Pesquisas historiográficas sobre o movimento espírita pós-Kardec: Sr. X, o Espiritismo de Flammarion, lucidez da viúva Kardec etc.
Em mais uma leva de importantes investigações sobre o movimento espírita logo após a morte de Allan Kardec, nosso confrade pesquisador Carlos Seth Bastos — o Sir CSI do Espiritismo — levanta e responde a algumas pertinentes questões a partir de uma obra até então completamente ignorada por nosso meio espírita, mas que traz valiosas informações sobre a Historiografia Espírita. Vamos ao apanhado dessas investigações. A publicação original pode ser conferida pela fanpage do CSI do Espiritismo no Facebook.
Levantando questões
Eis as questões levantadas por nosos confrade Sr. CSI:
- Como Camille Flammarion achava que o Espiritismo deveria ser estudado?
- Amélie Boudet participou de reuniões das mesas girantes?
- Quem era o Sr. X., vizinho de Amélie Boudet, mencionado por Berthe Fropo em “Muita Luz” e por Leymarie em “Ficções e insinuações”?
- De qual sociedade o Sr. X. pediu demissão?
Então, Carlos Seth Bastos anuncia: "mostraremos aos nossos @seguidores fragmentos resumidos de um livro de 1885 com as respostas a essas perguntas; e mais um depoimento sobre a lucidez da viúva Kardec, agora aos 87 anos de idade, além de alguns já conhecidos."
Sobre a lucidez da Viúva Kardec, já tínhamos, dentre outros, os depoimentos de Gaston Pérodeaud e de Emily Kislingbury: "Vi tantos quanto possível nos três dias que aqui passei, inclusive a idosa Sra. Allan Kardec, que, aos oitenta e três anos [sic], é tão ativa quanto a maioria das senhoras de trinta e oito..."
Quem era o Sr. X
Sir CSI responde à primeira questão por ele levantada:
Quem era o Sr. X., vizinho de Amélie Boudet, mencionado por Berthe Fropo em “Muita Luz” e por Leymarie em “Ficções e insinuações”?
Como mostrado na primeira referência da publicação anterior, precisávamos dos exemplares do periódico “La vie domestique” para descobrir a identidade do Sr. X. O pesquisador Charles Kempf os obteve e viu que os artigos espíritas mencionados eram assinados por Félix Fabart.
Nós conseguimos facilmente mais informações sobre ele [Wikipédia e BnF], inclusive seu registro de nascimento, que confirma o ano de 1837 (e não 1838). Seu nome completo era Félix Jean Baptiste Arsène Fabart, tendo também usado, entre outros, o pseudônimo de Ech’Tahon.
Foi autor de “Histoire philosophique et politique de l'occulte: magie, sorcellerie, spiritisme”, com prefácio de Camille Flammarion. É nesta obra, que traduzimos como “História filosófica e política do ocultismo: magia, bruxaria, espiritismo”, que obtemos as respostas das perguntas da publicação anterior.
Espiritismo segundo Flammarion
Camille Flammarion era um notável cientista, o gênio da Astronomia da sua época; dado sua reputação, a sua opinião era de enorme peso e exercia forte influência para as massas. Por isso a questão aqui levantada.
Como Camille Flammarion achava que o Espiritismo deveria ser estudado?
Do prefácio do livro mencionado na publicação anterior, extraímos os seguintes fragmentos, os quais foram traduzidos livremente e resumidos:
"Recentemente testemunhei curiosas experiências de hipnotismo e sugestão realizadas no [hospital] Salpêtrière. Doutores de faculdade, cujos mestres até recentemente tratavam o magnetismo como uma 'simples farsa', realizam, sem parecer saber, verdadeiras experiências magnéticas. Isto é estudado de forma diferente. O método experimental reina no seu rigor, o estudo dos fenômenos é mais criterioso, o trabalho é mais científico, mas é, fundamentalmente, a mesma questão.
"De todos estes fatos, e de todos aqueles que a eles estão ligados, direta ou indiretamente, nas ciências designadas sob o nome de ciências ocultas, magnetismo, hipnotismo, espiritismo, nenhum deles novo, porque os encontramos - e muitos outros - na magia e na feitiçaria dos tempos antigos; é o seu estudo que é novo, pelo caráter científico que atualmente lhe é conferido.
