Como a ciência explica a experiência de presença sobrenatural


O site internacional de notícias acadêmicas The Conversation publicou neste mês uma matéria que tem sido bastante replicada em outros portais mundo afora (por exemplo, BBC, MSN, Exame etc.): traduzida com o título "Como a ciência explica a experiência de presença sobrenatural" do original em inglês "What science can tell us about the experience of unexplainable presence", da autoria do Dr. Ben Alderson-Day, professor de psicologia da Universidade de Durham, no Reino Unido, sob a supervisão editorial de Jo Adetunji.

Aqui, então, reproduzimos o texto e ao final oferecemos nossos comentários a respeito.


A reportagem do The Conversation


Como a ciência explica a experiência de presença sobrenatural

Você já teve a sensação assustadora de que havia uma presença no seu quarto, mesmo tendo a certeza de estar sozinho? Se a resposta for "sim", talvez você relute em admitir essa experiência. Ou talvez tenha sido algo tão profundo que você acabe compartilhando alegremente com os demais. Ou ainda  o que é mais provável  a experiência pode ter ficado entre esses dois extremos.

A menos que houvesse uma explicação para ajudar a processar o que você vivenciou, a maioria das pessoas tem dificuldade de entender o que aconteceu. Mas as pesquisas estão demonstrando que essa experiência etérea é algo que conseguimos entender, utilizando modelos científicos da mente, do corpo e da relação entre eles.

Um dos maiores estudos sobre o tema foi realizado em 1894. A entidade britânica chamada Sociedade de Pesquisas Psíquicas (SPR, na sigla em inglês) publicou naquele ano o seu Census of Hallucinations (“Censo das alucinações”, em tradução livre) — uma pesquisa que envolveu mais de 17 mil pessoas do Reino Unido, dos EUA e do continente europeu.

O objetivo do estudo foi saber com que frequência as pessoas recebem visitas aparentemente impossíveis anunciando a morte. A SPR concluiu que essas experiências eram comuns demais para que fossem obras do acaso — uma em cada 43 pessoas pesquisadas.

Entre os patronos da sociedade, estavam o ex-primeiro-ministro britânico William Gladstone e o poeta Alfred, Lord Tennyson.

Em 1886, a SPR publicou Phantasms of the Living (“Fantasmas dos Vivos”, em tradução livre) — uma coleção de 701 casos de telepatia, premonições e outros fenômenos incomuns.

Um exemplo relatado na obra foi o caso do reverendo P. H. Newman, de Devonport, em Plymouth (Inglaterra). Ele contou a história de uma viagem à Nova Zelândia, onde uma presença noturna o aconselhou a cancelar uma viagem de navio na manhã do dia seguinte. O reverendo ficou sabendo posteriormente que todos os passageiros daquela viagem morreram afogados.

Na época, as histórias de fantasmas eram criticadas por não serem científicas. O censo foi recebido com menos ceticismo, mas ainda sofreu viés de resposta (somente quem tivesse algo a dizer se preocuparia em responder à pesquisa).

Mas essas experiências estão presentes em lares de todo o mundo e a ciência contemporânea oferece algumas ideias para sua compreensão.

Não são sonhos tão doces

Muitos dos relatos coletados pela SPR parecem casos de hipnagogia — experiências alucinatórias que acontecem nos limites do sono.

Estudos sugeriram que diversas experiências religiosas registradas no século 19 tiveram origem na hipnagogia. As presenças têm relação particularmente forte com a paralisia do sono, que afeta cerca de 7% dos adultos pelo menos uma vez ao longo da vida.

Na paralisia do sono, nossos músculos ficam congelados como resquício do sono REM (movimento rápido dos olhos, na sigla em inglês), mas a nossa mente permanece ativa e acordada. Estudos demonstraram que mais de 50% das pessoas com paralisia do sono relatam terem encontrado alguma presença.

As presenças na era vitoriana, documentadas pela SPR, eram frequentemente benignas ou confortadoras. Mas os exemplos modernos de presenças causadas pela paralisia do sono costumam expressar perversidade.

Sociedades de todo o mundo têm suas histórias sobre presenças noturnas. Exemplos vão desde o Fradinho da Mão Furada, em Portugal, que conseguia infiltrar-se nos sonhos das pessoas, até o Ogun Oru, do grupo étnico iorubá, na Nigéria. Acreditava-se que suas vítimas tivessem sido enfeitiçadas.

Mas por que uma experiência como a paralisia criaria uma sensação de presença?

Alguns pesquisadores concentraram-se nas características específicas de acordar nessa situação incomum. A maioria das pessoas considera a paralisia do sono uma experiência assustadora, mesmo sem alucinações.

Em 2007, os pesquisadores do sono J. Allen Cheyne e Todd Girard defenderam que, se acordássemos vulneráveis e paralisados, nosso instinto faria com que nos sentíssemos ameaçados e nossa mente preencheria as lacunas: se nós somos uma presa, deve haver um predador.

