Maria Antonieta na codificação do Espiritismo
Maria Antonieta é uma personagem das mais controvérsias da História mundial, e que suscita diferentes opiniões, sendo ela amada por uns e odiada por outros, servindo também de tema para curiosas teorias, francamente exploradas em livros, filmes e documentários. Aqui, porém, trataremos de buscar registros sobre ela dentro da codificação espírita de Allan Kardec, onde encontramos uma passagem bem explícita e outra subentendida ─ ambas as passagens deixando uma marcante reflexão, como o leitor poderá conferir adiante.
Quem foi Maria Antonieta
Marie Antoinette Josèphe Jeanne de Habsbourg-Lorraine (em alemão: Maria Antonia Josepha Johanna von Österreich-Lothringen) nasceu em Viena, Áustria, em 2 de novembro de 1755, sendo a penúltima dos dezesseis filhos da imperatriz Maria Teresa da Áustria e de Francisco I do Sacro Império Romano-Germânico. Portanto, veio a este mundo como uma arquiduquesa, uma das princesas austríacas, crescendo na opulência dos convivas do luxuoso Palácio Imperial de Hofburg, residência oficial dos monarcas austríacos.
Palácio Imperial de Hofburg, Viena, Áustria
De sua infância, o fato mais extraordinário foi que ela contraiu varíola, ainda aos 2 anos de idade, mas da qual se recuperou sem conservar na pele as marcas características desta doença. Fora isso, teve uma rotina comum de princesa, recebendo uma boa educação, incluindo aulas da etiqueta da corte e música, nas quais optou pela harpa ─ embora ela preferisse mesmo dançar a executar qualquer instrumento. Aliás, desde cedo a arquiduquesa foi descrita como bastante espontânea, favorecida pelos mimos que lhe foram prestados.
No jogo político das alianças entre estados, Maria Antonieta foi usada como peça para estreitar os laços entre seu país e a França ─ desde há muito um histórico arqui-inimigo da Áustria. Depois de longas negociações, a moça foi prometida em casamento a Luís Augusto, o delfim (o príncipe herdeiro do trono francês), com quem ela se casou, em 1770, ainda com apenas quatorze anos de idade, sendo chamada "Marie Antoinette, Dauphine de France".
A chegada da futura rainha à sua nova pátria foi um espetáculo; seu jeito gracioso encantou o povo e a corte; mas isso, só num primeiro momento, porque logo mais ela iria cair em desgraça aos olhos de praticamente todo mundo.
Ocorre que seu marido era das mais fracas personalidades; pouco interessado em política, sempre enfadado com os compromissos oficiais e avesso a tomar decisões, deleitando-se quase que exclusivamente com a sua difamada gula. Inclusive o casamento não foi consumado senão depois de anos. Antes disso, em 1774, com o falecimento do rei Luís XV, os delfins são coroados, ela com dezoito anos e seu marido só com um ano a mais, mas completamente despreparado.
O reinado de Luís XVI era um desastre, por uma combinação de fatores que levou seus súditos à fome generalizada. Nisso, as hostilidades contra a rainha cresceram fortemente; ela era acusada de influenciar negativamente o rei em favor de acordos benéficos à Áustria ─ nação ainda nada apreciada pelos franceses. Além disso, acusavam-na de empobrecer a França com gastanças pessoais, em roupas, joias e festas reservadas aos seus apadrinhados. Para piorar, circulavam pelas ruas que, "na falta de um marido", ela se dava a orgias com seus séquitos, no Petit Trianon ─ o palacete um pouco afastado do Palácio de Versailles que servia de "refúgio" da rainha.
Definitivamente, a rainha já não representava mais seu reino. Na boca do povo, Maria Antonieta era denominada "L'Autre-chienne" ─ uma paronomásia em francês das palavras "autrichienne", que significa "mulher austríaca", e "autre-chienne", que significa "outra cadela".
Uma rainha destronada
A fraqueza do rei, a fome do povo, a agitação política em geral e a esperteza de alguns aproveitadores provocaram a Revolução Francesa, que destronou Luís XVI e aboliu a monarquia abolida em 21 de setembro de 1792.
Em meio aos acontecimentos, uma multidão atacou o Palácio de Versailles (residência oficial do Rei da França), de onde a família real fugiu pelos fundos e foi se abrigar no Palácio da Tulherias, em Paris. Com o terror propagado pelos revolucionários, os destronados tentaram fugir para um território austríaco, em 21 de junho de 1791, mas foram descobertos a poucos quilômetros da fronteira e então levados à capital francesa, ao som dos mais infames insultados. A tentativa de fuga resultou numa acusação formal contra o rei a pretexto de traição à nação.
