quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

16 anos do Portal Luz Espírita


Hoje é mais um dia de festa em nossos corações: começamos este mês de março comemorando mais um aniversário do Portal Luz Espírita - www.luzespirita.org.br. Agora já são 16 anos de dedicação em prol da promoção do estudo e reflexão acerca de todos os temas inerentes à Doutrina Espírita, além de esforço para a divulgação e propagação do Espiritismo codificado por Allan Kardec.

Visite a página Institucional do nosso site para saber mais sobre o nosso trabalho.

E não deixe de contribuir com o Portal Luz Espírita: começando pela sua audiência, você também pode nos ajudar compartilhando nossos materiais doutrinários e de divulgação do Movimento Espírita.

Agradecemos a sua confiança e colaboração.

"Chico Xavier: Denúncia de adulterações em livros psicografados divide comunidade espírita", matéria é destaque nos canais de notícias da Globo

Os leitores do jornal O Globo e do canal de notícias G1 foram surpreendidos nesta quinta-feira com uma matéria em destaque envolvendo o nome de Chico Xavier, tratando do caso em que "Denúncia de adulterações em livros psicografados divide comunidade espírita".

Leia a reportagem aqui.

Em resumo, um grupo de confrades espíritas estão se queixando das sequentes alterações que a equipe editorial da FEB, a Federação Espírita Brasileira, tem feito ao longo dos anos nas obras literárias psicografadas pelo querido médium mineiro; por conta disso, inclusive, esse grupo até acionou a justiça civil, pois esses confrades consideram que se trata, não apenas de alterações, mas sim adulterações, por serem prejudiciais ao contexto das obras.

A seu turno, a FEB reconheceu as alterações e as justifica com o argumento de que são simplesmente ajustes necessários de ortografia e adequação semântica, sem nenhum prejuízo para o entendimento da mensagem.

Como spoiler, o quadro abaixo mostra alguns exemplos das alterações verificadas nas obras mediúnicas reeditadas pela FEB:


Como de fato a questão foi parar na justiça comum, o andamento do processo até agora está numa fase de tentativa de conciliação entre as partes, no sentido de se verificar uma melhor solução "pacífica" para o imbróglio.


Nossa opinião

Pela verificação que fizemos das alterações, consideramos que o acusação de "adulterações" seja um tanto pesada demais, pois nisso, naturalmente haveríamos de considerar o dolo, a intenção deliberada de prejudicar alguém (o entendimento do texto, a imagem do médium ou do Espírito comunicante etc.) e custa-nos crer que alguém da FEB pretendesse tal façanha.

Em contrapartida, se não verificamos nenhum espírito de maldade nessas alterações, é flagrante em alguns casos a "infelicidade" — no mínimo  que os editores tiveram ao trocar determinados vocábulos e expressões; e isso para não dizermos "falta de senso literário", capacidade mesmo.

É bem verdade que certas alterações se impõem pela necessidade gramatical: os textos oriundos da mediunidade de Chico Xavier são do século XX e o Brasil foi signatário de uma revisão ortográfica na língua portuguesa acordada em 1990 e que passou a entrar em vigor em 2009 (Saiba mais aqui).

As mudanças foram profundas: exclusão do trema em palavras bastante usuais (exemplo: tranqüilo = tranquilo; conseqüência = consequência etc.), retirada de acentuação em palavras terminadas com "eia" (idéia = ideia, colméia = colmeia etc.) e "oico" (heróico = heroico, estóico = estoico etc.), junção de termos compostos antes hifenizados ou separados (super amigos = superamigos, macro-sistema = macrossistema etc.), dentre outras regras redefinidas. Logo, a revisão ortográfica é uma ação legítima, como todas as editoras o fazem, mesmo com os títulos clássicos da nossa biblioteca.

Mas o caso das "revisões semânticas" é mais delicado. Não ignoramos que em todos os vernáculos há determinados termos que realmente perderam o seu sentido original por completo. A palavra "socialismo" hoje em dia não é mais usada no seu sentido primeiro, como referência à vida social, o convívio mútuo; ela é empregada sempre dentro de um contexto que envolve a ideia revolucionária e o movimento político dela oriundo. Portanto, não cabe mais utilizá-la naquela conotação inocente, a não ser com uma explicação  por exemplo, através de uma nota de rodapé. Outros vocábulos inocentes, no seu sentido original, ganharam conotações bem diferentes (sobretudo nas conversações coloquiais), embora continuem sendo reconhecidas e empregadas também no primeiro sentido. É o caso do adjetivo "ordinário", cuja significação autêntica equivale a "comum", "conforme o costume" e "regular", mas que atualmente é usado noutro contexto, referindo-se a coisas de pouco valor, vulgares, obscenas etc. Ainda assim, todo bom leitor conhece e normalmente sabe diferenciar bem as duas versões, porque ambas significações são fartamente usadas. Neste casos, nem precisa de nota de rodapé; o próprio leitor fará a diferenciação pelo contexto.

Sendo assim, cabe à FEB uma melhor gestão destas alterações, e seria muito nobre de seus dirigentes atuais reconhecerem os possíveis erros pontuais nessas alterações, providenciando em seguida  imediatamente, melhor dizendo — as devidas correções.

Ocorre que, conforme apuramos, faltou diálogo franco e objetivo entre as partes envolvidas, aliás, parecendo-nos mais por culpa da FEB, já que há anos essa questão vem sendo debatida e a entidade até então não teve a habilidade para solucioná-la de modo a dizimar o desentendimento. O resultado foi o caso ser encaminhado para os tribunais e a questão virar mais um escândalo nacional — o que nada contribui para o Espiritismo; mas, ao contrário, só serve de munição para aqueles que desejam banalizar o nosso pobre movimento espírita.

