terça-feira, 28 de novembro de 2023

Projeto Allan Kardec: Anotações sobre o pseudônimo "Allan Kardec"


Mais um manuscrito original disponibilizado pelo Museu AKOL ao acervo do Projeto Allan Kardec da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF-MG: uma anotação do codificador do Espiritismo a respeito do seu pseudônimo, cujo contexto denota que ele estaria preparando uma resposta às críticas que lhe estavam sendo dirigidas exatamente por adotar um apelido ao invés de usar seu verdadeiro nome: Hippolyte Léon Denizard Rivail.

Graças à recuperação desses documentos originais, temos então mais uma oportunidade de conferir como Allan Kardec tratava questões dessa natureza, com a precisão de quem deve ser sincero e assertivo nas suas convicções, mas não grosseiro.

Saiba mais sobre o Projeto Allan Kardec.

Primeiro, vamos conferir o conteúdo da carta, depois faremos a contextualização dos assuntos tratados:

Fotocópia do manuscrito original
Fonte: Projeto Allan Kardec da UFJF


Transcrição (em francês)

Deux mots encore sur le pseudonyme. Je dirai d’abord qu’en cela j’ai suivi [...] avec cette différence que la plupart prennent des noms de fantaisie, tandis que celui d’Allan Kardec a une signification et que je puis le revendiquer comme mien au nom de la doctrine. Je dis plus: il confirme tout un enseignement que je me réserve de faire connaître plus tard. J’ai d’ailleurs [...] pour agir ainsi au début des motifs sérieux: une fois connu sous ce nom, je dois le conserver, le quitter maintenant serait nuire à toutes mes publications ultérieures. Il y a d’ailleurs une raison qui domine tout: je n’ai point pris ce parti sans consulter les Esprits, puisque je ne fais rien sans leur avis. Je l’ai fait à plusieurs reprises et par différents médiums. Or ils ont non seulement autorisé mais approuvé cette mesure. L’essentiel est donc de dire de bonnes choses et peu importe que ce soit sous le nom de Pierre ou de Paul.

Si je n’avais mis aucun nom qu’aurait-on eu à dire ? Quiconque connaît et comprend la doctrine [...] les esprits attachent peu d’importance <à> tout a qui est de pure forme, pour eux le fond est tout puisque sur 100 écrivains il y a les ¾ qui ne sont pas connus sous leur véritable nom.

A mon début dans ce que je puis appeler ma carrière spirite, qui a été pour moi comme une nouvelle existence, j’ai eu des motifs sérieux pour prendre un nom spécial, mes écrits une fois connus sous ce nom, je dois le conserver, le quitter serait nuire a toutes mes publications ultérieures. Parmi ceux qui à défaut d’autres y trouvent un sujet de critique je pourrais citer tel individu qui a sous un nom d’emprunt et cela sans autre motif que celui de se mettre derrière le rideau.

La doctrine serait bien faible si son succès devait dépendre d’une cause aussi futile qu’un nom propre.


Tradução

Mais duas palavras sobre o pseudônimo. Primeiramente, direi que, quanto a isto, eu segui [...] com a diferença de que a maioria assume nomes de fantasia, ao passo que o nome Allan Kardec tem um significado e posso reivindicá-lo como meu em nome da doutrina. Digo mais: ele confirma todo um ensino que me reservo o direito de divulgar mais tarde. Além disso, [...] [tenho] sérios motivos para agir desta forma no início: uma vez conhecido sob esse nome, devo mantê-lo; deixá-lo agora seria prejudicar todas as minhas publicações posteriores. Ademais, há uma razão que prevalece: não tomei esta decisão sem consultar os Espíritos, uma vez que não faço nada sem o seu conselho. Já o fiz em várias ocasiões e através de diferentes médiuns. E não só autorizaram, mas aprovaram essa medida. O essencial é dizer coisas boas, não importando se é sob o nome de Pedro ou Paulo.

Se eu não tivesse adotado nenhum nome, o que teriam a dizer? Quem conhece e compreende a doutrina [sabe que] os Espíritos dão pouca importância a tudo o que é puramente formal; para eles, o fundo é tudo, pois, a cada 100 escritores, 75 deles não são conhecidos pelo seu nome verdadeiro.

No início daquilo que posso chamar de minha carreira espírita, que tem sido para mim como uma nova existência, tive sérias razões para usar um nome especial, e devo mantê-lo, uma vez que meus escritos começaram a ser conhecidos sob esse nome. Abandoná-lo seria prejudicar todas as minhas publicações posteriores. Para aqueles que, na falta de outros, encontram nele motivo de crítica, eu poderia citar um indivíduo que usa um nome fictício sem outra razão senão a de ficar atrás da cortina.

A doutrina seria muito fraca se o seu sucesso dependesse de uma causa tão fútil como um nome próprio.


Contextualizando a anotação

Como se sabe, a insígnia "Allan Kardec" é na verdade um pseudônimo; aquele a quem nós conhecemos como o codificador do Espiritismo chamava-se civilmente Hippolyte Léon Denizard Rivail. Aliás, a assinatura "H. L. D. Rivail" não era de tudo estranha, pois várias obras pedagógicas já haviam sido publicadas com esta inscrição; de fato, o Prof. Rivail não era assim nenhuma celebridade, porém não se tratava de um completo anônimo, inclusive porque já havia sido diretor de um instituto educacional em Paris. Até em razão disso, então, era conveniente separar a carreira profissional da tarefa vocacional de conduzir o lançamento da Doutrina Espírita; daí por que Rivail deu lugar a Allan Kardec.