Temendo uma contrarrevolução por parte dos simpatizantes da monarquia, os revolucionários articularam-se para eliminar Luís XVI, Maria Antoniete e seus filhos, que foram presos no Torre do Templo (um antigo mosteiro dos Templários, então utilizado como prisão) enquanto rolava o processo que culminou com a condenação à morte do rei destituído; Luís XIV I foi levado à guilhotina em 21 de janeiro de 1793, na atual Place de la Concorde, em Paris.
Nove meses após a execução de seu marido, após passar por muitas humilhações, Maria Antonieta também foi julgada e igualmente condenada à pena capital; ela foi levada para o cumprimento da sentença em 16 de outubro de 1793, transportada em uma carroça vulgar até a Place de la Revolution (atual Place de la Concorde), onde foi guilhotinada.
Maria Antonieta conduzida à morte
Postumamente, Maria Antonieta tornou-se parte da cultura popular e tema de um acirrado debate histórico: alguns acadêmicos e estudiosos acreditam que ela tenha tido um comportamento frívolo e superficial, atribuindo-lhe o início da Revolução Francesa; outros, no entanto, alegam que ela foi retratada injustamente e que as opiniões a seu respeito deveriam ser mais simpáticas. O fato é que ela foi alguém que viveu numa única encarnação a glória e a desgraça extrema.
Saiba mais sobre Maria Antonieta pela Wikipédia.
Maria Antonieta na obra kardequiana
Bom francês que era, Allan Kardec obviamente conhecia bem a História de sua pátria e sabia bem da importância histórica da personagem aqui em questão. Contudo, o codificador espírita era muito cuidadoso em tratar de assuntos delicados, principalmente no que tange à política; era preciso muita prudência mesmo, porque em seu tempo reinava Napoleão III ─ aliás, um imperador que chegou ao poder com um golpe de estado, e que era muito pouco democrático, sempre mais preocupado em se manter no poder do que em favorecer o bem público (como, a propósito, é uma praxe dos nossos políticos até hoje).
Mas então, nós vamos encontrar uma passagem na obra kardequiana que cita explicitamente Maria Antonieta, falando de uma suposta predição inconsciente referente ao futuro da rainha destronada. Esta passagem aparece na Revista espírita de dezembro de 1866 (baixe aqui o PDF), na seção 'Variedades', artigo 'Revista da imprensa relativa ao Espiritismo'. Na ocasião, Kardec cita uma reportagem do jornal francês Événement, de 4 de novembro, relatando um ocorrido com a rainha da França e o célebre compositor alemão Christoph Willibald Gluck, que havia sido seu professor de música. O ocorrido foi o seguinte:
Gluick estava na França apresentando seu espetáculo 'Ifigênia', em 19 de abril de 1774, ao qual Luís XVI e Maria Antonieta assistiram. Ao final do espetáculo, os monarcas receberam em seu camarote a visita daquele músico, que "ficou de tal modo comovido que não pôde proferir uma palavra e apenas teve forças para agradecer com o olhar." E assim prossegue a matéria do jornal, em tom de anedota:
"Percebendo que Maria Antonieta usava naquela noite um colar de rubi, Glück se reergueu: Grande Deus! — exclamou ele — Salvai a rainha! Salvai a rainha! Sangue! Sangue! — Onde? — bradaram de todos os lados. — Sangue! Sangue! No pescoço! — gritou o músico. Maria Antonieta estava trêmula. Depressa, um médico, disse ela, meu pobre Glück está louco. O músico tinha caído numa poltrona. Sangue! Sangue! — murmurou ele... Salvai a arquiduquesa Maria... salvai a rainha! — O infeliz maestro toma o vosso colar por sangue, disse o rei a Maria Antonieta; ele tem febre. — A rainha levou a mão ao pescoço, arrancou o colar e, tomada de pavor, atirou-o longe. Levaram Glück desacordado."
Pois bem, Kardec transcreveu esse texto para descartar a presença dos fenômenos espíritas nos mais diversos fatos históricos; neste caso, uma previsão do futuro: o músico alemão provavelmente teve uma clarividência, ou inspiração mediúnica, do que estava por vir à rainha da França, simbolizado pelo "sangue no pescoço", que representava a decapitação de Maria Antoniete.
Outra menção à ex-rainha, agora subentendida, diz respeito a uma comunicação contida no livro O Evangelho segundo o Espiritismo (baixe o pdf aqui) cuja autoria é atribuída a um Espírito denominado "Uma Rainha da França".
