A clássica Santa Ceia cristã e o banquete pagão da cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris 2024

A abertura dos Jogos Olímpicos de 2024 foi apresentada publicamente na última sexta-feira na capital francesa, cidade sede desta edição do maior evento esportivo do mundo. Em meio à cerimônia, uma encenação roubou a cena e se tornou o foco maior dos comentários a respeito da festa: a representação de um banquete dos deusessupostamente para celebrar os famosos valores que inspiraram a Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade; a cena reuniu dançarinos e drag queens numa pose alegadamente imitando a célebre pintura, O festim dos deuses, estando em evidência Dionísio, o deus grego do vinho e da festança (Baco, para a mitologia romana). A questão é que as poses fizeram lembrar muito mais o quadro da Última Ceia de Jesus e seus apóstolos, conhecida também como Santa Ceia, genialmente pintada por Leonardo da Vinci; religiosos interpretaram a encenação como uma paródia satírica contra o Cristianismo e protestaram mundo afora; o diretor cerimonialista dos jogos de Paris negou tal intenção e os organizadores dos jogos pediram desculpas pela confusão. Mas então, fica a indagação: entre a real intenção, o bom senso e a confusão, que rumos a sociedade moderna quer mesmo tomar com relação ao respeito às religiões?


A polêmica da abertura

Segundo Thomas Jolly, cerimonialista e diretor criativo da abertura oficial dos jogos Olímpicos de Paris de 2024, a polêmica encenação confundida com a Santa Ceia foi inspirada nos festanças típicas da mitologia grega, onde se celebrava a diversidade e a liberdade: A ideia era fazer uma grande festa pagã ligada aos deuses do Olimpo” — declarou Jolly, completando: Eu queria uma cerimônia que unisse as pessoas, que as reconciliasse, mas também uma cerimônia que afirmasse nossos valores de liberdade, igualdade e fraternidade.” Jolly também defende que achou que suas intenções estavam claras. Dionísio aparece nessa mesa. Ele está presente porque é o deus da festa, do vinho, e pai de Sequana, deusa relacionada ao rio Sena.

Dito isso, os especialistas” em redes sociais, defendendo a encenação dirigida por Jolly, começaram a divulgar que se tratava, primeiramente, do quadro iniciado pelo italiano Giovanni Bellini e concluído por Ticiano (1514); depois, mencionaram o quadro do holandês Jan Van Bijlert. Então, okay! Tudo parecia bem!


Recorte da pintura A Festa dos Deuses, de Giovanni Bellini (1514)

Na encenação, porém, para muitos, lembrou muito mais a Última Ceia, tendo em destaque um grupo de travestis nas poses originalmente figuradas por Jesus e seus apóstolos, conforme a interpretação artística de Leonardo da Vinci, que celebrizou a cena histórica num afresco do Convento de Santa Maria delle Grazie, em Milão, Itália, concluído em 1498.

Encenação durante a abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, 2024


A Última Ceia, afresco de Leonardo da Vinci, 1498

Entidades religiosas protestaram, endossadas pelos comentários dos cristãos nas redes sociais; por outro lado, muitas pessoas se manifestaram apoiando o caráter da “diversidade” da cerimônia e rebateram as queixas dos religiosos, repetindo a justificativa da festança dos deuses mitológicos.

O Festim dos Deuses, do holandês Jan Van Bijlert, comparado com a encenação parisiense

Entretanto, a semelhança teria sido só uma “coincidência”, uma “confusão de ideias”, como alegou o Sr. Jolly?

Em todo o caso, o comitê olímpico se desculpou através de sua porta-voz, Anne Descamps, em um pronunciamento neste domingoClaramente nunca houve a intenção de mostrar desrespeito a nenhum grupo religioso. Se as pessoas se ofenderam, é claro que lamentamos muito, muito mesmo.

Em evidência, na mesma encenação parisiense, o deus Dionísio aparece seminu e todo pintado de azul, interpretado pelo cantor e ator francês Philippe Katerine, coreografando uma extravagância muito além das típicas extravagâncias atribuídas ao deus mitológico da libertinagem.

Celebrando o que mesmo?

Fora as verdadeiras intenções dos seus idealizadores, o bom senso diz que tal encenação foi estravagante demais. Afinal, o que se estava celebrando ali?

Liberdade ou libertinagem? Afinal, nem tudo é liberdade dentro da dita festa dos esportes mundial. Um exemplo claro: proibição expressa de qualquer manifestação religiosa. E, todavia, os deuses gregos estavam lá, e até onde se sabe, ainda que aplicado em figuras mitológicas, o elemento deuses nunca se desvincula do tema religião.

Igualdade ou camaradagem seletiva? Qual grau de diversidade ali representa a igualdade dos povos? Só mesmo a diversidade da turma de uns, que por sua vez exclui outros, porque é público e notório o critério restritivo do comitê olímpico a vários elementos culturais. Por que vale para uns e não para todos?

Fraternidade ou promiscuidade anárquica? Pressupomos uma fraternidade um ambiente harmônico, afável, bem-organizado e aconchegante para todos — todos mesmo! Nesse sentido, estaria o valor fraterno bem representado por um banquete que exalta a extravagância, a comilança, a beberrança, a orgia e tudo quanto inspira a luxúria?