A FEB foi muito beneficiada pela obra mediúnica de Chico Xavier, tanto em termos financeiros quanto em termos de status; em razão disso, pensamos que sobre ela pesa uma grande responsabilidade. E, infelizmente, a História registra que a entidade não tem feito, sempre, jus aos recursos de que dispõe. Mas, não é o caso de ela dever ser escrachada, como pretendem alguns. É o típico caso daquela velha expressão: "ruim com ela, pior sem ela".

Então, vibremos para que a coisa se resolva da melhor e mais rápida forma possível.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Lançamento da nossa Sala de Leitura: "Espíritos, a influência oculta" de José Nunes Pereira Sobrinho

A Sala de Leitura do Portal Luz Espírita acaba de ganhar mais um título: Espíritos, a influência oculta, da autoria de José Nunes Pereira Sobrinho, um dedicado estudioso do Espiritismo radicado em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. 

Nesta obra, nosso confrade discorre em detalhes sobre o que ele descreve como "um infindável emaranhado de influências e escolhas", que é a vida humana, de que temos ao mesmo tempo a bênção das boas e a provação e expiação das más sugestões, tanto as do próprio ambiente físico (pessoas, mídias, instituições etc.) quanto as do mundo espiritual — objeto especial do estudo proposto por este livro.

No ínterim da obra, José Nunes trata de distinguir as influências conforme a qualidade dos Espíritos, passando pelo intercurso dos diversos tipos de sonhos (sete, na contagem do autor), pela análise dos sentidos humanos, pela relação dessas influências com a mediunidade e o magnetismo, além de propor cinco razões para a bem, quatros tipos de fé e quatro pilares para o equilíbrio. Finalmente, ele aborda a virtude da paciência; tudo isso em prol do nosso desenvolvimento espiritual.

Numa época em que tanto se questiona a capacidade de as pessoas conseguirem se guiar em meio ao bombardeio de influenciações e a promoção de "influencers" da internet, nada mais justo do que nos dedicarmos a uma reflexão mais apurada sobre as potências ocultas que agem em nosso meio e em nossa vida particular.

Por isso, recomendamos, para a análise de todos, o livro Espíritos, a influência oculta, já disponível gratuitamente, em PDF e EPUB, através da nossa Sala de Leitura.

Boa reflexão a todos!


quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Projeto Allan Kardec: Caderno de cartas 1859-1861 [22/10/1859]


Em mais uma extraordinária edição, o Projeto Allan Kardec da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF-MG, acabou de publicar uma coleção de documentos interessantíssimos, tratando-se de uma pasta com arquivos da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas - SPEE (instituição criada e presidida por Allan Kardec, com o objetivo de efetuar pesquisas mediúnicas e estudos em geral a respeito do Espiritismo).

Saiba mais sobre o Projeto Allan Kardec.

Esta pasta foi arquivada pelo codificador espírita, no intuito de preservar a memória histórica da nossa amada doutrina, e agora, felizmente, vem a público graças aos esforços de nosso confrade Adair Ribeiro Júnior, diretor do Museu AKOL, que adquiriu esses documentos (dentre outros) e os compartilha através do portal da UFJF-MG.

Pois bem, a mencionada pasta foi intitulada: "Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas - Correspondência"Através dos documentos nela contidos (basicamente, cópias de cartas datadas de 1859, de 1860 e 1861), podemos ter uma ideia da rotina de trabalho de Kardec na administração da SPEE.


A primeira folha sugere ser o rascunho do modelo de comunicação sobre a admissão de membros à sociedade.


Segue a tradução deste modelo:

Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas

Correspondência.

Cartas escritas.

Prezado e honrado colega,

A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, na sessão do [...], admitiu-o, {segundo a sua demanda}, como um de seus membros {associados livres}, conforme a apresentação de [...].

Nessa ocasião, fico feliz por ser o representante da Sociedade, que tem o prazer de encontrar no senhor um colega esclarecido e dedicado ao objeto de seus trabalhos.

Sua carta de {admissão}, com a qual doravante o senhor poderá se apresentar nas sessões, encontra-se com o senhor Ledoyen, nosso tesoureiro, na Galerie d’Orléans, 31, Palácio Real, onde poderá retirá-la.

Aceite, prezado e honrado colega, a expressão de meus sentimentos mais distintos.

Está no anexo o regulamento da Sociedade. ([ileg.])

Em seguida, vem as anotações de correspondências enviadas, a começar pela  cópia da carta de admissão da Senhorita Huet, escrita no dia 22 de outubro de 1859.


22 de outubro de 1859.

Senhorita Huet,

Tenho a honra de comunicar-lhe que a Sociedade Parisiense dos Estudos Espíritas, em virtude da colaboração que a senhorita gentilmente tem prestado a ela, e da que oferece para o futuro, como médium, conferiu-lhe o título de membro honorário, na sessão do dia 21 deste mês.

Estou contente por ser, nessa ocasião, o representante da Sociedade, que tem o prazer em ter na senhorita uma colega dedicada ao objeto de seus trabalhos e espera que participe de suas sessões assim que lhe seja possível.

Portanto, a partir de agora, basta se apresentar para ser admitida e colocar seu nome na lista de presença.

Aceite etc.

