Kardec, Amélie Boudet e A regulamentação da Livraria Espírita


Ainda rondam pela internet algumas postagens defendendo a teoria de que as obras de Allan Kardec foram alteradas (notadamente A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo e O Céu e o Inferno) por uma dita conspiração liderada por Pierre-Gaëtan Leymarie, sob os olhos inertes da viúva do codificador espírita, Amélie Boudet. Bem, já foi fartamente demonstrada que essa teoria da conspiração não procede; que as edições atualizadas dos referidos livros não são adulterações, mas atualizações processadas pelo legítimo autor (Kardec) e que a viúva Kardec não ficou inerte perante a tarefa de suceder o marido. Um apanhado detalhado dessa pesquisa encontra-se na página especial O caso A Gênese. Porém, a pesquisa não cessa, e novas e novas evidências históricas vêm comprovar a posição que tomamos em desmentir categoricamente a teoria da adulteração, como segue.

As peças probatórias mais recentes foram encontradas pelo nosso confrade espírita Charles Kempf, importante dirigente do movimento espírita francês da atualidade; são registros oficiais dos Arquivos Nacionais de Paris, começando por um documento assinado por Allan Kardec, com o seu nome civil "H. L. D. Rivail", de "Hippolyte Léon Denizard Rivail" — tratando-se de um abaixo assinado, de 12 de janeiro de 1869, solicitando uma autorização governamental para a instalação de uma livraria espírita, que seria localizada na Rue de Lille, nº 7, região central da Cidade Luz. Veja a foto a seguir:

Abaixo assinado encabeçado por H.L.D. Rivail (Allan Kardec)

E sim, esta autorização foi concedida, como bem sabemos. A Livraria Espírita foi inaugurada no endereço referido no comecinho de abril daquele ano de 1869, em pleno luto do codificador. Kardec, aliás, faleceu após o rompimento de um aneurisma, no dia 31 do mês anterior à tão esperada inauguração, exatamente em meio ao trabalho de mudança da sede de seu escritório, na Rua Saint'Anne para a Rua de Lille, que ficaria junto da Livraria Espírita.

O documento seguinte é a devida autorização de funcionamento para a Livraria Espírita, concedida a Allan Kardec em 2 de abril de 1869, três dias após seu falecimento. Sim, uma autorização póstuma, mas necessária para o funcionamento do estabelecimento comercial pretendido.

Brevet de Libraire (Licença de Livreiro) concedida a H. L. D. Rivail (Allan Kardec)

Com efeito, para abrir uma livraria e editora na França do tempo de Kardec, era preciso passar por uma rigorosa investigação de conduta (basicamente para controle da censura do imperador Napoleão III) e adquirir uma Licença de Livreiro (Brevet de Libraire). E com um detalhe relevante: o título poderia ser repassado aos herdeiros; por isso, a concessão póstuma a Kardec teve valor prático.

Esses dados são importantes para O caso A Gênese porque uma das questões levantadas pelos defensores da teoria de adulteração é a de que a 5ª edição  de A Gênese, a versão "corrigida e revisada" e referenciada como a partir da qual a obra teria sido indevidamente modificada, já trazia o endereço da Livraria Espírita: para os acusadores da conspiração, não seria possível Kardec publicar um livro com o endereço de uma livraria que ainda não existia. Todavia, como podemos ver, já havia um planejamento para a Livraria e no endereço mencionado; afinal, era preciso indicar um local pretendido para conseguir a licença do governo; então, previamente o líder espírita havia negociado o aluguel do ponto comercial na Rua de Lille nº 7, exatamente para conseguir a autorização para o seu empreendimento; portanto, ao preparar a 5ª edição de A Gênese, o autor já sabia do endereço da futura Livraria. O único problema seria se as autoridades francesas negassem o pedido; mas por que fariam isso, se tudo estava certinho?

Estes documentos foram postados originalmente pelo confrade Carlos Seth Bastos, na fanpage CSI do Espiritismo no Facebook.

E tem mais!!!

Uma coisa que os defensores da "conspiração leymarieniana" nunca conseguiram explicar foi como as adulterações puderam ser realizadas às vistas da viúva Kardec. Na verdade, eles propuseram que Amélie Boudet já estava sem forças para conduzir os trabalhos pós-Kardec; mas essa proposição também não se sustenta, como demonstram outros tantos documentos, a exemplo dos últimos que foram compartilhados por Charles Kempf, documentos esses igualmente oriundos dos Arquivos Nacionais da França; portanto, oficiais, tal como veremos adiante.

Esses registros só reforçam o que tem sido mostrado: a viúva Kardec foi muito ativa na sucessão de Allan Kardec para a liderança do movimento espírita. Ela assumiu com pulso firme a direção da Revista Espírita (os artigos teriam que ser inicialmente submetidos a ela antes da publicação) e da Livraria Espírita (cuja concessão a ela passou por certificações antes da aprovação). Longe de aceitar passivamente a gestão de outros administradores da Sociedade Anônima Espírita para continuação das obras kardequianas, Amélie Boudet participou dos Comitês de Leitura (equivalente a um comitê editorial) e de Fiscalização (que aprovava ou rejeitava as contas daquela Sociedade Anônima).

Os novos documentos trazidos por Kempf mostram que a Sra. Kardec precisou protocolar uma espécie de atestado de bons antecedentes, e que ainda recebeu uma certificação como livreira — prova peremptória de boa conduta e sanidade mental da primeira-dama do Espiritismo. O primeiro documento, assinado pelos vizinhos de bairro e dirigentes da Sociedade Anônima Espírita, Srs. Tailleur e Desliens, testemunhava que ela vivia a mais de 21 anos da Villa de Ségur, e que, neste período, sua conduta não deu origem a nenhuma censura.

Relatório atesta sanidade e boa conduta de Madame Kardec

O segundo documento certificava que Amélie Boudet possuía todas as habilidades necessárias para exercer a profissão de livreira. Ele foi assinado pelos seguintes colegas livreiros:
1) Sr. Joseph Albanel, da Rua de Tournon, 15
2) Sr. Charles Borrani, da Rua des Saints-Pères, 9
3) Srs. Georges Guillaume Édouard Jung e Treuttel, da Rua de Lille, 19
4) Sr. Jean François Régis Ruffet, da Rua Saint-Sulpice, 38

Certificação de Livreira para Madame Kardec

Ver a postagem do CSI do Espiritismo no Facebook.

Em outras palavras, tanto a Chefatura de Polícia quanto o Ministério do Interior, asseguravam à Amélie Boudet o direito à Livraria Espírita  que foi o que ocorreu. Logo, o brevet de Kardec foi transferido para sua esposa, e não para terceiros, como alegam os teóricos da conspiração, citando dentro outros supostos agentes da adulteração: o já citado Pierre-Gaëtan Leymarie, Edouard Mathieu Bittard (gerente da Livraria Espírita) e Armand Théodore Desliens (ex-secretário de Kardec).

Postagem do CSI do Espiritismo no Facebook.

Para mais detalhes sobre a polêmica em torno da acusação de adulteração das obras de Kardec, veja a página especial O caso A Gênese.


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