sábado, 25 de novembro de 2023

"A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem..." - Os enigmas da origem da alma e das coisas

Nosso confrade Carlos Seth Bastos, o Sir CSI do Espiritismo, propôs um quiz em sua fanpage no facebook (Imagens e registros históricos do Espiritismo) a respeito de um tema doutrinário, dentre aqueles que causam os mais palpitantes debates — o que é bom para promover o estudo e a troca de ideias. Vejamos então a proposta da enquete:

Resposta do quiz de ontem (Quem PRIMEIRO disse "A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem."?): nenhuma das alternativas (h), embora o sufi Rumi (b) tenha expressado o mesmo conteúdo de outra forma.

Campos Vergal e Herculano Pires mencionaram a frase, embora supostamente com referências equivocadas. 

Curioso notar que no meio espírita, o primeiro a mencionar algo parecido foi Leymarie (f), e não Léon Denis (g).

Eis outras variações da frase, em contextos diferentes (panteísmo e evolução anímica): 

• Ibn Arabi (sufi) [1] disse entre 1165-1240: "Deus dorme na pedra, sonha na planta, se agita no animal e desperta no homem.", referindo-se ao panteísmo [2].

• Rumi (sufi) [3] disse entre 1207-1273: "(...) o homem começou do não-vivo, ele passou ao estado de vegetação (...). Então evoluiu da vegetação para o animal (...)" [4], referindo-se à evolução [5].

• Giordano Bruno falou em 1591 em "Tratado da Magia" de espíritos que habitam o corpo humano, as plantas, os animais, as pedras e os minerais [6].

• Michelet [7] falou em 1831: "‘O espírito divino’, diz Schelling [8], ‘dorme na pedra, sonha no animal, está acordado no homem.’", referindo-se ao panteísmo [9].

• Leymarie falou em 1876: "(...) e como disse um grande poeta alemão [sic]: ‘Um espírito que dorme na pedra, sonha no animal e desperta no homem.’", referindo-se à evolução [10].

• Léon Denis disse em 1905: "Na planta, a inteligência dorme; no animal, ela sonha; só no homem ela desperta (...).", referindo-se à evolução [11].

• Campos Vergal [12] disse em 1936: "(...) ensinamento hinduísta [sic] (...): ‘A alma dorme na pedra, sonha na planta, move-se no animal e desperta no homem.’", referindo-se à evolução [13].

• Herculano Pires [14] disse em 1978: "Léon Denis [sic] a definiu (...): ‘A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem.’", referindo-se à evolução [15].

Para outras informações a partir de 1857, inclusive as referências de Kardec, ver os artigos do colega pesquisador Paulo Neto [16-17].

Particularmente também não entendemos a jornada evolutiva do princípio inteligente começando no mineral, mas sim através dele.

Referências:

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Ibn_Arabi

[2] https://quotefancy.com/ibn-arabi-quotes 

[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Jalaladim_Maomé_Rumi

[4] Também encontrado em:

• "(...) Primeiro, foste mineral, depois, te tornaste planta, e mais tarde, animal. (...) Finalmente, foste feito homem (...)", referindo-se à evolução, conforme https://www.saindodamatrix.com.br/evolucao-forma.

• "Morri como mineral e tornei-me planta, morri como planta e cheguei à animalidade, morri como animal e me tornei homem (...).", referindo-se à evolução, conforme https://www.dar-al-masnavi.org/n-III-3901.html.

[5] https://www.thesufi.com/evolution-humans-words-rumi

[6] https://core.ac.uk/download/195785057.pdf

[7] https://pt.wikipedia.org/wiki/Jules_Michelet

[8] https://pt.wikipedia.org/.../Friedrich_Wilhelm_Joseph_von...

[9] https://books.google.com.br/books?id=mnJLAQAAMAAJ&pg=PA119

[10] https://www.retronews.fr/.../1-mars-1876/1829/3285669/8

[11] https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5681738t/f166.item [1908]

[12] http://www.feparana.com.br/topico/?topico=708

[13] https://files.comunidades.net/.../Reencarnacao_ou...

