Seita política infiltrada no movimento espírita sugere novo slogan: 'Fora da justiça social não há salvação'
Um determinado grupo de pessoas que se denominam "espíritas à esquerda" tem procurado, já há um tempo, promover algumas ideias e campanhas que, no entanto, são no mínimo duvidosas, do ponto de vista doutrinário, de acordo com a codificação do Espiritismo. Uma dessas ideias é estampar um novo slogan, representando o que sugere ser a principal reivindicação desse grupo: "Fora da justiça social não há salvação", uma paráfrase do lema kardecista: Fora da caridade não há salvação. Acerca dessa "diferença", conversamos com o nosso confrade espírita, Louis Neilmoris, conforme o diálogo a seguir, que pensamos ser de interesse geral.
Existe alguma diferença fundamental entre o lema espírita 'Fora da caridade não há salvação' e esse slogan 'Fora da justiça social não há salvação', desse grupo de ativistas políticos que se denominam espíritas?
Louis Neilmoris — Existe sim, e uma diferença negativamente bastante comprometedora, o que demonstra a desconexão essencial entre tal reivindicação e os autênticos propósitos do Espiritismo, revelando, desse modo, ou uma ignorância da parte desses ativistas (a melhor das hipóteses) ou uma perversidade mesmo.
Qual é a diferença e que comprometimento é esse?
LN — Ora, conforme foi desenvolvido por Allan Kardec, a caridade — digo, a verdadeira caridade — é a chave para todos os problemas, inclusive as ditas "injustiças sociais", porque quando os homens estiverem investidos do espírito caridoso eles serão solidários e, portanto, não haverá mais injustiças. Notemos que, quando se fala em "justiça social", está se falando basicamente em problemas econômicos (riqueza de uns, pobreza de outros), uma vez que no fundo de todas as desavenças humanas está o espírito do egoísmo e do orgulho, que se apoiam normalmente nos valores materiais; o erro aí consiste em supor e em vender a ideia de que a solução dos problemas econômicos resolva todos os problemas humanos. O pior é que muita gente crê nisso. Em Espiritismo, porém, sabemos que o verdadeiro problema não é financeiro, mas moral; por conseguinte, a solução jamais será pela riqueza material, mas sim pelo aperfeiçoamento do caráter. Enfim, mais uma vez a doutrina kardecista demonstra sua excelsitude ao promover a caridade — a verdadeira caridade, eu insisto.
Já que falou em "verdadeira caridade", poderia defini-la, a título de melhor entendimento da questão?
LN — Com prazer! Pelo senso comum, estabeleceu-se que caridade diz respeito à prática da esmola, ou, com a melhor das intenções, na assistência material. No entanto, no jargão espírita, caridade é o exercício de tudo o que há de mais nobre e sábio; é o amor em ação. É, pois, mais do que o amor, porque o amor é apenas um sentimento, que pode permanecer inerte, enquanto a caridade exige a ação do amor. Pode-se ter comiseração por alguém que sofre, e isso é uma espécie de amor; todavia, isso não implica que algo mais útil será feito pelo sofredor, e por isso a necessidade da caridade, um ato concreto dessa comiseração.
Mas, a justiça social não é um ato de caridade?
LN — Sim, mas somente se essa justiça social for efetivada pelo espírito caridoso. Em suma, quando dizemos que a caridade é a salvação de tudo, incluímos nisso a resolução dos problemas sociais; o contrário, porém, não é verdadeiro, porque um povo pode ser abastado de tudo, materialmente falando, e ainda assim ser muito infeliz. Aliás, isso é muito comum: a fortuna não raro leva à devassidão, à depravação moral; em outros casos, leva ao tédio e ao desgosto pela vida, donde muitas vezes vem a ideia do suicídio. Tomemos um exemplo prático: torne rico, da noite para o dia, uma pessoa pobre, e vejo a diferença de quando se trata de alguém com atraso espiritual e de outro que seja espiritualmente avançado: a primeira, certamente, usará de sua nova condição para esbanjar dos gozos materiais, e provavelmente se afastará de Deus e dos seus compromissos espirituais; a segunda, aproveitará melhor seu tempo e suas posses para o bem comum. Disso resulta que, antes mesmo de promovermos o bem-estar material, convém semearmos a espiritualização, e com isso, tudo mais de bom virá naturalmente e com consistência.