Assim sendo, ao que tudo indica, chegaram até o pioneiro espírita críticas pela utilização do pseudônimo adotado, provavelmente acusando-o de estar "escondendo-se" ou "fantasiando sua missão". Ora, a intenção comum dessas críticas era manchar de alguma forma a imagem do Espiritismo, tomando por pretexto possíveis fraquezas pessoais do seu líder, já que doutrinalmente seus adversários nada encontravam contra. Logo, atacar Kardec era atacar a doutrina, ideologicamente falando; e talvez se não conseguissem minimizar o valor da Revelação Espírita, pelo menos eles tentavam desestabilizar o trabalho do mestre— quem sabe até cansá-lo e desencorajar sua missão.

Que nada! Allan Kardec estava determinado em sua vocação e soube dar a resposta com firmeza e elegância. Para começar, ele vai explicar que sequer teve o trabalho de criar ou "fantasiar" um apelido: bastou adotar seu nome próprio de outra existência carnal — valorizando assim um dos princípios fundamentais da doutrina: a Lei de Reencarnação. Muito emblemático, não é mesmo? É por isso que ele anota: "Allan Kardec tem um significado e eu posso reivindicá-lo como meu". Em seguida, ele diz que só revelaria mais tarde, mas que isso faz parte de um fato que vinha confirmar um certo ensinamento. E que ensinamento era esse? A coincidência de uma revelação feita por diferentes médiuns de que numa determinada vida passada ele era chamado de "Allan Kardec", ou, talvez melhor, que ele seria "Allan" numa e "Kardec" em outra reencarnação; há algumas versões sobre a origem dessa alcunha (Saiba mais pela Enciclopédia Espírita Online).

Diz Kardec nessa anotação que ele não decidiu sozinho usar um pseudônimo, mas que tudo foi combinado com a espiritualidade. Certamente, pois, os mentores espirituais acharam por bem distinguir a biografia do pedagogo Rivail do missionário espírita. Além disso, pelo que nos parece, a intenção de Kardec era que ele próprio não precisasse aparecer em público: bastaria que a doutrina aparecesse e se conservasse sem personalismos, para não caracterizar o Espiritismo pelas pessoas, mas sim pelas ideias doutrinárias. Mas não seria assim, como advertiu um amigo espiritual, dizendo-lhe: "Não suponha que te baste publicar um livro, dois livros, dez livros, para em seguida ficar tranquilamente em casa. Tem que expor a tua pessoa." (Ver Obras Póstumas, 2ª parte: 'Minha missão').

Aconteceu então que o sucesso de O Livro dos Espíritos fez do seu autor um nome famoso e, nestas condições, era preciso que ele apresentasse sua cara. Desta forma, já não seria o caso de trocar de nome novamente, como diz a nota: "uma vez conhecido sob esse nome, devo mantê-lo; deixá-lo agora seria prejudicar todas as minhas publicações posteriores." Então, ficou sendo mesmo Allan Kardec.

Ora, que importa o nome? Afinal, "O essencial é dizer coisas boas, não importando se é sob o nome de Pedro ou Paulo." — diz a anotação. O pseudônimo foi só uma formalidade, e como dizia Kardec, a espiritualidade dá muito pouca importância a isso; para eles, o que conta mesmo é o fundamento doutrinário.

Por fim, é interessante nos darmos conta de que naquele século XIX, como em outros tempos, inclusive na nossa atualidade, era muito comum que alguns autores usassem um "nome artístico" para assinar suas publicações; a propósito disso, Kardec até faz a estimativa desse percentual em seu tempo: "a cada 100 escritores, 75 deles não são conhecidos pelo seu nome verdadeiro.". Dentre os vários pretextos para isso, podemos citar três que eram bastantes comuns: 1) devido o preconceito contra as mulheres, as escritores normalmente usavam um apelido masculino para conseguir efetivar suas publicações; 2) para fugir da censura e perseguição política, muitos autores trocavam de nome: e 3) para se atacar gratuitamente alguém ou uma causa (como o Espiritismo) e se eximir de responder por isso, que é o caso de que Kardec trata ao dizer "ficar atrás da cortina".

Em suma, era um crítica muito rasteira, de quem realmente não tinha o que falar de uma doutrina abençoada como o Espiritismo, donde conclui nosso mestre espírita: "A doutrina seria muito fraca se o seu sucesso dependesse de uma causa tão fútil como um nome próprio."

Ver o registro do manuscrito no portal do Projeto Allan Kardec.

Veja as demais postagens que fizemos contextualizando os documentos disponibilizados pelo Projeto Allan Kardec:
E, é claro, visite também o portal online do Projeto Allan Kardec da UFJF-MG.


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sábado, 25 de novembro de 2023

"A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem..." - Os enigmas da origem da alma e das coisas

Nosso confrade Carlos Seth Bastos, o Sir CSI do Espiritismo, propôs um quiz em sua fanpage no facebook (Imagens e registros históricos do Espiritismo) a respeito de um tema doutrinário, dentre aqueles que causam os mais palpitantes debates — o que é bom para promover o estudo e a troca de ideias. Vejamos então a proposta da enquete:

Resposta do quiz de ontem (Quem PRIMEIRO disse "A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem."?): nenhuma das alternativas (h), embora o sufi Rumi (b) tenha expressado o mesmo conteúdo de outra forma.