Portanto, a nova integrante da SPEE foi admitida sob a expectativa de que ela teria muito a contribuir como médium. Conhecida como "a médium judia", a Srta. Huet foi a mediadora de várias mensagens, assinadas por personalidades como São Luís, Channing, Fénelon etc., e publicadas na Revista Espírita, e possivelmente em O Livro dos Médiuns e O Evangelho segundo o Espiritismo. Batizada pelo nome Honnorine Marie Cecile Huet, ela nasceu em 1 de outubro de 1819, em Toulon, embora tenha vivido em Marselha, ambas comunas do litoral sul da França, conhecido como Côte d'Azur.

Quanto a essas expectativas, aguardem só um pouquinho que voltaremos a falar a respeito, porque nesta mesma pasta que ora estudamos tem outra carta de Kardec à referida médium.

Mas então, na sequência, encontramos anotações da "Carta de aviso de sua admissão como membro titular" copiadas das correspondências endereçadas ao Sr. Aumont, ao Sr. de la Roche (de 22 de outubro de 1859) e ao Sr. Pâquis (dia seguinte), que assim discorre:

23 de outubro.

Senhor Pâquis.

Senhor Pâquis, rua Neuve-des-Petits-Champs, 71.

Os senhores Ledoyen e Sauton apresentaram-se como candidatos a membros titulares da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, na sessão do dia 21 deste mês. O relatório sobre a nomeação deles só poderá ser apresentado na sessão particular do dia 4 de novembro, mas até lá, e em conformidade com uma medida adotada pela Sociedade, é necessário que façam o pedido por escrito, indicando que tomaram ciência do regulamento da Sociedade e que se comprometem a cumpri-lo.

Os candidatos também devem indicar brevemente os estudos que já fizeram sobre o Espiritismo, as obras que leram sobre o tema e sua completa adesão aos princípios da Sociedade, que são os do Livro dos Espíritos. A carta deve ser acompanhada das assinaturas de dois declarantes que atestem as disposições do candidato que estiver ingressando na Sociedade.

Não tenho dúvida, <senhores>, de que a Sociedade ficará feliz e honrada por contar com os senhores entre seus membros e, com essa expectativa, peço-lhes a concordância etc. (Está no anexo o regulamento.)

As anotações dão conta também das admissões da Srta. de Port e a Sra. de Laud (5 de novembro), e do Sr. Dubois (24 de novembro).


Na sequência dos documentos, lemos uma carta à Sra. Forbes, datada de 24 de fevereiro de 1860; no teor, Kardec trata de uma ocorrência desagradável  durante a sessão da SPEE anterior à data da carta, envolvendo a mencionada senhora e o seu esposo:

24 de fevereiro de 1860.

À senhora Forbes.

Senhora,

Desde sexta-feira passada, tive a oportunidade de ver vários membros da Sociedade e pude confirmar a impressão causada pelo ocorrido. Antes de apresentar-lhe algumas reflexões sobre esse assunto, quis deixar se acalmar a emoção que a senhora estava sentindo, esperando que o tempo lhe desse mais maturidade para avaliar toda a situação. Confio muito em seu julgamento, senhora, para não pensar que tenha compreendido tudo que havia de lamentável nas palavras do seu marido; ainda que ele estivesse cem vezes com razão, a maneira como ele se comportou só poderia produzir um resultado infeliz, despertando irritação. Ele chegou, como a senhora, a um estado de superexcitação incompatível com a calma que se deve ter em discussões desse tipo. Ora, supondo que ele tivesse razão, a cólera e a violência não eram meios apropriados para ser ouvido. Eis, enfim, a impressão geral que tive e que creio dever lhe transmitir. Consideramos extraordinário o fato de que membros recém-admitidos e, especialmente, iniciados há tão pouco tempo na ciência espírita pudessem se julgar autorizados a se impor, ditando leis à Sociedade que acabara de acolhê-los e que conta com membros necessariamente mais experientes ou mais bem intencionados. Essa maneira de agir contrasta muito com o caráter de urbanidade e de distinção que nos agrada reconhecer na senhora. Há muito tempo, eu poderia ter-lhe dado algumas opiniões ditadas pelo desejo de esclarecê-la sobre certos pontos, mas tenho por hábito dar conselhos apenas àqueles que me solicitam; e previa que, pelo modo como certas sugestões foram recebidas pela senhora, /4/ que elas não seriam facilmente aceitas. Tive que esperar circunstâncias mais favoráveis.

De minha parte, senhora, agrada-me reconhecer toda a bondade de suas intenções; a senhora é, <sem dúvida, excelente espírita / espirita>, plena de fé, de zelo e de boa vontade. Mas, com mais experiência, a senhora teria sabido que os melhores sentimentos não são garantia contra certas obsessões que os próprios Bons Espíritos nos enviam como provas, e às quais nos entregamos por um entusiasmo exagerado, pois o entusiasmo é sempre uma causa de fraqueza, mesmo para aquele que se considera o mais forte.

Acabei de receber, senhora, uma carta do meu correspondente de Lyon, que ainda não pôde se ocupar do seu caso <com todo> o cuidado desejável, devido a circunstâncias pessoais. Ele me disse que tratará disso imediatamente e que me informará sem demora do resultado das suas verificações. Terei a honra de informá-la assim que obtiver a resposta.

Aceite.

Sr. Forbes

Quanto ao Sr. Forbes, ou seja Hugh Frederick Forbes (1808-1892), sugerimos o trabalho de pesquisa do nosso confrade Carlos Seth Bastos, através de sua fanpage no Facebook CSI do Espiritismo.

Logo mais, podemos ver Kardec resolvendo um mal-entendido burocrático a respeito da subscrição do Sr. Auguste Paul à SPEE:

28 de fevereiro de 1860.

