Temas atuais em entrevista com o Presidente da FEB


Radicado em Brasília, Cesar Perri vem trabalhando para
serenar os desafios que afrontará para coordenar o Movimento Espírita Brasileiro


Antônio Cesar Perri de Carvalho (foto), atual presidente da Federação Espírita Brasileira, nasceu em Araçatuba (SP) e atualmente reside em Brasília (DF). Foi fundador de mocidade e de centro espírita, conselheiro e presidente da União Municipal Espírita de Araçatuba, diretor e presidente da USE   União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo, secretário geral do Conselho Federativo Nacional e membro da Comissão Executiva do Conselho Espírita Internacional (CEI).
Na entrevista que se segue, Cesar Perri fala à revista O Consolador sobre os desafios que enfrentará para coordenar o Movimento Espírita Brasileiro. Comenta ainda sobre obras mediúnicas polêmicas, eventos espíritas pagos, as obras de Emmanuel e André Luiz, 4º Congresso Espírita Brasileiro dentre outros temas. Dividida em duas partes, a conclusão desta entrevista será publicada na próxima edição desta revista.

Proliferam no mercado editorial e nos meios de comunicação, em especial a internet, obras ditas espíritas, de valor duvidoso, quando não atentatórias aos postulados doutrinários. Como a FEB, Casa-Máter do Espiritismo, encara essa realidade e como pretende atuar no bom combate?
A FEB vive um problema, digamos, muito complexo, pois há obras bastante duvidosas e muito divulgadas no meio espírita. Se de um lado a FEB apontar os deslizes doutrinários, vão dizer que a instituição vai passar ideias do Index Librorum Prohibitorum. Até mesmo na internet surgem informações afirmando que a FEB fez essa proibição, o que não é verdade. Então, o procedimento que adotamos é o seguinte: evitamos, como instituição, fazer críticas a qualquer obra, mas sugerimos a leitura das boas obras já consagradas, razão pela qual estamos difundindo cada vez mais a necessidade da leitura das obras de Kardec. Recentemente, foi aprovada a inserção de uma antiga campanha da USE “Comece pelo Começo”, ou seja, comece pelas obras de Kardec. Nós vamos introduzi-la também dentro da FEB, junto a vários cursos, inclusive o ESDE. Optamos por esse caminho para fazer a divulgação da Doutrina Espírita.

Nos Estados mais pobres da Federação, muitas casas espíritas refletem a carência material e estão à margem dos conteúdos veiculados pela internet. A inclusão digital apresenta-se como meio propício para que os conteúdos das obras básicas, obras complementares, a par dos demais conteúdos veiculados pela internet, cheguem aos irmãos vinculados a essas casas, com evidentes benefícios. Compreende-se que o equacionamento passa pelos recursos monetários para a aquisição de equipamentos informáticos e acesso à internet, a par do necessário treinamento. Como a FEB poderia auxiliar esses Centros Espíritas nessa direção?
Dentro da ideia da inclusão digital, a FEB criou o curso à distância. Já mantemos há dois anos dois cursos à distância. Um sobre “Orientação e funcionamento do centro espírita”, e o outro sobre o “Movimento Espírita”. E temos um terceiro, que é a preparação do tutor para ministrar um curso, porque não queremos um curso centralizado só com a equipe da FEB. Presentemente, com esses cursos, usamos tutores de várias regiões do país e que somam esforços. Este ano nós vamos soltar mais cursos pela FEB. Essa é uma vertente. Na outra, que vai depender de equipamentos, alguns colaboradores do trabalho espírita podem ajudar na distribuição de DVD’s contendo vídeo-aulas, e ainda a modalidade de conversa à distância, através de videoconferência.
Recentemente, estabelecemos um diálogo muito interessante: daqui das instalações da FEB conversamos com uma cidade do interior do Piauí. Um líder espírita do local teve a iniciativa de utilizar o computador com webcam e reunir todos os dirigentes espíritas da cidade e, em torno de uma mesa, eles conversaram comigo, trocaram ideias e foi muito interessante. Portanto, é uma experiência que está se iniciando. 

Sobre seus ombros pesam enormes responsabilidades. O irmão pretende partilhar com a comunidade espírita, na forma de consultas, audiências ou outros canais de comunicação, com o intuito de colher subsídios para tratar de matérias e temas importantes para o Movimento Espírita, além, obviamente, dos canais e mecanismos formais já existentes? 
Sim, nós temos ampliado esse ideal. Começamos a disponibilizar certos assuntos que eram decididos, por exemplo, só no âmbito da reunião do Conselho Federativo Nacional. Hoje mesmo colocamos assuntos a decidir pela internet para dirigentes de várias regiões, pedindo opinião para analisar, juntar e chegar a uma visão melhor e mais participativa em torno de um assunto dentro do Movimento Espírita. Estamos inicialmente ouvindo as 27 federações estaduais, mas nós queremos aumentar esse vínculo, da seguinte forma: antigamente, o Conselho Federativo Nacional tinha seis coordenadores de áreas. Nós replicamos isso nas regiões. Há quatro regiões do Brasil, e nós montamos seis comissões em nível regional para chegar mais perto da base, mais perto das unidades, de uma maneira que a decisão de um coordenador de área não será mais uma decisão individual, pois ele tem que ouvir os coordenadores das outras regiões do país. Isso nós já começamos a implementar, desde o final de 2012 ao início deste ano, e começamos também a estimular uma integração maior com as entidades especializadas. 