Campos Vergal e Herculano Pires mencionaram a frase, embora supostamente com referências equivocadas. 

Curioso notar que no meio espírita, o primeiro a mencionar algo parecido foi Leymarie (f), e não Léon Denis (g).

Eis outras variações da frase, em contextos diferentes (panteísmo e evolução anímica): 

• Ibn Arabi (sufi) [1] disse entre 1165-1240: "Deus dorme na pedra, sonha na planta, se agita no animal e desperta no homem.", referindo-se ao panteísmo [2].

• Rumi (sufi) [3] disse entre 1207-1273: "(...) o homem começou do não-vivo, ele passou ao estado de vegetação (...). Então evoluiu da vegetação para o animal (...)" [4], referindo-se à evolução [5].

• Giordano Bruno falou em 1591 em "Tratado da Magia" de espíritos que habitam o corpo humano, as plantas, os animais, as pedras e os minerais [6].

• Michelet [7] falou em 1831: "‘O espírito divino’, diz Schelling [8], ‘dorme na pedra, sonha no animal, está acordado no homem.’", referindo-se ao panteísmo [9].

• Leymarie falou em 1876: "(...) e como disse um grande poeta alemão [sic]: ‘Um espírito que dorme na pedra, sonha no animal e desperta no homem.’", referindo-se à evolução [10].

• Léon Denis disse em 1905: "Na planta, a inteligência dorme; no animal, ela sonha; só no homem ela desperta (...).", referindo-se à evolução [11].

• Campos Vergal [12] disse em 1936: "(...) ensinamento hinduísta [sic] (...): ‘A alma dorme na pedra, sonha na planta, move-se no animal e desperta no homem.’", referindo-se à evolução [13].

• Herculano Pires [14] disse em 1978: "Léon Denis [sic] a definiu (...): ‘A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem.’", referindo-se à evolução [15].

Para outras informações a partir de 1857, inclusive as referências de Kardec, ver os artigos do colega pesquisador Paulo Neto [16-17].

Particularmente também não entendemos a jornada evolutiva do princípio inteligente começando no mineral, mas sim através dele.

Referências:

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Ibn_Arabi

[2] https://quotefancy.com/ibn-arabi-quotes 

[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Jalaladim_Maomé_Rumi

[4] Também encontrado em:

• "(...) Primeiro, foste mineral, depois, te tornaste planta, e mais tarde, animal. (...) Finalmente, foste feito homem (...)", referindo-se à evolução, conforme https://www.saindodamatrix.com.br/evolucao-forma.

• "Morri como mineral e tornei-me planta, morri como planta e cheguei à animalidade, morri como animal e me tornei homem (...).", referindo-se à evolução, conforme https://www.dar-al-masnavi.org/n-III-3901.html.

[5] https://www.thesufi.com/evolution-humans-words-rumi

[6] https://core.ac.uk/download/195785057.pdf

[7] https://pt.wikipedia.org/wiki/Jules_Michelet

[8] https://pt.wikipedia.org/.../Friedrich_Wilhelm_Joseph_von...

[9] https://books.google.com.br/books?id=mnJLAQAAMAAJ&pg=PA119

[10] https://www.retronews.fr/.../1-mars-1876/1829/3285669/8

[11] https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5681738t/f166.item [1908]

[12] http://www.feparana.com.br/topico/?topico=708

[13] https://files.comunidades.net/.../Reencarnacao_ou...

[14] http://www.feparana.com.br/topico/?topico=663

[15] https://files.comunidades.net/.../22__Mediunidade__Vida_e...

[16] http://www.paulosnetos.net/.../182-a-alma-dorme-no...

[17] https://sites.google.com/.../volume-9.../resumo-art-n-010201


Nossos comentários

A questão em voga trata, pois, da origem espiritual, ou seja, das individualidades: você, eu e todo mundo; tocando ainda em outros problemas filosóficos e religiosos ainda mais complexos, por exemplo, a Criação, a Providência Divina e a própria natureza de Deus — problemas esses que a Filosofia nunca pode sequer arranhar a superfície e que até mesmo a Doutrina Espírita não pôde solucionar, e por uma razão muito simples: estas coisas ainda não estão ao alcance do nosso entendimento atual. 

A "novidade" do Espiritismo — se assim podemos nos expressar — é a de que há a promessa dos Espíritos superiores de que um dia nós conheceremos a solução desses problemas: “Quando seu espírito não estiver mais obscurecido pela matéria e, por sua perfeição, estiver se aproximado de Deus, então ele o verá e o compreenderá.” (O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 11), questão semelhante à de número 18 da mesma obra: 

O homem penetrará algum dia o mistério das coisas que lhe estão ocultas?
“O véu se levanta para ele à medida que ele se purifica; mas, para compreender certas coisas, é preciso faculdades que ele ainda não tem."