Senhor Auguste Paul,

De acordo com o que o senhor disse ao senhor Ledoyen, vejo que houve um mal-entendido em sua nomeação, visto que o senhor se apresentou, ao que parece, apenas na qualidade de membro correspondente. Tive então que, segundo seu desejo, anular a sua nomeação como membro titular e retirar seu cartão, que estava com o senhor Ledoyen.

Como o título de membro correspondente só pode ser concedido a pessoas que residem fora de Paris ou no exterior, ele só poderá ser-lhe conferido mais tarde, se o senhor estiver na Itália, como pretende, e após nova votação.

Portanto, doravante, o senhor só poderá assistir às sessões como ouvinte e munido de uma carta de apresentação, caso ainda não tenha participado duas vezes nessa qualidade.

Aceite.

Do dia 15 de março de 1860, consta na pasta uma carta ao Sr. Pierre Dubois, na qual o pioneiro espírita trata de questões regimentais da SPEE como aquele médium, que viria a se retirar da instituição alegando desagrado com o estatuto vigente da sociedade. No fundo, estava em pauta ali a questão de tantas discórdias entre os membros da entidade, de que tanto Kardec se cansou a ponto de ele mesmo pedir afastamento — tanto da presidência quanto da frequência regular das reuniões.

Vejamos o que diz a resposta kardequiana e depois faremos os nossos comentários:


15 de março de 1860.

Senhor Pierre Dubois,

Li com atenção as observações que o senhor me enviou sobre o regulamento e tomei nota delas. Apreciando seus motivos, adotei sua redação para o artigo na Revista Espírita, acrescentando apenas algumas palavras. Ficou então assim formulado: “O diretor da Revista Espírita está autorizado a publicar os trabalhos da Sociedade. Nenhum membro tem o direito de, individualmente, comunicar esses trabalhos em nenhuma outra publicação: somente a Sociedade tem esse direito; todavia, ela não pode autorizar a reprodução de artigos publicados na Revista Espírita sem o consentimento do diretor desta.”

Sem fazer disso uma questão de amor-próprio ou de interesse pessoal, aceitarei esta redação se ela puder satisfazer o que o senhor chama, com razão, de suscetibilidades dos nossos colegas. Será do mesmo modo com relação aos pontos que me parecem justos e úteis e que não devem comprometer a Sociedade.

A Sociedade, diz o senhor, é minha criança; de fato, tive participação em sua existência, mas frequentemente a criança se esquece do pai, e é um pouco o caso aqui, pois ela mal leva em consideração o que fiz por ela, em particular, e pela causa do Espiritismo em geral, à qual dediquei minha vida, <minhas vigílias>, e sacrifiquei meus interesses materiais. Quero, com efeito, que a Sociedade prospere, e por isso certas medidas me parecem indispensáveis; mas lhe digo, com toda sinceridade: se ela não adotar medidas eficazes para evitar o retorno dos inconvenientes que a experiência assinala, se eu vislumbrar nela elementos de perturbação, seria melhor eu me retirar completamente, e é o que farei, pois não quero perder meu tempo com discussões inúteis e constantemente reiniciadas.

Por causa dos meus escritos, da minha imensa correspondência e o do número considerável de pessoas que vêm me ver, encontro-me, pela força das circunstâncias, num centro que só pode crescer; ora, na minha posição, o senhor compreende que seria lamentável, para a própria doutrina, se houvesse nesse centro um foco de discórdia e de antagonismo; é o que devo evitar.

Aceite,

Allan Kardec.

Ora, diferentemente da generalidade do espiritualismo, o Espiritismo é uma doutrina bem sistematizada, com postulados bem definidos e essenciais para o  seu conjunto teórico; logo, para ser um verdadeiro espírita, a pessoa precisa conhecer, compreender e, por conseguinte, estar de acordo com esses conceitos doutrinários. Nestas condições, assumindo ser espírita, a SPEE precisava seguir a disciplina necessária para representar os interesses de uma reunião espírita; mas muitos dos seus participantes se queixavam do "rigor" kardequiano e cobravam uma "abertura", uma flexibilização dos procedimentos ali adotados. Por sua vez, Kardec defendia e  na qualidade de presidente da instituição  exigia ordem e disciplina. Daí as intrigas internas e as dissidências, por exemplo, a do médium Sr. Pierre Dubois, dentre outros.

Disso tudo, o que serve de exemplo para nós, espíritas da atualidade, é a postura consciente e firme que devemos ter diante de tantas misturas estranhas que algumas pessoas andam oferecendo ao nosso movimento espírita.

Continuemos...


Vamos nos deparar agora com um ofício de Kardec endereçado ao senhor delegado de Polícia:

11 de abril de 1860.

Ao senhor Prefeito de Polícia,

Tenho a honra de submeter à sua aprovação uma cópia do regulamento modificado da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.

As modificações introduzidas têm o objetivo principal de evitar alguns inconvenientes que a experiência lhe indicou, adotando certas medidas restritivas nas admissões e lhe dando meios de ação mais eficazes no caso em que, apesar de seus cuidados, ela teria sido induzida a erro devido a pessoas que ela admite.

Uma vez que essas medidas devem ter o efeito de manter a ordem, de forma ainda mais rigorosa, e impedir que a Sociedade se desvie de seu modesto objetivo, que é o estudo, ouso esperar que elas terão a sua aprovação.

Também tenho a honra de informá-lo, senhor prefeito, que a partir de sexta-feira, 20 de abril, a Sociedade passará a reunir-se em meu endereço pessoal: rua Ste Anne, 59, Passage Ste Anne. Como o apartamento ainda não está disponível, haverá uma sessão particular na quarta-feira, 13 de abril, na rua de Provence, 34.