Se era para fazer alusão à tradição grega, que originou os Jogos Olímpicos, o quadro encenado pegou o pior retrato histórico daquela tradição. Acaso se vê ali algo que nos remeta a Platão? Platão, que foi um expoente entre os filósofos e atletas da Grécia Antiga, caberia bem naquele banquete?

Representação da abertura dos Jogos Olímpicos da Antiguidade

Em suma, por ignorância, falta de inspiração ou por recurso subliminar intencionalmente preparado, a encenação parisiense revelou uma grotesca falta de bom senso da parte dos idealizadores da cerimônia do que é para ser a festa do desporto, nada em sintonia com os sublimes valores da liberdade, igualdade e fraternidade.

Ainda sobre os quadros

Vale frisar ainda que, ao contrário do que tudo mundo pensa e anda dizendo por aí — inclusive o Sr. Jolly e o comitê olímpico — o quadro de Bijlert não é desconectado da pintura de Da Vinci, segundo o escritor e historiador português João Paulo Oliveira e Costa; ele contextualiza que a pintura de Bijlert foi uma paródia afrontosa contra os católicos tomando como tema a pintura do colega italiano:

“Em 1635, Jan Harmensz van Bijlert, neerlandês calvinista estabelecido em Utrecht, que visitara Itália e se deixou influenciar por Caravaggio, resolveu também pintar o festim dos deuses, mas ao contrário do que faziam os seus colegas católicos de Antuérpia, resolveu repor o Festim em torno de uma mesa, ao modo da icónica Última Ceia.

Ou seja, a briga particular entre cristãos protestantes e católicos teria servido de inspiração para representar a “fraternidade” na cerimônia dos Jogos de Paris, assim resumida pelo citado pesquisador português:

O quadro de Bijlert não é a’ representação original do Festim dos deuses, que foi pintado em plena contra-reforma por católicos num outro enquadramento. O quadro de Bijlert, produzido em plena Guerra dos Trinta Anos, quando católicos e protestantes se enfrentavam cruelmente nos campos de batalha e disputavam sem quartel as questões teológicas nos púlpitos e nos livros, tem de ser entendido num enquadramento de afrontamento contra o mundo católico. Bijlert, que viajara por Itália, sabia o que estava a fazer. Os simpáticos organizadores dos Jogos talvez não soubessem esta pequena História que aqui vos alinhavei, mas a sua ignorância não os torna inocentes. Já os comentadores televisivos são de facto, na sua grande maioria, inocentes ignorantes.

João Paulo Oliveira e Costa

Ver a postagem de João Paulo Oliveira e Costa.

Rumos da modernidade

Paródias sarcásticas de símbolos e episódios clássicos do Cristianismo e de outras expressões religiosas tem sido cada vez mais recorrentes, com apoio da mídia, especialmente envolvendo a questão dos valores morais da sexualidade. É cada vez mais forte o ativismo dos apoiadores dos movimentos gays, lésbicas e afins para satirizar as igrejas e demais instituições religiosas, como forma de protesto em razão de as religiões tradicionais condenarem o homossexualismo e outras práticas semelhantes, com base na tradição dos seus respectivos livros sagrados, tal qual a Bíblia. Este direito à sátira contra os símbolos cristãos é reclamado pelos referidos ativistas como a mais sagrada liberdade de expressão.

No entanto, em flagrante contrassenso, os defensores desse tipo de liberdade de expressão” e da diversidade cultural” têm promovido uma autêntica inquisição contra a cultura religiosa, a título de “não permitir a intolerância” — isso porque em seu conceito, toda e qualquer religião é uma forma de “opressão”. No caso dos Jogos Olímpicos, nada diferente disso, como já sabemos: para esta edição, o comitê recrudesceu as normas e reforçou as proibições contra os símbolos religiosos.

Enfim, como grande parte das instituições modernas, o comitê olímpico — consciente ou não — é aderente ao movimento modernista que pretende excluir toda a cultura religiosa e proclamar os valores materialistas. o ideal deste movimento é banir tudo quanto possa fazer alusão à moralidade, porque para eles não existe uma moral, mas sim a moral individual de cada um, subjetiva e independente dos “ditames” externos. Isto é o chamado relativismo moderno, ou pós-moderno, como alguns dizem.

Como temos defendido, para a Doutrina Espírita fundamenta todos os seus princípios sobre o conceito de que há uma Lei Divina, eterna e perfeita. É bem verdade que as religiões não têm sabido interpretar corretamente essa Lei, mas também não é o caso de se condenar as religiões; é o caso de contribuirmos para que elas sejam sublimadas, pois, com todos os defeitos, elas cumprem algum papel útil; também as ciências, as filosofias e demais segmentos de nossa sociedade terrena cometem os seus abusos.

Encontramos, pois, no Espiritismo, através da codificação kardequiana, os mais nobres e racionais ensinamentos morais mediante sua interpretação da Lei Divina, e estamos certos de que tal ensinamento pode guiar nosso mundo para os verdadeiros valores da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.

* * * * * *

E para ficar bem atualizado de tudo o que ocorre de mais importante no movimento espírita, siga-nos pelo WhatsAppFacebookTwitter Instagram.

Comentários

Postagens populares

Dra. Anete Guimarães em São Paulo

REVELAÇÕES DE CHICO XAVIER SOBRE TRANSIÇÃO PLANETÁRIA

A tragédia da Chapecoense e as mortes coletivas