E de que maneira essa "promessa espírita" pode ser considerada como novidade, já que há menções semelhantes a respeito desse enunciado? Ora, a máxima "Não há nada oculto que não seja revelado" não é tão antiga quanto à memória humana? E acaso não é bem conhecida a passagem bíblica do apóstolo Paulo: "Agora vemos obscuramente, como que por um espelho, em parte; mas então veremos face a face e conheceremos plenamente" (I Coríntios, 13:12)? Qual seria a "novidade" da revelação espírita? — resposta: Desde quando considerarmos que a "solução" doutrinária oferecida pelo Espiritismo é sempre racional, dentro de uma lógica, enquanto a tradição das religiões convencionais se fundamentam numa ideia de "verdade mística", que então permite uma ordem de coisas fora da ordem da nossa racionalidade; daí se admitir o milagre e o sobrenatural, no sentido de que Deus possa e costume "quebrar as próprias regras" — o que a nossa Doutrina Espírita rejeita peremptoriamente.

Mas a problemática é por demais profunda, tanto que grande parte dos filósofos é cética com relação a uma "solução racional", não por acaso muitos aderem ao ateísmo. Vamos colocar aqui um desses dédalos sobre o qual até o momento não cogitamos nenhuma saída:

É um princípio natural que Deus nunca esteve inativo, e ao mesmo tempo, nos é ensinado (também como um princípio elementar) que ele criou tudo; destarte, que fazia Deus antes do ponto inicial da criação?

O problema acima tange ao do entendimento do infinito e da eternidade, que foi explorado algumas vezes por Allan Kardec, e sempre sem sucesso para solver essa questão — novamente, em razão de nossa incapacidade intelectiva. Ora, logo depois de perguntar sobre Deus, o codificador indagou sobre o infinito, questões 2 e 3 de O Livro dos Espíritos, voltando ao mesmo tema esporadicamente, como na questão 37: "O Universo foi criado ou existe de toda a eternidade, como Deus?", que Kardec refaz mais na frente, na questão 21, com outras palavras:

A matéria existe desde toda a eternidade assim como Deus, ou ela foi criada por ele em algum momento?
“Só Deus o sabe. Entretanto, há uma coisa que a vossa razão deve indicar: é que Deus, modelo de amor e caridade, nunca esteve inativo. Por mais distante que vocês possam imaginar o início de ação dele, poderiam imaginá-lo um segundo na ociosidade?

Em suma, realmente não é possível sondar pela nossa razão tal problema. E pela resposta acima, até mesmo os mentores da codificação espírita se justificam reconhecendo que também não sabem ("Só Deus o sabe...").

É de se pensar, portanto, se as consciências realmente (nós, e todos os Espíritos) tiveram um princípio ou se somos todos eternos, porque não é fácil imaginarmos que tenha havido alguma "não existência" de algo de hoje existe. E faz bem nós espíritas reconhecermos que a codificação kardequiana não é o fim da revelação espírita, mas sim o começo; um passo gigantesco em comparação com o que a humanidade tinha antes do Espiritismo, mas um pequeno começo em comparação ao que ainda há de ser revelado.

Mas então, estamos com isso não aceitando ou mesmo negando o ensino da Doutrina Espírita que tem como princípio que todos nós fomos criados por Deus e que, portanto, tivemos sim um princípio? — Não! Não estamos rejeitando, estamos dizendo apenas que ainda não compreendemos a coisa, reconhecendo um problema teórico plausível. Mas, por outro lado, estamos certos de que há uma solução para a questão e que esta solução é alcançável, mediante nosso aperfeiçoamento espiritual.


Entre pedras, paus, carne etc.

Agora, especificamente falando da citação da enquete em voga, vamos lembrar algo bem parecido com a citação "A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem" dita por Allan Kardec, enquanto a tratar do modo de atuação dos Espíritos que cuidam dos fenômenos da natureza (grifo nosso):

“É assim que tudo serve e tudo se encaixa na natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou pelo átomo; admirável lei de harmonia da qual o Espírito limitado de vocês ainda não pode entender o conjunto.” (O Livro dos Espíritos - questão 540)

Sem nos esquecermos das nossas limitações (como dissemos acima), vamos tentar entender tanto quanto possível o sentido desse enunciado:

A oração em destaque nesta derradeira citação parece, pois, estabelecer uma ligação intrínseca entre o Espírito (a consciência, o indivíduo, cada um de nós) com a matéria (substância física); todavia, é preciso separar antes de tudo dois conceitos fundamentais dados em Espiritismo: as individualidades e o princípio gerador delas, separando as duas classes: espiritual e material.

Quer dizer, existe o princípio espiritual (a fonte geradora) e as individualidades (os Espíritos) que são formadas a partir dessa fonte; e, de forma análoga, há o princípio material (fonte geradora) e as individualidades (substâncias, objetos físicos...) formadas a partir da fonte material. E no nosso entender, essas duas classes não se confundem em sua essência, embora se completem, porque tudo o que é material precisa de uma força consciente (portanto, espiritual) para organizar sua estrutura, já que sem essa organização os elementos materiais ficam desordenados, tal como um monte de entulho. Por outro lado, o intelecto precisa se manifestar fisicamente para ser identificável e utilizável, senão vai ficar como uma série de ondas audíveis à deriva sem captação.

Ora, o Universo não é uma máquina que trabalhe no automático; tem sempre alguém consciente agindo para manter a força de gravidade, a órbita dos planetas e a agregação de cada molécula. Nisto vemos claramente a justeza destas palavras: "tudo se encaixa na natureza", sem que isso signifique que cada grão de areia ou caroço de feijão um dia vá se tornar um Espírito ou que um Espírito tenha sido exatamente um átomo. Doutra feita, o cuidado com a organização das coisas materiais (os fenômenos da natureza, portanto) nos parece nitidamente um bom exercício evolutivo para que os seres espirituais possam aprender a desenvolver o intelecto, a força de vontade, as sensações e, por fim, as emoções; nisso, a ligação entre o espiritual e o material fica bem justificada.