Tenho a honra,

Allan Kardec.

Presidente nomeado por três anos.

Esta anotação nos mostra o cuidado de Kardec, como exigia a lei, com relação às obrigações junto ao governo francês — aliás, uma ditadura severa e atenta a qualquer coisa que pudesse "ameaçar" a ordem pública; era preciso então comunicar tudo: mudança no estatuto da sociedade, local das reuniões etc.

Depois vem a outra carta à senhorita Huet, aquela mesma da carta de admissão de 22 de outubro de 1859; agora, o teor é outro: simplesmente ela está sendo suspensa da SPEE. Vejamos o que diz estas linhas:

17 de janeiro de 1861.

À senhorita Huet.

Senhorita,

Há bastante tempo, fui informado de que fatos lamentáveis, que poderiam lançar dúvidas sobre a sua mediunidade, ocorreram em diversas circunstâncias. Enquanto acreditei que a coisa estivesse <restrita> a um pequeno círculo de pessoas, e pude duvidar dela, eu me <abstive>, em seu interesse, de falar sobre isso com quem quer que fosse, esperando que esses rumores pudessem se dissipar. Hoje, porém, esses fatos estão tão divulgados que assumem um deplorável caráter de consistência e produzem, em todos os que deles têm conhecimento, a mais penosa impressão. O comitê da Sociedade, à qual foram endereçadas observações sobre esse assunto, examinou a questão em sua última sessão, e é com pesar que lhe informo que, para evitar um <escândalo> que ameaçava acontecer a qualquer momento, de forma desagradável, ele considerou que a Sociedade deveria abster-se, pelo menos até segunda ordem, de aproveitar a sua colaboração. Essa <determinação>, resultante das circunstâncias, não afasta os agradecimentos que a Sociedade lhe deve pelos bons serviços, e cuja expressão ela pede que aceite.

Se não lhe falei disso no dia em que veio me ver, é porque precisava ouvir a opinião de alguns membros.

Aceite, senhorita, meus melhores cumprimentos.

A.K.

Pesava contra a Srta. Huet o histórico de vender sua mediunidade através de consultas pagas, além de acusações de algumas vezes ela ter fraudado os supostos fenômenos mediúnicos.

Aqui temos, por um lado, um cuidado com a pessoa envolvida, pretendendo a senhorita de um iminente escândalo, e, por outro lado, a firmeza de Kardec em proteger os interesses da SPEE e da pesquisa espírita. Aliás, o codificador espírita era implacável com a exploração dos dons mediúnicos e com o embuste e o charlatanismo.

Que saibamos tomar essa lição para nós.


Ainda sobre a Srta. Huet, recomendamos a obra Espíritos sob Investigação, de Carlos Seth Bastos, especialmente o capítulo 9.


Na folha adiante vamos ler a cópia da carta de 4 de abril de 1861 e enviada ao Sr. Solichan (ou Solichon, como sugere Carlos Seth Bastos), informando-lhe a honra de ser nomeado membro honorário da SPEE:

4 de abril de 1861.

Senhor <Solichan>,

Comuniquei ao comitê a proposta que o senhor me fez na última vez que tive o prazer de vê-lo, e fico feliz em informá-lo de que o comitê, considerando o seu zelo à propagação da doutrina, e as numerosas expressões de simpatia que o senhor demonstrou à Sociedade, decidiu, por unanimidade, que o senhor será incluído na lista dos membros honorários, portanto com isenção das taxas, embora lamentando que as suas frequentes e longas ausências privem a Sociedade de sua presença. Como a senhorita Stéphanie permaneceu como único membro titular, isso responde ao desejo que o senhor me manifestou, e o comitê tem a oportunidade de reconhecer os serviços que o senhor presta à nossa causa com tanta dedicação.

Aceite.

Que honra, não?

Bem, e na mesma folha constam as anotações referentes às comunicações que provavelmente foram enviadas a outros novos membros admitidos na SPEE na data de 30 de outubro de 1861Sr. Golovine (conselheiro de Estado da Rússia), Sr. Vuillemoz, Sra. Viúva Boussetet e o Sr. Bataille.

É por essas e por outras razões que tanto nós saudamos todos os cooperadores do Projeto Allan Kardec da UFJF-MG e propagamos suas atualizações.

Confira a publicação original desta pasta de correspondência da SPEE no portal do Projeto Allan Kardec.

Saiba mais também sobre a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.

Veja as demais postagens que fizemos contextualizando os documentos disponibilizados pelo Projeto Allan Kardec:
E, é claro, visite também o portal online do Projeto Allan Kardec da UFJF-MG.


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E para ficar bem atualizado de tudo o que ocorre de mais importante no movimento espírita, siga-nos pelo WhatsAppFacebookTwitter Instagram.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Portal Luz Espírita


ATENÇÃO:

Depois de uns pequenos problemas técnicos, o nosso Portal Luz Espírita está novamente ativo, inclusive com o reestabelecimento do acesso à PEADE, a nossa plataforma de estudos online.

Acesse e confira o que há de melhor no Espiritismo:
www.luzespirita.org.br


segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Problemas técnicos no servidor do Portal Luz Espírita

Problemas técnicos

Devido problemas técnicos, o servidor que hospeda o Portal Luz Espírita está fora do ar e serviços como a nossa plataforma de estudos - PEADE - estão temporariamente offline.

Mas, já solicitamos um help e esperamos em breve o retorno dos serviços.