Então não devemos promover a justiça social?
LN — Devemos, claro! Porém, não como prioridade; primeiro, preparemo-nos intelectual e moralmente, para então sabermos fazer bom uso da riqueza, do bem-estar ou quaisquer outros recursos de que dispusermos. Quanto a isso, sigamos as lições da magnífica obra O Evangelho segundo o Espiritismo, especialmente no seu capítulo XVI: 'Não podemos servir a Deus e a Mamon'; nela, o codificador espírita ressalta a ineficiência de creditar à "salvação financeira" a solução das desigualdades da Terra, o que é, a propósito, uma utopia, posto que, num mundo de expiações e de provas como é o caso do nosso orbe, riqueza e pobreza são instrumentos necessários para o burilamento dos Espíritos aqui reencarnantes. Isso quer dizer que a incidência das desigualdades sociais não é um defeito da Criação; tudo faz parte do laboratório evolutivo. O mau não está nas condições do mundo em que vivemos, mas sim na imperfeição das pessoas. Nosso codificador até faz uma cogitação pertinente a isso: imaginemos que num passe de mágica fosse feita uma reforma social que dividisse toda a riqueza do mundo em partes iguais entre todos os terráqueos; o que viria a seguir seria o caos, porque nem todos estão prontos para administrar tais bens, e logo a ruína financeira viria sobre todos. Permita-me abusar da ênfase: o problema não é financeiro; é moral.
Então é preciso que haja pobres e ricos?
LN — Evidentemente que sim, para o equilíbrio das forças do progresso num mundo de expiações e de provas. Os recursos às vezes precisam ser concentrados nas mãos de alguns a fim de alavancar o desenvolvimento, porque certas pessoas são mais proativas que outras e, enquanto uns investem, outros acabam se beneficiando desses investimentos, porque carecem de gente que vá à frente dos empreendimentos. De fato, há abusos da parte de uns, mas tudo vai se ajeitando com o desenrolar das coisas e, principalmente devido a um critério magnífico dentro do plano divino: a Lei de Reencarnação; desse modo, todos experimentam ora a miséria, ora a opulência; ora sendo patrão, ora sendo empregado. Quem recebeu deve aprender a ser nobre e a usar seus bens; quem não recebeu ou recebeu pouco deve aprender a ser humilde e a conquistar. Não obstante, que esteja bem entendido que essa diversidade de condições sociais se aplica a mundos ainda inferiores, como o nosso planeta, dado que nas esferas elevadas as necessidades materiais são mínimas, ou praticamente nenhuma. e que neles só habitam Espíritos destituídos de ambições e de orgulho.
Porém, visto que a Terra há de ser promovida a mundo regenerador, deixando de ser um lugar de expiação, não é certo fazermos esforços para promover aqui a justiça social?
LN — Não resta dúvidas de que sim; contudo, uma vez mais, não será a distribuição dos bens materiais que elevará este mundo a tal promoção; é o espírito da caridade que o fará. A ignorância dessa gente com relação aos propósitos do Espiritismo faz com que se levantem seitas desse gênero.
Você de ignorância e de perversidade dessa gente. Poderia detalhar sobre esta última afirmação?
