por medo do ridículo, mas por medo de prejudicar minha clientela, minha única fonte de recurso, despertando contra mim a influência de certas pessoas ligadas aos velhos erros mais pelo interesse do que por qualquer outro motivo, me encontro inteiramente entregue a mim mesmo neste novo estudo. Não vendo, para meu grande pesar, desenvolver-se em mim, pelo menos ainda, nenhum sinal de mediunidade, minha fé está vacilando e sinto a necessidade urgente de conhecer os fatos para poder interromper minhas convicções. É com esse objetivo, e apesar das despesas com minha assinatura deste ano da Revista Espírita, que ainda apelo à minha modesta bolsa para pedir que o senhor me envie os anos 1858, 59, 60 e 1861 desta mesma Revista.

Para não fazer uma despesa tão grande de uma vez, eu poderia ter, é verdade, tomado pouco a pouco, ano a ano, mas a impaciência só me fez preferir impor algumas privações a mim e, assim, poder me beneficiar do desconto oferecido às pessoas que adquirem os primeiros quatro anos de uma só vez. Apresento em minha carta uma ordem postal no valor de 30 francos — representando o preço a que são fixados os quatro anos que peço.

Por favor, senhor, receba minhas desculpas pelo tempo que eu o fiz perder em me ler, e na esperança de poder ser contado em breve entre seus seguidores mais fervorosos, tenho a honra de ser,

Senhor,

Seu servo muito humilde,

H. Georges, médico.

P.S.: Pelo que entendi, essas obras me serão enviadas pelo correio sem aumento de preços, caso contrário, ficaria muito grato se o senhor me informasse.

 

A fotocópia do manuscrito original e a transcrição em francês estão disponíveis no portal do Projeto Allan Kardec.

E não deixe de compartilhar com seus familiares e amigos. A divulgação da Doutrina Espírita é também um ato de caridade ao bem comum.