🙏🏼

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Enciclopédia Espírita Online: lançamento do verbete "O Livro dos Médiuns"

A mais nova atualização da Enciclopédia Espírita Online traz a adição do verbete sobre "O Livro dos Médiuns", a segunda grande obra de Allan Kardec para a composição da Codificação do Espiritismo. Não despropositadamente, este lançamento vem logo na sequência da publicação da novíssima tradução da obra, realizada por Ery Lopes e distribuída gratuitamente pela nossa Sala de Leitura (Clique aqui para saber mais sobre esta nova tradução); assim, além de dispor de uma reedição moderna, você fica sabendo melhor sobre o contexto histórico e a estrutura didática do livro que é para os espíritas o "Guia dos Médiuns e dos Evocadores".

Confira a sinopse do novo verbete:

O Livro dos Médiuns, cujo subtítulo é “Guia dos médiuns e dos evocadores”, do original em francês: Le Livre des Médiums ou guide des médiums et des évocateurs, escrito por Allan Kardec e originalmente publicado em Paris, em 15 de janeiro de 1861, é a segunda obra básica da chamada codificação do Espiritismo, constituindo-se o manual prático da mediunidade conforme os ensinamentos da Doutrina Espírita, definido como a sequência de O Livro dos Espíritos. Seu conteúdo foi revisado e sancionado pelos Espíritos mentores da Revelação Espírita, que também contribuíram com a composição da obra em diversos diálogos e dissertações, como complemento do desenvolvimento dos conceitos acerca dos vários temas nele estudados. Além de visar o esclarecimento individual, no sentido de fornecer instruções sobre como desenvolver, aperfeiçoar e aplicar as próprias faculdades mediúnicas, este livro objetiva ainda estimular o exercício prático e disciplinado do Espiritismo mediante orientações sobre a formação de grupos espíritas, partindo do modelo das atividades da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, da qual o livro reproduz o estatuto. O sucesso da publicação levou seu autor a empreender nove reimpressões, multiplicando-se após a desencarnação de Kardec, inclusive nas versões traduzidas para vários idiomas, refletindo sua aceitação e importância para o movimento espírita.

Confira a lista de tópicos do novo verbete:

  • Sobre o título e sua epígrafe
  • Contexto histórico do lançamento
  • Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas
  • Lançamento e repercussão
  • Reedições da obra
  • Processo de elaboração
  • Estrutura da obra
  • Traduções
  • Curiosidades
  • Legado doutrinário
  • Links
  • Veja também
  • Referências

Clique aqui e acesse agora mesmo o verbete "O Livro dos Médiuns".

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Lançamento da novíssima tradução de "O Livro dos Médiuns" de Allan Kardec



Temos a satisfação de anunciar o lançamento da mais nova tradução do clássico espírita O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, o segundo livro da chamada codificação do Espiritismo; nesta edição especial sob a tradução de Ery Lopes, com base na publicação original em francês, fotocopiada da 10ª edição, de 1867.

Esta obra, cujo subtítulo traz a inscrição "Guia dos Médiuns e Evocadores", é um manual, um espécie de curso teórico sobre mediunidade, que é um instrumento divino concedido ao homem a fim de que, entrando em contato com os Espíritos, haja um intercâmbio solidário à vista da evolução espiritual da Terra. A comunicabilidade espiritual é, aliás, uma necessidade para o nosso adiantamento, pois sem essa evidência crucial, toda a ideia de Deus e da imortalidade da alma não passaria de mera especulação; com o fenômeno mediúnico, tudo se justifica, tudo fica evidente, e então, cientes do mundo espiritual, os homens podem se encaminhar na sua trajetória evolutiva.

Confira o verbete Comunicabilidade Espiritual na Enciclopédia Espírita Online.

Mas então, é preciso saber se conduzir bem na prática mediúnica, seja para melhor se beneficiar dos recursos desse diálogo fraterno com os irmãos da espiritualidade, seja para evitarmos os contratempos e até perigos que podem surgir com o chamado "Espiritismo experimental" (a prática da mediunidade conforme as orientações da Doutrina Espírita). Para tanto, a leitura e o estudo aprofundado de O Livro dos Médiuns é imprescindível.

Folha de rosto da edição original em francês
Le Livre des Médiums

Esta nova tradução, por Ery Lopes, faz parte da série que traz o selo Luz Espírita, empenhada com muita dedicação ao propósito de divulgar da melhor forma possível a obra extraordinária de Allan Kardec, e que já conta com a tradução de A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo (lançada em abril de 2022), O Livro dos Espíritos (lançada em fevereiro de 2023) e o Catálogo Racional das obras que podem servir para formar uma Biblioteca Espírita (lançada em junho de 2023). E é claro que novas traduções estão por vir.

Contribuíram com o tradutor outros dedicados confrades, igualmente comprometidos com a causa kardecista; dentre os quais, devemos citar Adair Ribeiro Júnior, que escreveu uma bela apresentação sobre o trabalho de Kardec na elaboração deste livro, e também citamos José Nunes Pereira Sobrinho, que cuidou da primeira revisão.

A propósito, conforme pede o tradutor, a revisão é contínua e está aberta para que todos possam ajudar com correções e melhorias.

A novíssima tradução já está disponível em nossa Sala de Leitura, nos formatos PDF e ePUB, para leitura ou download gratuitamente. Quanto a isso, inclusive, esta edição traz a seguinte anotação:

Não nos importamos com os direitos autorais.

Esta tradução pode ser copiada e reproduzida, impressa e até comercializada, sem prévia autorização ou mesmo sem citar a fonte.
Apenas pedimos que seja mantida a fidelidade do texto.