[14] http://www.feparana.com.br/topico/?topico=663

[15] https://files.comunidades.net/.../22__Mediunidade__Vida_e...

[16] http://www.paulosnetos.net/.../182-a-alma-dorme-no...

[17] https://sites.google.com/.../volume-9.../resumo-art-n-010201


Nossos comentários

A questão em voga trata, pois, da origem espiritual, ou seja, das individualidades: você, eu e todo mundo; tocando ainda em outros problemas filosóficos e religiosos ainda mais complexos, por exemplo, a Criação, a Providência Divina e a própria natureza de Deus — problemas esses que a Filosofia nunca pode sequer arranhar a superfície e que até mesmo a Doutrina Espírita não pôde solucionar, e por uma razão muito simples: estas coisas ainda não estão ao alcance do nosso entendimento atual. 

A "novidade" do Espiritismo — se assim podemos nos expressar — é a de que há a promessa dos Espíritos superiores de que um dia nós conheceremos a solução desses problemas: “Quando seu espírito não estiver mais obscurecido pela matéria e, por sua perfeição, estiver se aproximado de Deus, então ele o verá e o compreenderá.” (O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 11), questão semelhante à de número 18 da mesma obra: 

O homem penetrará algum dia o mistério das coisas que lhe estão ocultas?
“O véu se levanta para ele à medida que ele se purifica; mas, para compreender certas coisas, é preciso faculdades que ele ainda não tem."

E de que maneira essa "promessa espírita" pode ser considerada como novidade, já que há menções semelhantes a respeito desse enunciado? Ora, a máxima "Não há nada oculto que não seja revelado" não é tão antiga quanto à memória humana? E acaso não é bem conhecida a passagem bíblica do apóstolo Paulo: "Agora vemos obscuramente, como que por um espelho, em parte; mas então veremos face a face e conheceremos plenamente" (I Coríntios, 13:12)? Qual seria a "novidade" da revelação espírita? — resposta: Desde quando considerarmos que a "solução" doutrinária oferecida pelo Espiritismo é sempre racional, dentro de uma lógica, enquanto a tradição das religiões convencionais se fundamentam numa ideia de "verdade mística", que então permite uma ordem de coisas fora da ordem da nossa racionalidade; daí se admitir o milagre e o sobrenatural, no sentido de que Deus possa e costume "quebrar as próprias regras" — o que a nossa Doutrina Espírita rejeita peremptoriamente.

Mas a problemática é por demais profunda, tanto que grande parte dos filósofos é cética com relação a uma "solução racional", não por acaso muitos aderem ao ateísmo. Vamos colocar aqui um desses dédalos sobre o qual até o momento não cogitamos nenhuma saída:

É um princípio natural que Deus nunca esteve inativo, e ao mesmo tempo, nos é ensinado (também como um princípio elementar) que ele criou tudo; destarte, que fazia Deus antes do ponto inicial da criação?

O problema acima tange ao do entendimento do infinito e da eternidade, que foi explorado algumas vezes por Allan Kardec, e sempre sem sucesso para solver essa questão — novamente, em razão de nossa incapacidade intelectiva. Ora, logo depois de perguntar sobre Deus, o codificador indagou sobre o infinito, questões 2 e 3 de O Livro dos Espíritos, voltando ao mesmo tema esporadicamente, como na questão 37: "O Universo foi criado ou existe de toda a eternidade, como Deus?", que Kardec refaz mais na frente, na questão 21, com outras palavras:

A matéria existe desde toda a eternidade assim como Deus, ou ela foi criada por ele em algum momento?
“Só Deus o sabe. Entretanto, há uma coisa que a vossa razão deve indicar: é que Deus, modelo de amor e caridade, nunca esteve inativo. Por mais distante que vocês possam imaginar o início de ação dele, poderiam imaginá-lo um segundo na ociosidade?