Mas, enfim, nos rendemos à evidência de que não sabemos praticamente nada; porém, animados com a promessa de que um dia tudo será esclarecido.

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Calendário Histórico Espírita: 228° aniversário de nascimento de Amélie Gabrielle Boudet - Madame Kardec


Ela não foi só a esposa de Allan Kardec, ela foi uma mulher de estatura moral, de talento artístico, de atitude social e, além tudo, uma companheira do codificador espírita no processo fundamental de sistematização do Espiritismo e, uma vez viúva, a continuadora dos trabalhos institucionais doutrinários do marido, favorecendo para que a posteridade pudesse melhor dispor dessa obra magnífica que a humanidade ainda está por conhecer devidamente. É por isso que, neste 22 de novembro, dedicamos carinhosamente a data em comemoração ao 228° aniversário de nascimento de Amélie Gabrielle Boudet, a Madame Kardec.

Saiba mais sobre esta personagem, das mais relevantes para a História do Espiritismo, através da Enciclopédia Espírita Online: clique aqui para ver o verbete de Amélie Gabrielle Boudet.

E para outras efemérides de interesse da Historiografia do Espiritismo, consulte a página Calendário Histórico Espírita.


quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Irmãs Fox: novo verbete da Enciclopédia Espírita Online


Elas são as precursoras de uma nova Era na História da Humanidade; a partir delas a mediunidade e o conceito de espiritualidade modificou-se completamente, abrindo caminho para o advento do Espiritismo: estamos falando das Irmãs Fox, as protagonistas do famoso episódio de Hydesville, que deu origem às Mesas Girantes e ao movimento Espiritualismo Moderno.

Por causa dessa importância toda, não poderíamos demorar mais para inclui-las na nossa Enciclopédia Espírita Online, e então, finalmente, anunciamos o lançamento do seu verbete. Veja a sinopse:

Irmãs Fox é como normalmente são citadas as três mulheres: Margaret, ou Maggie (1833-1893); Catherine, ou Kate (1837-1892); e Ann Leah (1814-1890), filhas do casal Margaret e John Fox, que também teve outros filhos; elas são conhecidas pelo célebre episódio de poltergeist de Hydesville, EUA, no ano de 1848, e que é considerado o marco do Espiritualismo Moderno — movimento que precedeu e preparou o advento da Doutrina Espírita. A repercussão midiática deste caso tornou-as famosas, inclusive internacionalmente, e desde então as três irmãs passaram a se apresentar em eventos públicos como médiuns, no intuito de oferecer fenômenos espirituais, do que fomentou a moda das Mesas Girantes na América, Europa e outros grandes centros urbanos. A carreira das Irmãs Fox foi marcada por escândalos e, por isso, da mesma forma que contribuiu para o movimento espiritualista, corroborou para banalizá-lo; contudo, inegavelmente as três irmãs protagonizaram um papel histórico fundamental para o desenvolvimento do conhecimento humano acerca da natureza espiritual, favorecendo assim, mesmo que indiretamente, a Codificação Espírita, de modo que o nome delas estão entre os precursores do Espiritismo.

Irmãs Fox: Margaret, Catherine e Leah

Veja a sequência de tópicos presente no novo verbete:
  • A família Fox
  • O episódio de Hydesville
  • Repercussão do caso
  • A carreira mediúnica das irmãs Fox
  • Declínio da fama e arranjos pessoais
  • A escandalosa controvérsia de fraude
  • Legado das Irmãs Fox
  • Veja também
  • Referências
Podemos ver então que através da história dessas três importantes personagens nós estamos fazendo um mergulho no tempo, até as origens da Doutrina Espírita e o cenário contextual que favoreceram o despertar da Terceira Revelação, que é o Consolador Prometido por Jesus, efetivado na codificação kardequiana.

Desta forma, não deixe de conferir o verbete Irmãs Fox.

#espiritismo #kardec #AllanKardec #LuzEspirita #espiritualidade #DoutrinaEspirita #mediunidade #mediuns #historia #irmasFox #foxsisters #hydesville #lilydade

domingo, 12 de novembro de 2023

Vem aí o filme sobre as Irmãs Fox e o episódio de Hydesville que antecipou o Espiritismo

Uma ótima notícia para todos nós: segundo uma postagem da Cinética Filmes Produções (@cineticafilmesproducoes), começaram nesta segunda-feira, 06 de novembro, as filmagens da nova produção sobre as pioneiras do espiritualismo, as Irmãs Fox. Escrito e dirigido por Wagner de Assis, o filme conta a trajetória das três mulheres americanas que tiveram um importante papel na origem do Moderno Espiritualismo Ocidental. Katherine "Kate" Fox, Leah Fox e Margaret "Maggie" Fox são conhecidas, principalmente, pelas “mesas girantes”  um fenômeno da natureza mediúnica amplamente difundido na Europa e nos Estados Unidos e iniciado em 31 de março de 1848 por uma das irmãs.

