Projeto Allan Kardec "O retorno da fé em Deus do Sr. H. Georges"


O Projeto Allan Kardec da Universidade Federal de Juiz de Fora (Minas Gerais) tem-nos oferecido uma oportunidade extraordinária de consultar e estudar documentos originais valiosíssimos acerca da História do Espiritismo (saiba mais aqui). Já resenhamos aqui alguns itens lá publicados, por exemplo, o manuscrito de Allan Kardec intitulado "Evocação" (Veja aqui) e agora trazemos a reprodução de uma correspondência remetida ao codificador espírita, enviada por um leitor da Revista Espírita, que, dentre outras coisas tratadas nesta carta, confessa que, embora ainda estivesse na condição de precisar mais convencimentos sobre a fenomenologia mediúnica corrente naqueles dias, agradecia a Kardec por tê-lo ajudado a recobrar a fé em Deus, fé essa outrora por ele negada.

Como ele próprio descreve, o Sr. H. Georges havia sido criado no catecismo católico, mas então perdera a crença na divindade; ele atribuiu seu desengano às "ideias absurdas" introduzidas na religião cristã à qual sua educação fora submetida. Médico de profissão, certamente foi bastante influenciado também pelas ideologias revolucionárias do meio científico, tradicionalmente materialista senão abertamente declarado em tese, muito em voga na prática.

Enfim, para mais uma alma aberta às luzes da sabedoria, O Livro dos Espíritos cumpriu sua missão mais sublime: semear na consciência os germes da espiritualização, tendo como fonte e referência capital para tudo e para todos Deus, sem o qual nada mais faz sentido.

Confira a seguir a reprodução da tradução da carta do Sr. H. Georges:

Labastide St. Georges, perto de Lavaur (Tarn), em 8 de abril de 1863.

]Enviado em 14 de abril.[

Senhor Georges.

Senhor Allan Kardec,

Minha inteligência sempre se recusou a aceitar uma ideia, qualquer princípio sobre o julgamento feito por outros, e é a essa independência de opinião que devo meu conhecimento do Espiritismo. No meio de um país retrógrado e fanático, eu tinha, em minhas muito raras viagens, ouvido falar, duas ou três vezes, de médiuns, mas jamais de Espiritismo, até que a Providência quis que um de meus amigos, mais bem favorecido do que eu e vindo em visita aos seus pais, me desse algumas informações vagas sobre essa nova ciência. Com esses dados, fui pesquisar, e foi somente em novembro passado que finalmente pude possuir e tomar conhecimento de O Livro dos Médiuns e o dos Espíritos. Neste último, não importa o que os detratores digam, estão, em minha opinião, os princípios da mais pura moralidade e as bases de uma lógica irresistível. Além disso, devo à leitura desta obra encantadora o meu retorno à Divindade, contra a qual me acuso de ter tantas vezes blasfemado, impulsionado pelas ideias absurdas introduzidas na religião cristã em que nasci.

Como vê, senhor, estou profundamente abalado, mas ainda não me sinto completamente convencido; eu ainda tenho algumas dúvidas, eu preciso ver. No isolamento, eu quis tentar me tornar um médium e minha mão não se mexeu, nenhuma ideia mesmo chegou a atravessar meu cérebro.

Não ousando confessar minha pesquisa sobre Espiritismo, não por medo do ridículo, mas por medo de prejudicar minha clientela, minha única fonte de recurso, despertando contra mim a influência de certas pessoas ligadas aos velhos erros mais pelo interesse do que por qualquer outro motivo, me encontro inteiramente entregue a mim mesmo neste novo estudo. Não vendo, para meu grande pesar, desenvolver-se em mim, pelo menos ainda, nenhum sinal de mediunidade, minha fé está vacilando e sinto a necessidade urgente de conhecer os fatos para poder interromper minhas convicções. É com esse objetivo, e apesar das despesas com minha assinatura deste ano da Revista Espírita, que ainda apelo à minha modesta bolsa para pedir que o senhor me envie os anos 1858, 59, 60 e 1861 desta mesma Revista.

Para não fazer uma despesa tão grande de uma vez, eu poderia ter, é verdade, tomado pouco a pouco, ano a ano, mas a impaciência só me fez preferir impor algumas privações a mim e, assim, poder me beneficiar do desconto oferecido às pessoas que adquirem os primeiros quatro anos de uma só vez. Apresento em minha carta uma ordem postal no valor de 30 francos — representando o preço a que são fixados os quatro anos que peço.

Por favor, senhor, receba minhas desculpas pelo tempo que eu o fiz perder em me ler, e na esperança de poder ser contado em breve entre seus seguidores mais fervorosos, tenho a honra de ser,

Senhor,

Seu servo muito humilde,

H. Georges, médico.

P.S.: Pelo que entendi, essas obras me serão enviadas pelo correio sem aumento de preços, caso contrário, ficaria muito grato se o senhor me informasse.

 

A fotocópia do manuscrito original e a transcrição em francês estão disponíveis no portal do Projeto Allan Kardec.

E não deixe de compartilhar com seus familiares e amigos. A divulgação da Doutrina Espírita é também um ato de caridade ao bem comum.

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