E, para completar, faz bem lembrarmos o anúncio que fizemos de um curso especial com um estudo sobre esta obra, e que já está em elaboração e em breve estará disponível na PEADE (Saiba mais aqui). Será, portanto, uma excelente oportunidade de conhecer melhor O Livro dos Médiuns e todos os recursos da mediunidade.

E não deixe de compartilhar este lançamento com seus familiares e amigos.

domingo, 4 de fevereiro de 2024

O sucesso do filme Nosso Lar 2 e o zelo excessivo de alguns colegas espíritas


O filme Nosso Lar 2: Os Mensageiros estreou no dia 25 de janeiro e já entrou em destaque nos noticiários pelo seu sucesso: meio milhão de espectadores só no primeiro final de semana de exibição nos cinemas e um recorde entre os lançamentos nacionais desde 2019, quando teve início a pandemia de covid-19. É que estão dizendo portais como o da TV Cultura.

Ótimo! Isso quer dizer que as pessoas estão falando em mediunidade, vida espiritual e Espiritismo, certo? Certo! E isso é muito bom, pois mais gente está buscando um melhor entendimento sobre a espiritualidade, saindo da caverna do materialismo, correto? Correto!

Bem, mas nem tudo são flores...

O sucesso do longa-metragem espírita também serviu para requentar um antigo debate entre muitos dos nossos confrades, acerca da positividade da obra de André Luiz e, até mesmo, da qualidade da mediunidade de Chico Xavier, e determinados espíritas mais ortodoxos têm aproveitado o ensejo para promover uma verdadeira excomungação do que eles consideram como "heresia".




Entendendo a raiz do problema

A raiz da polêmica está num entendimento — a nosso ver equivocado  que alguns confrades têm de que todo o Espiritismo começou, terminou e se resume na obra de Allan Kardec; eles fazem da obra kardequiana uma versão espírita do que é a Bíblia para os cristãos tradicionais, a Torá para os judeus ou o Alcorão para os muçulmanos: e fazem uma rigorosa exegese do que Kardec disse, bem "ao pé da letra", e excluem tudo o mais que não tenha sido dito pelo codificador do Espiritismo — como se Kardec pudesse ter dito absolutamente tudo sobre o que é e o que não a verdade suprema do Universo.

Ora, jamais Allan Kardec teve essa pretensão; ao contrário, reconheceu suas limitações, fez correções ao longo de sua obra (prova de que anteriormente estava errado) e acentuou o caráter progressivo da doutrina, caminhando a par com o desenvolvimento da ciência, assegurando que viriam novas revelações e desdobramentos dos princípios fundamentais já trazidos.

Cena do filme Kardec, a História por trás do nome

Pretender que o Espiritismo se resuma "na letra de Kardec" é um extremismo, um fanatismo irrefletido da parte de alguns irmãos nossos, embevecidos pela luz de um entendimento que surpreendeu suas pobres capacidades; é como um brilho forte demais que cega os olhos desprevenidos.

Isso não quer dizer que qualquer novidade deva ser anexada à doutrina e que tomemos como espíritas as ideias mais fascinantes que um Espírito venha ditar a um médium, ou uma teoria das mais sofisticadas seja proposta pelo mais sábio dos espíritas de nosso tempo; não! Não é assim! As grandes verdades são reveladas paulatinamente, evidenciadas por diversas fontes, distribuídas por vários meios, de maneira a formar um movimento amplo e harmônico. E mesmo quando surge uma proposição ampla, é preciso escrutiná-la com todo o cuidado, verificando sua lógica e sintonia com os fundamentos doutrinários já estabelecidos. Nem oito, nem oitenta.


A obra de André Luiz

Sob a orientação do Espírito Emmanuel (então mentor de Chico Xavier), o recém-desencarnado André Luiz se apresenta ao médium mineiro com a intenção de narrar suas experiências no mundo espiritual desde seu último retorno à pátria invisível; como ele próprio conta, é um neófito, um aprendiz da ciência superior, depois de uma vivencia carnal como materialista e alheio à espiritualidade.

Para a sua narração, optou pelo estilo literário dos romances, compondo uma coleção de 14 obras, intitulada "A vida no mundo espiritual"; principia sua saga com Nosso Lar (1943), segue com Os Mensageiros e continua com os demais romances, pelos quais ele conta como foi sua morte e seu despertar no mundo espiritual. Nesse ínterim, ele descreve o umbral, as colônias espirituais e suas formas "materializadas", com construções, máquinas, veículos de transporte, moeda (bônus-hora) e até comida. No cerne do enredo estão as lições morais colhidas pelos personagens ao longo de suas experimentais individuais e em contato com os semelhantes; a mensagem é de regeneração, encorajamento e discernimento em favor dos valores espirituais instituídos pela Lei Divina.


Quanto ao valor moral da obra, não há discussão; a questão crucial é sobre a concretude de todos esses elementos, no sentido de considerá-los uma descrição exata das coisas reais no mundo além ou interpretar tudo, ou uma parte, apenas como artigos fictícios ou representativos do que há lá. Em torno desse ponto capital há duas correntes extremas: uma abraça tudo muito literalmente e sem questionamento; a outra rejeita tudo prontamente.

De nossa parte, consideramos essas duas correntes de pensamento equivocadas. Certamente há muito "colorido literário" nas descrições de André Luiz, mas também não é o caso de imaginar que o mundo espiritual seja completamente desmaterializado. Longe disso, pois Kardec descreve que todo Espírito traz consigo um perispírito, que ele chama de corpo semimaterial; "semimaterial" é um jeito de dizer que esse corpo é físico, material mesmo, só que de outra natureza de matéria, não exatamente "carne e osso". Se é um corpo, ocupa espaço e habita uma dimensão igualmente física; logo, por que não pensar que haja outras coisas físicas lá também, por exemplo, casas e veículos? Aliás, o próprio Kardec propagandeou na sua Revista Espírita a bela casa de Mozart em Júpiter. A propósito, O Livro dos Espíritos fala em instâncias transitórias (questão 234 e seguintes).