Em suma, realmente não é possível sondar pela nossa razão tal problema. E pela resposta acima, até mesmo os mentores da codificação espírita se justificam reconhecendo que também não sabem ("Só Deus o sabe...").

É de se pensar, portanto, se as consciências realmente (nós, e todos os Espíritos) tiveram um princípio ou se somos todos eternos, porque não é fácil imaginarmos que tenha havido alguma "não existência" de algo de hoje existe. E faz bem nós espíritas reconhecermos que a codificação kardequiana não é o fim da revelação espírita, mas sim o começo; um passo gigantesco em comparação com o que a humanidade tinha antes do Espiritismo, mas um pequeno começo em comparação ao que ainda há de ser revelado.

Mas então, estamos com isso não aceitando ou mesmo negando o ensino da Doutrina Espírita que tem como princípio que todos nós fomos criados por Deus e que, portanto, tivemos sim um princípio? — Não! Não estamos rejeitando, estamos dizendo apenas que ainda não compreendemos a coisa, reconhecendo um problema teórico plausível. Mas, por outro lado, estamos certos de que há uma solução para a questão e que esta solução é alcançável, mediante nosso aperfeiçoamento espiritual.


Entre pedras, paus, carne etc.

Agora, especificamente falando da citação da enquete em voga, vamos lembrar algo bem parecido com a citação "A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem" dita por Allan Kardec, enquanto a tratar do modo de atuação dos Espíritos que cuidam dos fenômenos da natureza (grifo nosso):

“É assim que tudo serve e tudo se encaixa na natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou pelo átomo; admirável lei de harmonia da qual o Espírito limitado de vocês ainda não pode entender o conjunto.” (O Livro dos Espíritos - questão 540)

Sem nos esquecermos das nossas limitações (como dissemos acima), vamos tentar entender tanto quanto possível o sentido desse enunciado:

A oração em destaque nesta derradeira citação parece, pois, estabelecer uma ligação intrínseca entre o Espírito (a consciência, o indivíduo, cada um de nós) com a matéria (substância física); todavia, é preciso separar antes de tudo dois conceitos fundamentais dados em Espiritismo: as individualidades e o princípio gerador delas, separando as duas classes: espiritual e material.

Quer dizer, existe o princípio espiritual (a fonte geradora) e as individualidades (os Espíritos) que são formadas a partir dessa fonte; e, de forma análoga, há o princípio material (fonte geradora) e as individualidades (substâncias, objetos físicos...) formadas a partir da fonte material. E no nosso entender, essas duas classes não se confundem em sua essência, embora se completem, porque tudo o que é material precisa de uma força consciente (portanto, espiritual) para organizar sua estrutura, já que sem essa organização os elementos materiais ficam desordenados, tal como um monte de entulho. Por outro lado, o intelecto precisa se manifestar fisicamente para ser identificável e utilizável, senão vai ficar como uma série de ondas audíveis à deriva sem captação.

Ora, o Universo não é uma máquina que trabalhe no automático; tem sempre alguém consciente agindo para manter a força de gravidade, a órbita dos planetas e a agregação de cada molécula. Nisto vemos claramente a justeza destas palavras: "tudo se encaixa na natureza", sem que isso signifique que cada grão de areia ou caroço de feijão um dia vá se tornar um Espírito ou que um Espírito tenha sido exatamente um átomo. Doutra feita, o cuidado com a organização das coisas materiais (os fenômenos da natureza, portanto) nos parece nitidamente um bom exercício evolutivo para que os seres espirituais possam aprender a desenvolver o intelecto, a força de vontade, as sensações e, por fim, as emoções; nisso, a ligação entre o espiritual e o material fica bem justificada.

Mas, enfim, nos rendemos à evidência de que não sabemos praticamente nada; porém, animados com a promessa de que um dia tudo será esclarecido.

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