Outra abordagem é observar as características comuns entre as visitas durante a paralisia do sono e outros tipos de presença.

As pesquisas demonstraram, ao longo dos últimos 25 anos, que as presenças não são apenas frequentes no cenário hipnagógico. Elas também foram relatadas em casos de mal de Parkinson, psicose, experiências de quase-morte e luto.

Estas conclusões indicam que é improvável que se trate de um fenômeno específico do sono.



Conexão mente-corpo

Sabemos, por meio de estudos de caso neurológicos e experimentos com estímulos cerebrais, que as presenças podem ser provocadas por indicações do corpo.

Em 2006, por exemplo, o neurologista Shahar Arzy e seus colegas conseguiram criar um “vulto” que foi percebido por uma mulher cujo cérebro foi eletricamente estimulado na junção temporoparietal esquerda (JTP). O vulto pareceu espelhar a posição do corpo da mulher — e a JTP combina informações sobre os nossos sentidos e os nossos corpos.

Diversos experimentos também demonstraram, em 2014, que desfazer as expectativas sensoriais das pessoas parece induzir uma sensação de presença em pessoas saudáveis.

O procedimento usado pelos pesquisadores ludibriou as pessoas para que sentissem como se estivessem tocando nas suas próprias costas, sincronizando seus movimentos com um robô diretamente atrás delas.

O nosso cérebro percebe a sincronização, deduzindo que estamos produzindo aquela sensação. E, quando a sincronização é interrompida (fazendo o toque do robô ficar levemente fora de sincronia), as pessoas podem subitamente sentir que outra pessoa está presente: um fantasma na máquina.

Mudar as expectativas sensoriais da situação induz algo similar a uma alucinação.

Esta lógica também pode ser aplicada a situações como a paralisia do sono. Todas as nossas informações habituais sobre o nosso corpo e os nossos sentidos se desestabilizam neste contexto, de forma que a sensação de que existe “outra pessoa” ali conosco não chega a ser surpreendente.

Podemos sentir como se fosse outra presença, mas, na verdade, somos nós.

Na minha pesquisa, em 2022, tentei rastrear as similaridades entre as presenças verificadas em casos clínicos, práticas espirituais e esportes de resistência – todos conhecidos por produzirem uma série de fenômenos alucinatórios, incluindo presenças.

Em todas essas situações, muitos aspectos da sensação de presença foram bastante parecidos. O paciente sentia, por exemplo, que a presença estava diretamente atrás dele.

Os três grupos descreveram presenças relativas ao sono, mas também presenças causadas por fatores emocionais, como luto e perdas.

Apesar de ter se originado séculos atrás, a ciência da presença sentida, na verdade, está apenas começando. As pesquisas científicas podem vir a nos fornecer uma explicação abrangente ou poderemos precisar de diversas teorias para esclarecer todos esses casos de presença.

Mas os encontros descritos no livro Fantasmas dos Vivos não são ecos de uma era passada. Se você ainda não teve essa experiência perturbadora, provavelmente conhece alguém que teve.


Ben Alderson-Day
Professor de psicologia da Universidade de Durham
Reino Unido.


Nossos comentários

Quando se fala em "ciência", no contexto moderno, estamos basicamente falando da tradição acadêmica, o conjunto de conceitos e práticas admitido pela generalidade da comunidade acadêmica, considerando que entre os cientistas há bastante controvérsias. Pois bem, nos tempos modernos essa comunidade têm tendido à negação de tudo o que escapa do alcance dos instrumentos de pesquisa e da lógica humana — como se a razão humana fosse a medida de todas as coisas.