LN — Sem objeções. A perversidade está, primeiro, em usar o Espiritismo (uma doutrina santa, como dizia Kardec) como pretexto para defender o verdadeiro propósito desses ativistas, que é a campanha político-partidária — e aqui não importa qual partido seja, desde que podemos ver a incompatibilidade de interesses desse partido com os interesses da espiritualidade, como é flagrante. É perverso da parte deles se valer da insígnia espírita para intentar insuflar a discórdia entre os confrades e minar o próprio Espiritismo. Ademais, é assaz perverso defender toda essa demagogia política, filha da hipocrisia. E nós sabemos o quando o nosso Mestre Jesus era avesso aos hipócritas. Infelizmente, a nossa Política (que também é coisa santa) está contaminada de lobos vestidos de pele de ovelha, seduzindo e arrebanhando os menos esclarecidos! E isso de forma generalizada; não é exclusividade de nenhum partido.
Na sua opinião, o melhor para os espíritas é então se afastar da política?
LN — Absolutamente não; é justamente pela abstenção dos mais justos que enseja a presença dos perversos! Política se faz com gente, e é preciso que a boa gente ocupe espaços para elevar o nível político. O problema, pois, é o modo de como politicar: devemos levar as virtudes espirituais para influenciar positivamente a política, e não usar moldar os valores morais para os ajustarem aos interesses partidários. Estabeleça os valores antes de escolher sua legenda política e não abra mão deles: uma vez que compreendemos o valor da vida, por exemplo, não podemos aceitar abusos como o aborto e a eutanásia (agenda comum da chamada ala esquerdista) nem a pena de morte (proposição que é tradicionalmente ligada à dita ala direitista, conservadora). E que o espírita saiba e tenha coragem de dar seu testemunho verdadeiramente espírita ao se negar a aceitar tais abusos.
As proposições desse grupo, com relação à justiça social, parecem boas?
LN — A julgar pelo modelo assistencialista, não! A codificação kardequiana define bem como e quando a beneficência deve ser aplicada, e ela não é assistencialista; ela admite sim a assistência material, mas numa situação emergencial e circunstancial, sempre visando o reerguimento da pessoa para lhe consagrar a dignidade. Ora, o assistencialismo não acaba com a pobreza; ele subsidia a pobreza e ainda quase sempre perverte o caráter! O que acaba com a pobreza é a geração de renda através do trabalho e da produção; sobre isso, disse o filósofo Fénelon: "Deem a esmola quando isso for necessário, mas, tanto quanto possível, convertam-na em salário, a fim de que aquele que a receba não se envergonhe dela." (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVI, item 13) Para nosso infortúnio, o assistencialismo é uma praga de qual os governantes de nossa geração, em geral, não estão nem um pouco dispostos a se livrar, visto que eles são os que se beneficiam dela. A hipócritas como essa gente, até mesmo o sempre elegante filósofo Léon Denis tratou como "odientos", em seu livro Socialismo e Espiritismo. Já no que tange aos bons espíritas, estes serão conhecidos pela prática da caridade.
Que postura devemos adotar frente a esse grupo?
LN — Cuidemos dos que sinceramente querem se instruir mediante a nossa doutrina amada; quanto aos convencidos, que supõem estar "salvando a pátria", entreguemos sua sorte aos cuidados de Deus. Felizmente há pessoas com o coração aberto para receber o Espiritismo e é com elas que devemos gastar as nossas pérolas. Muitos os chamados, mas poucos os escolhidos; faz parte da nossa jornada!
Obrigado pela gentileza das respostas e fique à vontade para acrescentar algo.
LN — Disponham; é sempre um prazer. No mais, fiquemos com o nosso lema autêntico: Fora da Caridade não há salvação.
OBSERVAÇÃO:
Não temos qualquer filiação partidária, nem afeição por partido ou alinhamento político algum; nosso compromisso é com o Espiritismo.
Quanto a questão abordada nesta postagem, fazemos nossas as palavras do nosso confrade espírita Louis Neilmoris.
Sobre os livros referidos, os dois estão disponíveis gratuitamente na Sala de Leitura do Portal Luz Espírita.
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