Esta comunicação, datada de 1863, foi obtida na comuna francesa do Havre, na Normandia, vizinha de Saint-Adresse, onde naquele mesmo ano o pioneiro espírita havia feito um retiro especialmente para se concentrar na elaboração do referido livro, que seria lançado no ano seguinte, 1864. Não há informação de quem foi o médium que recebeu a mensagem, nem se ela foi recebida particularmente ou em uma seção pública de algum grupo espírita da região. Daí, é de perguntarmos se aquela comunicação não teria sido atraída pela presença de Kardec naquelas redondezas, justamente naquele momento especial.
De concreto, temos que a tal entidade "Uma rainha da França" não parece ser outra personagem senão Maria Antonieta, dado o teor da mensagem, em que ela diz, falando de sua realeza terrena: "nem mesmo me acompanhou até o túmulo". Ora, pelas coincidências históricas, fica evidente que estamos falando da pessoa exata.
A mensagem da ex-rainha
A comunicação supracitada se encaixa no livro de Kardec dentro do capítulo II: 'Meu reino não é deste mundo', onde o autor faz uma comparação entre a realeza existente na Terra ─ baseada nos valores materialistas ─ e a realeza espiritual de Jesus, que é "imperecível", porque é "nascida do mérito pessoal".
A mensagem da ex-rainha vem justamente ratificar a diferença dos valores materiais e espirituais, dando o testemunho de quem tem pleno conhecimento de causa; por conta disso, seu teor é dramaticamente rico em esclarecimentos, pelo que vale uma leitura apurada e uma meditação profunda a respeito do ensinamento nela contido, além de um pedido formal do Espírito.
Vejamos a mensagem na íntegra:
Uma realeza terrestre
Quem poderia compreender a verdade desta afirmação do Nosso Senhor: “Meu reino não é deste mundo”, melhor do que eu? O orgulho me desvirtuou na Terra; quem, pois, compreenderia o vazio dos reinos deste mundo se eu não o compreendesse? O que eu trouxe comigo da minha realeza terrena? Nada, absolutamente nada; e, como que para tornar a lição mais terrível, ela nem mesmo me acompanhou até o túmulo! Rainha eu fui entre os homens e como rainha eu achava que entraria no reino dos céus! Que desilusão! Que humilhação quando, em vez de ser recebida como uma soberana, eu vi acima de mim — mas muito acima — pessoas que eu julgava bem pequenas e que eu desprezava, por eles não terem sangue nobre! Oh, só então compreendi a inutilidade das honras e das grandezas que buscamos com tanta avidez na Terra!
Para se conquistar um lugar neste reino é preciso abnegação, humildade, caridade em toda a sua prática celeste e benevolência para com todos; ninguém te pergunta o que você foi nem que posição ocupou, mas o bem que você fez, as lágrimas que enxugou.
Oh, Jesus! Tu disseste que teu reino não é deste mundo, porque é preciso sofrer para chegar ao céu, e os degraus do trono não levam a ele; só as trilhas mais penosas da vida conduzem até lá. Então, procurem a rota através das sarças e dos espinhos, e não por entre as flores.
Os homens correm atrás dos bens terrenos como se pudessem guardá-los para sempre; mas aqui já não há ilusão, pois logo eles percebem que só se agarraram a uma sombra e que negligenciaram os únicos bens sólidos e duradouros, os únicos que lhes beneficiam na morada celeste, os únicos que podem lhes dar acesso a essa morada.
Tenham piedade dos que não ganharam o reino dos céus; ajudem-lhes com as vossas preces, pois a prece aproxima o homem do Altíssimo e é o traço de união entre o céu e a Terra: não se esqueçam disso.
UMA RAINHA DA FRANÇA (Le Havre, 1863)
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. II, item 8
Eis aí, enfim, um retrato exemplar da ilusão dos bens terrenos, dos títulos humanos e do orgulho pessoal, cujas consequências são terríveis e inevitáveis para todos, findando pelo Espírito implorar por preces alheias.
Quantos dentre nós se gabam de sua herança familiar, de seus diplomas acadêmicos, de sua beleza corporal, de seus cargos, e assim por diante, supondo que esses "bens materiais" lhe pertencem de fato e durarão para sempre; porém, a hora de verdade chega para todos, despindo o Espírito das coisas terrenas e revelando a verdadeira face do indivíduo.
Que estas reflexões nos ajudem a repensar aquilo que realmente tem valor na nossa vida, para que saibamos aproveitar melhor esta reencarnação.
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