Portanto, a ciência não é uma entidade real, mas uma convenção de pessoas, pessoas comuns, falíveis e passíveis de imperfeições morais, como qualquer um de nós. É por isso que Allan Kardec — conquanto sempre respeitasse as academias (inclusive porque ele próprio era um homem das ciências) — não condicionou o Espiritismo à aprovação dessa comunidade, dizendo ele (grifo nosso):
"As ciências comuns se fundamentam nas propriedades da matéria que se pode experimentar e manipular ao seu gosto; os fenômenos espíritas se repousam sobre a ação de inteligências que têm sua vontade própria e nos provam a cada instante que elas não estão subordinadas ao nosso capricho. Portanto, as observações não podem ser feitas da mesma forma; elas requerem condições especiais e outro ponto de partida; querer submetê-las aos processos comuns de investigação é estabelecer analogias que não existem. A ciência propriamente dita, como ciência, é então incompetente para se pronunciar na questão do espiritismo: ela não tem que se ocupar com isso, e qualquer que seja o seu julgamento — favorável ou não — não poderá ter nenhum peso. O espiritismo é o resultado de uma convicção pessoal que os sábios podem ter como indivíduos, independentemente de sua qualidade de sábios; mas querer deferir a questão à ciência equivaleria a condicionar a existência da alma pela decisão de uma assembleia de físicos ou de astrônomos; efetivamente, o espiritismo fundamenta-se inteiramente na existência da alma e no seu estado após a morte; ora, é absolutamente ilógico pensar que um homem deva ser grande psicólogo por ser um ilustre matemático ou um notável anatomista."
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - 'Introdução', item VII
A tendência ao ceticismo estabelece um preconceito instintivo nos cientistas, uma repulsa antecipada que lhes impede cogitar na possibilidade da ação espiritual nos fenômenos da nossa vida material — ideia fartamente demonstrada na obra kardequiana — enquanto, na elaboração de suas mais excêntricas teorias, eles admitem as mais fantásticas possibilidades, porque, para efetivar uma descoberta o estudioso tem que partir de uma crença, uma ideia positiva que lhe indique que algo seja possível, para daí se lançar aos experimentos. O anatomista Luigi Galvani (1737-1798), por exemplo, precisou ter a mente bem aberta para extrair de um fenômeno muito trivial (a "dança da rãs", como Allan Kardec parodiou, tomando por comparação as manifestações das "danças das mesas") uma descoberta extraordinária: a eletricidade na condução nervosa e na contração muscular. Porém, se para um pesquisar, uma premissa tal é absolutamente inaceitável (a existência do Espírito e a capacidade de ele interagir com o mundo material), então as possíveis verdades contidas nisso permanecerão veladas.


Felizmente, há vários centros de pesquisas científicas sérios, com o mínimo de amor à ciência (no sentido de conhecimento, tal como era seu conceito na época de Kardec) que não descartam a fenomenologia espiritual, e muitos deles têm obtido resultados deveras importantes que sinalizam positivamente para os conceitos espíritas. Nessa trilha, figuram nomes respeitados como Ian Stevenson, Elisabeth Kübler-Ross, Jim B. Tucker etc., com seus apurados acerca da imortalidade da alma e reencarnação.

Mas, infelizmente, parece-nos que o que mais deixa de incentivar os homens das academias ao estudo sério da espiritualidade é a falta de retorno material mesmo, porque, afinal, o que se ganha — financeiramente falando — com tais resultados? Se ao menos se pudesse desenvolver e comercializar pílulas de evolução espiritual...! O que impera no nosso tempo é o orgulho, a vaidade e a ganância material. Esta a sentença do Espírito Lázaro, em O Evangelho segundo o Espiritismo:
"Assim, cada época é marcada com a espécie da virtude ou do vício que a tem de salvar ou perder. A virtude da sua geração é a atividade intelectual; seu vício é a indiferença moral." (Lázaro, Paris, 1863)
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec
Cap. IX, item 8
No caso da pesquisa apresentada nesta matéria, a "explicação" para a sensação de uma presença estranha é muitíssimo fraca: o Dr. Ben Alderson-Day atribui tudo a alucinações, naturalmente criadas pelo próprio corpo humano ou por induções intencionais externas (como no experimento do tal robô, por exemplo) através de estimuladores elétrico acoplados ao cérebro do paciente-experimentador, que então é ludibriado por falso toque. Chega a ser ridículo uma proposição dessas. Isso não é ciência; é retórica. Uma "explicação científica" deve solucionar todos os problemas da questão em pauta. Desta forma, conquanto haja inúmeros casos de ilusão, alucinação e falsa sensação, como explicar certos fenômenos que se desdobram em grandes achados reais aos quais o "paciente" não teria como saber? Que dizer do testemunho de tantas pessoas que sentem a presença de um ente espiritual querido a lhe indicar informações fora do alcance sensível da pessoa encarnada e mais tarde confirmadas? Tais eventos não se reproduzem ao infinito em toda parte do mundo?

Que tipo de alucinação é essa que faz um semianalfabeto escrever ensaios de alto teor científico? Que faz um inexperiente compor poesias ricas em rima e métrica clássica? Que faz crianças discursarem em línguas desconhecidas delas? Que dá prognóstico precisos de enfermidades que desafiam o alcance dos mais sofisticados aparelhos da medicina moderna? Todos esses fenômenos não são bem comuns hoje em dia?

A ciência deve se desenvolver também compreendendo os apelos da Filosofia da Ciência, observando as implicações ético-morais de suas contribuições, com o compromisso de servir ao bem-comum e não fomentar o elitismo e separatismo entre os que podem e os que não podem pagar pelos produtos resultantes do conhecimento. Para tanto, faz-se mister que os homens se espiritualizem e se plenifiquem de virtudes. E por isso estamos aqui propagando a doutrina que tem o que oferecer nessa direção, é por isso que fazemos apologia ao Espiritismo.

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