Um dos eixos da Doutrina é a ciência. Como a FEB está tratando esta questão junto à Academia e a outras fontes de conhecimento da atualidade? 
Veja, a FEB, por si só, sendo uma organização religiosa, e mesmo tendo nos seus quadros pessoas com formação acadêmica, eu entendo que não seria o caso de ela tomar posições de natureza científica, divergindo dos seus objetivos. Então qual é o caminho? Estamos fazendo parcerias com entidades especializadas. 

Com o crescente surgimento dessas entidades especializadas (Associação de Magistrados Espíritas, Associação Médico-Espírita do Brasil, Associação de Psicólogos Espíritas, Cruzada dos Militares Espíritas etc.), como deve se posicionar a FEB, considerando o aspecto restritivo e até elitista dessas entidades? Aceitar, entendendo que é um fenômeno passageiro, ou incentivar, acreditando que se trata de um evento positivo? 
Nem a FEB e nem o Conselho Federativo Nacional estimulam a formação de entidades especializadas. No início, essas instituições estavam sendo convidadas para integrar o CFN, porém, chegou-se à conclusão de que não era o caminho adequado, porque temos 27 estados e, de repente, essas instituições podem aumentar muito e comprometeriam a natureza e o objetivo do CFN. Mas começamos a discutir o tema. Há um projeto para criação do Conselho Nacional de Entidades Especializadas, com a finalidade de tratar determinados temas que um centro espírita ou as instituições federativas não teriam condições para discutir. A exemplo das questões jurídicas, que interessam ao Movimento Espírita, assuntos da área médica, ou mesmo na interface da própria psicologia. Então seriam tratadas nesse nível, e trazidas como uma cooperação e apoio ao Movimento Espírita. O que nós estamos pretendendo? De certa forma, viabilizar um objetivo conjunto a essas instituições, para elas assessorarem no que for possível. Já tivemos uma experiência interessante. O problema da descriminalização do aborto no Brasil, em que houve um momento extremamente delicado no ano de 2005. O que a FEB fez? Elaborou um documento doutrinário e distribuiu para todo o meio espírita, a título de esclarecimento. Todavia, não podemos apresentar esse documento aos Ministros do STF ou do STJ, ou aos parlamentares. Na época, houve uma reunião com a Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas e com a Associação Brasileira dos Médicos Espíritas e ambas fizeram um documento cientifico – um à luz da ciência jurídica e outro à luz da ciência médica – e apresentamos esses documentos. Os apontamentos foram bem aceitos e eles colaboraram para que o aborto não viesse a ser aprovado naquele momento no Brasil. Então, nós estamos vivendo algumas experiências assim nessa interface, sem estimular elitismos, que jamais seria nosso propósito, e nem estimular a criação de um clã; entretanto, aproveitar, talvez em conjunto com espíritas que têm determinada formação para trazer subsídios ao Movimento Espírita. É esse o foco. 

Diante da clara divisão que existe no Movimento Espírita, muitas vezes manifestada em posturas emocionalizadas e radicais, como a FEB deve conduzir clara e publicamente o tema Roustaing? Que iniciativas faltam para apaziguar ânimos? 
Nós já vivemos momentos bastante delicados no Movimento Espírita, que eu acompanhei muito de perto. Sobrevieram momentos muito complicados em algumas gestões Houve nessa interconexão um período em que o presidente Thiesen decidiu junto com o CFN que, conforme estabelece o Pacto Áureo, a base dos trabalhos federativos é a obra de Allan Kardec, e isso tem sido seguido até hoje. Nessas condições, fica muito claro que o CFN em termos de movimento nacional trabalha com a obra de Allan Kardec. De modo óbvio, respeitamos perfeitamente e convivemos com pessoas que gostam e estudam a obra de Roustaing mas não usamos isso como ponto de atrito ou desunião; procuramos buscar hoje o ponto de convergência, e esse eixo de estabilização do Movimento Espírita é a obra de Kardec. 

As obras de Roustaing continuam sendo republicadas? 
A obra de Roustaing consta do catálogo da FEB,e não há sua divulgação, por  exemplo, nas páginas da Revista Reformador e essa foi uma decisão adotada em gestões anteriores, mas respeitamos aqueles que pensam ou que adotam as obras de Roustaing. 