Construções espirituais em uma cena do filme Nosso Lar

Um dos critérios adotados por Allan Kardec para validar as ideias espirituais é o que ele chamou de controle universal do ensino dos Espíritos, considerando a multiplicidade de fontes e comunicações (diversos Espíritos comunicantes e diversos médiuns, de diversas localidades) relatando ideias semelhantes. Ora, e não é bem verdade que muitos romances espíritas dão conta das mesmas descrições feitas por André Luiz? E isso por muitos médiuns, inclusive anteriormente a Chico Xavier.


A validade dos romances espíritas

Outra discussão acalorada é sobre a validade dos romances espíritas. Para alguns colegas espiritas os romances têm pouco ou nenhum valor; eles só admitem as chamadas obras dissertativas — que são textos diretos, didáticos, sem rodeios ou floreios poéticos e fictícios próprios da literatura romanceada. Consideramos essa opinião de uma pobreza de entendimento assustadora, pois basta uma rápida olhada em alguns exemplares da Revista Espírita editada por Allan Kardec para vermos o quanto ele apreciava esse gênero, já que ele fazia propaganda e recomendava fortemente livros desse tipo — e mesmo de títulos que pouco fossem alinhados com a totalidade doutrinária do Espiritismo; na verdade, bastava um elemento simples (a aparição de um fantasma, por exemplo) que levasse o leitor a pensar em qualquer coisa espiritualista para que Kardec o indicasse.

E para quem tiver alguma dúvida disso, favor consultar as obras indicadas no Catálogo Racional (baixar aqui) que, aliás, traz uma seção específica para este gênero, contendo várias indicações, ainda que o livro contenha muito pouco (ou praticamente nada) de Doutrina Espírita e em alguns casos esteja repleto de elementos fictícios e demasiados fantásticos, como as Histórias Extraordinárias de Edgar Allan Poe.


Por falar no Catálogo Racional, lemos na Apresentação da sua tradução, as seguintes reflexões, que julgamos oportunas:

"Não cremos ser desperdício destacarmos o gosto pelas artes e a fé de Kardec em que através das mais diversas expressões (romances, teatros, poesia, música...) o Espiritismo pudesse se disseminar mundo afora e penetrar mais fundo nos corações e almas dos homens. Nesse sentido, também faz bem ressaltarmos a importância dos romances, posto que não é raro nos depararmos com críticas de alguns confrades contra determinados livros desse gênero, cobrando-lhes com excessiva ferocidade uma pureza doutrinária que não vemos em Kardec. Pegue-se o exemplo de ficções tão variadas que ele faz questão de prestigiar por um detalhe por vezes bem ínfimo dentro da trama, um detalhe quase insignificante no contexto geral da obra e que só muito ligeiramente remeta o leitor a uma ideia espírita, mas apesar disso, e só por esse pequeno e ligeiro detalhe, ele coloca a obra como contributa da cultura espírita. E com razão, porque é com essas singelas contribuições, essas pequenas sementes, porém muito espalhadas, que vai se estabelecendo um padrão cultural de modo a formar o gênero artístico espírita, fazendo com que se torne comum, frequente e bem natural pensar em reencarnação, lei de causa e efeito na vida cotidiana, contato mediúnico etc. Além do que, os romances e os contos com temática espírita nos arrebatam ao caminho das emoções, levando-nos a ensaiar situações perfeitamente plausíveis e assim aprendermos a sentir a dor e os júbilos pessoais, mediante as consequências das más e boas ações a que estamos sujeitos praticar. Logo, abençoadas sejam as inspirações dos romancistas que plantam essas sementes de espiritualidade."

Mas alguns tecnocratas estão pretendendo instaurar uma versão da Inquisição da Igreja Católica da Idade Média no movimento espírita.

É por essas e outras que vale a pena lembrar estas palavras kardequianas:

"Se o Espiritismo pudesse ser retardado em sua marcha, não seria pelos ataques abertos de seus inimigos declarados, mas pelo zelo irrefletido dos amigos imprudentes."
Revista Espírita, junho de 1862.

Enquanto isso, nós vamos fazendo a nossa parte: divulgando a arte espírita e fomentando as ideias espiritualistas, exatamente como Kardec.

E aproveitando a oportunidade, destacamos uma matéria do portal Terra que já foi logo emendando a pergunta se haverá a continuação cinematográfica da série, escrevendo que "durante uma entrevista para a coluna de Sandro Nascimento, do portal Na Telinha, Assis afirmou que sua vontade é tirar do papel mais sequências para a franquia. Apesar de ainda não haver confirmação, o cineasta deseja comandar inúmeros outros episódios para a saga, ajudando, assim, a difundir a religião espírita para a pluralidade de culturas que é o Brasil." E então transcreveu o depoimento de Wagner de Assis:

"Eu vou trabalhar para isso, faz parte das minhas escolhas profissionais e espero que a gente possa continuar fazendo o Nosso Lar 3, 4 e 5. Assim como outros filmes que tenham esse tema presente e que o público gosta muito e já provou isso tantas vezes."

Portanto, nosso recado é para quem ainda não foi, que vá ver o filme, e que prestigie a produção e a divulgação do Espiritismo.