“Há uma relevância enorme em ver como, desde aqueles tempos, temos algumas coisas que não mudam: as mulheres pioneiras, um mundo em busca de respostas para suas questões mais profundas  de onde viemos, para onde vamos, qual o sentido de nossas vidas  assim como erros e acertos com questões espirituais”, comenta o diretor Wagner de Assis. “Vamos filmar o início do que o escritor Arthur Conan Doyle batizou de ‘uma invasão organizada’ dos espíritos. Só que essa invasão teve um preço que resulta na incrível história épica dessas mulheres. O filme é, também, uma retratação histórica que destaca o valor e esforço delas por uma causa humana e espiritual em função de um mundo melhor”, completa.

Maggie, Leah e Kate: as irmãs Fox

Kate, Leah e Maggie Fox serão interpretadas pelas atrizes Marie Mchugh, Jamie Hughes Sionne Elise, respectivamente (foto). As filmagens ocorrem nos interiores de casarões do Rio de Janeiro (RJ) que remetem à época do filme e os exteriores serão rodados em fazendas e cidades antigas dos Estados Unidos.

O longa-metragem da Cinética Filmes é coproduzido pela Star Original Productions, com distribuição da Star Distribution.

As atrizes que irão interpretar as Irmãs Fox

Portanto, será mais um filme importantíssimo para despertar o interesse do público em geral, mas especialmente dos espíritas, para o contexto histórico que precedeu o Espiritismo e corroborou com o seu advento.

A casa da família Fox, em Hydesville, EUA

Enquanto esperamos pelo filme, fica o convite para conhecermos melhor o movimento inaugurado com o episódio das Irmãs Fox: Espiritualismo Moderno, cujo verbete especial já está disponível na nossa Enciclopédia Espírita Online.

A propósito, recentemente foi publicada uma série de podcasts The Fox of Hydesville (em inglês), de excelente qualidade — malgrado os palavrões, muito desnecessários , dramatizando em nove episódios aquele famoso episódio de Hydesville. Vale a pena conferir. Os áudios estão disponíveis livremente em diversos canais, acessíveis pela site da produtora QCODE (https://qcodemedia.com/the-foxes-of-hydesville)


Acompanharemos as notícias sobre mais esta produção e compartilharemos com todos aqui.

E vale lembrar que, do mesmo diretor Wagner de Assis, estamos no compasso de espera pela estreia do filme Nosso Lar 2: Os Mensageiros, marcada pela 25 de janeiro de 2024.


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sábado, 4 de novembro de 2023

"Espiritismo: Uma religião digna do Criador", por Paulo Neto

Recebemos o seguinte artigo e o publicamos com satisfação, tanto pela qualidade do trabalho como pela dedicação do seu autor, nosso confrade Paulo Neto, grande estudioso e divulgador da nossa amada Doutrina Espírita.


Espiritismo:
Uma religião digna do Criador

 

“O verdadeiro crítico deve afastar-se das ideias preconcebidas, despojar-se de qualquer preconceito pois do contrário julgará de seu ponto de vista, que talvez, nem seja justo.” (ALLAN KARDEC)

Seremos bem objetivos, por isso citaremos somente seis pontos com os quais julgamos formar uma base para considerar o Espiritismo, codificado por Allan Kardec (1804-1869), como sendo uma religião, porém, não no sentido que comumente se dá ao termo, conforme ele deixou bem claro isso..


1º) Primeira revelação da minha missão

Na data de 30 de abril de 1856, o prof. Denisard Hippolyte Léon Rivail participava da sessão na residência do Sr. Roustan, quando a médium Srta. Japhet através da cesta de bico, escreve uma mensagem, na qual ele é informado de sua missão, destacamos este trecho::

[…] Deixará de haver religião e uma se fará necessária, mas verdadeira, grande, bela e digna do Criador… Os seus primeiros alicerces já foram colocados… Quanto a ti, Rivail, a tua missão é aí. (Livre, a cesta se voltou rapidamente para o meu lado, como o teria feito uma pessoa que me apontasse o dedo. […]. [1] (grifo nosso)

Portanto, a missão do prof. Rivail foi a de trazer uma religião, que será única, grande, bela e digna do Criador, não há como ignorar essa importante informação.


2º) Minha missão

Em 7 de maio de 1856, na casa do Sr. Roustan, através da médium Srta. Japhet, ocorreu uma manifestação da qual trazemos o seguinte trecho:

Pergunta (a Hahnemann) – Outro dia, disseram-me os Espíritos que eu tinha uma importante missão a cumprir e me indicaram o seu objeto. Desejaria saber se confirmas isso.

Resposta – Sim e, se observares as tuas aspirações e tendências e o objeto quase constante das tuas meditações, não te surpreenderás com o que te foi dito. Tens que cumprir aquilo com que sonhas desde longo tempo. É preciso que nisso trabalhes ativamente, para estares pronto, pois mais próximo do que pensas vem o dia. [2] (grifo nosso)

Cinco dias depois, ou seja, em 12 de maio, é o próprio Espírito de Verdade, através da médium Srta. Aline C…, quem confirma a Allan Kardec a missão que fora incumbido, recomendando-lhe: “Nunca, pois, fales da tua missão; seria a maneira de a fazeres malograr-se. Ela somente pode justificar-se pela obra realizada e tu ainda nada fizeste.” [3]

Para sabermos qual era o sonho do prof. Rivail, a que o Espírito Hahnemann se referiu, vamos trazer da obra A Imagem da Luz – A presença do Cristo nas Três Revelações este trecho transcrito do Dicionário Lachâtre de autoria de Maurice Lachâtre (1814-1900):

Nascido na religião católica, mas educado num país protestante, os atos de intolerância que ele teve de suportar a esse respeito fizeram-no, desde a idade de quinze anos, conceber a ideia de uma reforma religiosa, na qual trabalhou em silêncio durante longos anos, com o pensamento de chegar à unificação das crenças; mas faltou-lhe o elemento necessário para a solução desse grande problema. O Espiritismo veio, mais tarde, fornecer-lhe e imprimir uma direção especial aos seus trabalhos. […]. [4] (grifo e sublinhado nosso)

Agora sim, esta frase dita Hahnemann a respeito do prof. Rivail faz todo o sentido: “Tens que cumprir aquilo com que sonhas desde longo tempo.”