Numa sociedade mercadológica/mercantil em que eventos espíritas pagos em geral se apresentam em números cada vez maiores, qual deve ser a postura da FEB? 
Nós estamos ultimamente bastante preocupados com isso, inclusive resolvemos optar, por exemplo, que o 4º Congresso Espírita Brasileiro não seja realizado em Brasília, porque o custo da realização de um Congresso Brasileiro em Brasília é muito alto. Realizaremos quatro congressos simultâneos, e pela estimativa que temos, quatro eventos terão um dispêndio financeiro comparado a um só realizado em Brasília, então a questão aí é clara: temos que pensar na simplificação, excluir qualquer ostentação e aplicar os recursos ao mínimo necessário. Qual o cenário atual? Infelizmente, ainda não temos uma maneira adequada de angariar recursos ou forma de investimento de quem participa; porém, o que almejamos é minimizar os gastos. O procedimento que vamos adotar no 4º Congresso Espírita Brasileiro seguirá os moldes de uma experiência vivida em São Paulo, considerando os atuais congressos espíritas paulistas. O inscrito, quando paga a taxa de participação, está simultaneamente comprando um “vale-livros. Dessa forma, com o valor do vale, ele vai retirar na livraria do Congresso aquele valor em livros. Então, aí vai ficar por conta das editoras trabalhar também com um custo baixo para que as pessoas se beneficiem com o Congresso e com a obra, levando ainda um livro ou mais de um livro. 

Com o advento dos tablet`s, PDA`s, leitores digitais e o grandioso espaço que a internet propicia – vislumbrando um futuro próximo em que as novas gerações deixarão o papel de lado, não seria oportuno a FEB estabelecer um programa permanente de disponibilização de novos livros e obras espíritas para download, a preços módicos, em seu site, instituindo inclusive uma nova fonte de renda? 
Começamos agora, no segundo semestre de 2012, a disponibilizar para download livre, na internet, as antigas apostilas da FEB e as obras da Codificação. O que está sendo estudado pela editora FEB hoje é disponibilizar para download, por um preço acessível e com um selo de garantia da FEB, os demais livros. O que está ocorrendo? Há uma constatação de que quase todos os livros espíritas que estão disponíveis na internet para downloads não são autorizados. Já verificamos inclusive livros da FEB disponíveis para download com várias incorreções. São incompletos, com parágrafos e capítulos suprimidos, ou seja, a pessoa que acessa essas obras está sujeita a ser enganada; então o único caminho hoje, e não adianta a gente ficar brigando, é disponibilizá-los para download com o preço acessível e com o selo febiano de garantia. 

Temos obras espíritas incompletas e antigas sem revisão na rede mundial e, ainda, considerando as centenas de sites que liberam inúmeras obras espíritas para download gratuito, a FEB (respeitando a lei de direitos autorais), em relação às suas publicações, não poderia disponibilizar os mesmo títulos em seu site de maneira segura? 
Eu acho que esse é o caminho do futuro, porque nós estamos trabalhando também com os e-books. Já começamos, é tanto que a FEB já tem alguns disponíveis, como também o Conselho Espírita Internacional. E em algum momento eles estão disponibilizados no site Amazon, quer dizer, sediados nos EUA, mas nós estamos trabalhando a ideia de aumentar isso e disponibilizar aqui no Brasil, inclusive é um fato bastante interessante, porque no caso do Amazon, uma pessoa adquire um livro da FEB e do CEI, na Europa ou nos EUA, pelo mesmo preço do livro que seria editado aqui no Brasil, pelo mesmo preço. 

Será que livros gratuitos na internet gerariam impacto financeiro, em se tratando de uma prática comum atualmente? Será que os livros virtuais não dariam maior visibilidade ao portal da FEB, ou seja, não tornaria o site uma robusta ferramenta de divulgação da Nova Luz para o mundo? 
Considerando os livros virtuais, bem como as assinaturas de revistas – a FEB já tem a assinatura digital do Reformador, então a pessoa pode fazer a opção entre assinatura digital e assinatura digital e impressa. No caso dos livros, é o caminho do futuro, e pelas tendências que a gente tem escutado de mercado, isso não inviabiliza a impressão. Termos um livro, por exemplo, para ser lido ou acessado em algum momento pelo tablet. Fica às vezes muito complicado você ter esse livro inteiro, disponível o tempo todo para você, e fica caro se você fizer impressão caseira. É muito comum as pessoas utilizarem o recurso de pesquisa do livro digital para consulta rápida, mas ela quer muitas vezes saborear o livro impresso também, por isso creio que é um mercado novo no Brasil (nos EUA é muito desenvolvido o aspecto do livro digital). Entendo que a vida virtual é o presente e o futuro, e que nós temos que passar por uma transição. (Continua na próxima edição desta revista.) 

JORGE HESSEN
jorgehessen@gmail.com
Brasília, Distrito Federal (Brasil)

Fonte: O Consolador

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