3º) A primeira definição de Allan Kardec

Na obra O Que é o Espiritismo?, publicada em 15 de julho de 1859, bem no início da Codificação, Allan Kardec o define da seguinte forma:

[…] O Espiritismo é a doutrina fundada sobre a existência dos Espíritos, ou seres incorpóreos do mundo invisível, e suas relações com o mundo corporal. Podemos também dizer que: o Espiritismo é a ciência de tudo o que se refere ao conhecimento dos Espíritos ou do mundo invisível. [5] (itálico do original, negrito nosso)

Não se pode esquecer que à época da publicação, fora os fascículos da Revista Espírita, o Codificador só havia publicado duas obras: O Livro dos Espíritos e Instrução Prática sobre as Manifestações dos Espíritos que, posteriormente, foi substituído por O Livro dos MédiunsConforme veremos no item 6º, quando próximo ao desencarne, especificamente, ao raiar o mês novembro de 1868, ele deixaria bem clara a questão, talvez já percebendo a importância disso em razão da polêmica que se instalaria no movimento espírita, não mais o termo ciência seria citado.


4º) O propósito do Espiritismo

Allan Kardec estava trabalhando para a publicação de um novo livro – O Evangelho Segundo o Espiritismo –, quando, em 9 de agosto de 1863, recebe uma orientação sobre o Espiritismo, e é informado do seu real objetivo, a nosso ver ela é de autoria de Erasto:

Aproxima-se a hora em que te será necessário apresentar o Espiritismo qual ele é, mostrando a todos onde se encontra a verdadeira doutrina ensinada pelo Cristo. Aproxima-se a hora em que, à face do céu e da Terra, terás de proclamar que o Espiritismo é a única tradição verdadeiramente cristã, a única instituição verdadeiramente divina e humana. […]. [6] (grifo nosso)

Se o Espiritismo representa a verdadeira doutrina ensinada pelo Cristo, e por isso “é a única tradição verdadeiramente cristã”, logo, não temos como não o ver como sendo uma religião.


5º) A prece de Allan Kardec

Entre os documentos do acervo Forestier publicados pelo Projeto Allan Kardec [7], há um manuscrito que contém uma prece feita por Allan Kardec, datada de 2 de dezembro de 1866; destacamos o trecho inicial:

Senhor Deus Todo-Poderoso,

Quanto mais medito sobre o objetivo final do espiritista, que é sua constituição em religião, mais eu sinto minhas ideias se aclararem e o plano se delinear, sem dúvida graças à assistência de vossos mensageiros; porém, mais também eu sinto quanto esse trabalho exige calma e meditações sérias.

Se me julgais digno, Senhor, de uma tal tarefa, fazei, peço-vos, que eu possa ter a tranquilidade necessária. Se as circunstâncias me obrigarem a me expatriar, peço que os bons Espíritos preparem os caminhos para que eu possa, em meu retiro, dedicar-me sem problemas a esses trabalhos. Dai-me sobretudo saúde, assim como a Amélie. [8] (grifo nosso)

Nessa prece, temos o Codificador preocupado com a tarefa da constituição do Espiritismo em religião.


6º) Discurso na Sessão Anual Comemorativa dos Mortos

No fascículo do mês de dezembro de 1868 da Revista Espírita, Allan Kardec registrou o seu discurso de abertura, intitulando-o de “O Espiritismo é uma religião?” O astrônomo Camille Flammarion (1842-1925) disse que o Codificador pressentiu seu fim próximo [9], também foi essa a impressão que nos ficou diante desse título, razão pela qual viu a necessidade de deixar bem clara a questão proposta. A certa altura de sua alocução diz:

Se assim é, dir-se-á, o Espiritismo é, pois, uma religião? Pois bem, sim! sem dúvida, Senhores; no sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e disto nos glorificamos, porque é a doutrina que fundamenta os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre as bases mais sólidas: as próprias leis da Natureza.

Por que, pois, declaramos que o Espiritismo não é uma religião? Pela razão de que não há senão uma palavra para expressar duas ideias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; que ela desperta exclusivamente uma ideia de forma, e que o Espiritismo não a tem.

O Espiritismo, não tendo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual da palavra, não se poderia, nem deveria se ornar de um título sobre o valor do qual, inevitavelmente, seria desprezado; eis porque ele se diz simplesmente: doutrina filosófica e moral. [10] (grifo nosso)

Em nossa maneira de entender, a posição do Codificador é clara quanto ao Espiritismo ser religião, porém, não o era no sentido comum que se dá ao termo, pois, fatalmente, o remeteria aos caracteres das religiões tradicionais, com seus dogmas, rituais, hierarquia, etc.

Por outro lado, se logo no início da Codificação Espírita Allan Kardec o definisse como religião ele, o Espiritismo, seria desprezado, seria apenas mais uma “no mercado”, e em razão disso morreria no nascedouro.

Corroborando nosso pensamento, trazemos a opinião do jornalista José Herculano Pires (1914-1979), a respeito desse discurso do Codificador. A obra O Tesouro dos Espíritos foi traduzida por Herculano Pires, a 2ª parte intitulada “Marcha para o futuro” é de sua autoria, por inspiração de Miguel Vives, que, quando vivo, foi autor da 1ª parte dessa obra:

O Espiritismo é a Religião em espírito e verdade, de que Jesus falou à mulher samaritana. Mas há espíritas que não compreendem isso e negam a religião espírita. “É possível tirarmos do Espiritismo a fé em Deus e a lei da caridade?” Todo o problema, que tanta celeuma tem levantado entre alguns irmãos intelectuais, se resume na falta de compreensão do que seja religião. Os confrades antirreligiosos gastam tinta e papel em quantidade por quererem provar um absurdo. Alegam que Kardec se recusou a chamar o Espiritismo de religião. Mas o próprio Kardec explicou por que o evitou – não se recusou, mas apenas evitou – chamar o Espiritismo de religião: não queria confundir uma doutrina de luz e liberdade com as organizações dogmáticas e fanáticas do mundo religioso. [11] (grifo nosso)

Bem clara é a posição de Herculano Pires, com a qual nos alinhamos sem o menor constrangimento, já que isso causa espécie a alguns confrades.

Nós estamos plenamente convencidos de que o Espiritismo é uma religião, porém, somos concordes com Allan Kardec que disse: “O que é evidente, para nós, pode não ser para vós outros; cada qual julga as coisas debaixo de certo ponto de vista, e do fato mais positivo nem todos tiram as mesmas consequências.” [12]

Paulo da Silva Neto Sobrinho
junho, 2021.
Revisão: Hugo Alvarenga Novaes
Rosana Netto Nunes Barroso


Notas

[1] KARDEC, Obras Póstumas, p. 308.

[2] KARDEC, Obras Póstumas, p. 309. 

[3] KARDEC, Obras Póstumas, p. 313.

[4] GRUPO MARCOS, A Imagem da Luz – A presença do Cristo nas Três Revelações, disponível em: https://www.luzespirita.org.br/leitura/pdf/L198.pdf, p. 23.

[5] KARDEC, Qu’est-ce que le Spiritisme, disponível em: http://www.autoresespiritasclassicos.com/Allan%20Kardec/O%20Que%20e%20o%20Espiritismo/Allan%20Kardec%20-%20Qu'est-ce%20que%20le%20Spiritisme%20-%201%C2%AA%20%C3%89dition%20(1859).pdf, p. 6.

[6] KARDEC, Obras Póstumas, p. 338.

[7] LUZ ESPÍRITA, Enciclopédia Espírita Online: Projeto Allan Kardec: acervo Forestier, disponível em: https://www.luzespirita.org.br/index.php?lisPage=enciclopedia&item=Projeto%20Allan%20Kardec

[8] PROJETO ALLAN KARDEC: Prece de Allan Kardec – 02/12/1866, disponível em: https://projetokardec.ufjf.br/item-pt?id=179

[9] No discurso de despedida junto ao túmulo de Allan Kardec, Camille Flammarion diz: “Há alguns meses, sentindo seu fim próximo, preparo as condições de vitalidade desses mesmos estudos depois de sua morte, e estabeleceu a Comissão Central que o sucede.” (KARDEC, Revista Espírita 1869, p. 139)

[10] KARDEC, Revista Espírita 1868, p. 359.

[11] VIVES, O Tesouro dos Espíritas, p. 85.

[12] KARDEC, O Que é o Espiritismo, p. 59.


Referências bibliográficas:

KARDEC, A. O Que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2001.

KARDEC, A. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 2006.

KARDEC, A. Revista Espírita 1868. Araras (SP): IDE, 1993.

KARDEC, A. Revista Espírita 1869. Araras (SP): IDE, 2001.

VIVES, M. V. O Tesouro dos Espíritas. São Paulo: Edicel, 2016.

GRUPO MARCOS, A Imagem da Luz – A presença do Cristo nas Três Revelações, disponível em: https://www.luzespirita.org.br/leitura/pdf/L198.pdf. Acesso em: 01 nov. 2023.

KARDEC, A. Qu’est-ce que le Spiritisme, disponível em: http://www.autoresespiritasclassicos.com/Allan%20Kardec/O%20Que%20e%20o%20Espiritismo/Allan%20Kardec%20-%20Qu'est-ce%20que%20le%20Spiritisme%20-%201%C2%AA%20%C3%89dition%20(1859).pdf. Acesso em: 14 jun. 2021.

LUZ ESPÍRITA, Enciclopédia Espírita Online: Projeto Allan Kardec: acervo Forestier, disponível em: https://www.luzespirita.org.br/index.php?lisPage=enciclopedia&item=Projeto%20Allan%20Kardec. Acesso em: 01 nov. 2023.

PROJETO ALAN KARDEC: Prece de Allan Kardec – 02/12/1866, disponível em: https://projetokardec.ufjf.br/item-pt?id=179. Acesso em: 09 jun. 2021.