"E, senhores, digam o que digam os fisiologistas, parece-me que há mais alma do que corpo em tudo isso."
Camille Flammarion
A lucidez da viúva Kardec
Damos agora a palavra a Félix Fabart, o Sr. X. [pág. 175 de sua obra História do Ocultismo...]:
"Estamos no início do ano de 1876.
"Múltiplas decepções haviam embotado meu zelo como investigador psicológico, e por algum tempo concluí que lidar com o Espiritismo experimental era absolutamente uma perda de tempo.
"Uma circunstância que beirava a fatalidade me fez voltar ativamente ao estudo da questão. Por motivos familiares, tive que deixar o bairro onde morava na época, e me mudei para outro, oposto do primeiro, onde me vi vizinho da senhora Allan Kardec. Minha vizinha foi, de fato, a pessoa que me fez retomar minha pesquisa interrompida. Ela deixou-se guiar pela grande experiência que os seus oitenta e nove anos [sic] lhe proporcionaram, pela sábia filosofia aprendida na escola do seu mestre e marido; julgava friamente os fatos e as pessoas, eliminava dos fenômenos psíquicos tudo o que não fosse absolutamente certo; guardou, com zeloso cuidado, a memória de Allan Kardec, e distanciou-se escrupulosamente de qualquer empreendimento ou qualquer exibição que, sob o manto da doutrina, pudesse abrigar ambições de fama e fortuna.
"Além disso, não era incomum ouvir os fanáticos reclamarem da indiferença que supunham para com eles e duvidarem muito de que ela fosse espírita. Será que ainda usam a mesma linguagem desde que ela os deixou, quando faleceu (janeiro de 1883), quase toda a sua bela fortuna, para dar continuidade ao trabalho de popularização empreendido por Allan Kardec? Há todos os motivos para esperar que não, e que eles acabarão por lhe fazer justiça ao cumprir os seus desejos de fundações de caridade... [*]
"A senhora Allan Kardec me provou, pelo seu exemplo, que é possível ser espírita e manter perfeito equilíbrio na razão. E retomei, de acordo com o seu conselho, as minhas investigações de antigamente."
Félix Fabart
[*] Talvez a Sra. Martin, da rue d’Estrées, nº 15, conforme indícios no “Le Spiritisme” da 1ª quinzena de junho de 1886, conform esta referência.
Amélie Boudet participou de reuniões das mesas girantes?
Sim, é óbvio! E o Sir CSI do Espiritismo nos traz as provas:
Conforme Berthe Fropo, Amélie Boudet esperava ver o Sr. X. (Félix Fabart) como presidente da Sociedade Anônima. Ela acreditava ainda que o jornal “A vida doméstica” poderia ser o veículo oficial de uma nova sociedade espírita.
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Eis o que, resumidamente, ele diz [pág. 77 de sua obra História do Ocultismo...]:
"Em primeiro lugar, para ver mais de perto e acompanhar regularmente as sessões experimentais, juntei-me, como membro ativo, à Sociedade que acabava de ser fundada na rue Neuve-des-Petits-Champs, nº 5, em Paris, para o Estudo especial de Ciências psicológicas [Sociedade Científica de Estudos Psicológicos, do Sr. Charles Fauvety].
"Mas, antes de relatar os fenômenos que ali presenciei, devo me referir a três noites tiptológicas que organizei em minha casa, com a colaboração da médium Sra. M., da rue d'Estrées, em Paris [*]:
"(...) Na segunda noite, enquanto a senhora Allan Kardec questionava a mesa, eu, sem nada dizer a ninguém, sem um gesto que pudesse dar qualquer pista ao médium, pedi ao Espírito (?) presente que se dispusesse a empurrar os móveis em minha direção, no canto da sala onde eu estava. A coisa aconteceu assim que pensei, com tanta rapidez e precisão que as mãos do médium ficaram no vazio e recebi, da beirada da mesa, um choque violento o suficiente para reter a lembrança."
[*] Talvez a Sra. Martin, da rue d’Estrées, nº 15, conforme indícios no “Le Spiritisme” da 1ª quinzena de junho de 1886 segundo esta referência.
De qual sociedade o Sr. X. pediu demissão?
Sir CSI continua transcrevendo a narrativa do Sr. X, ou seja, Félix Fabart:
"[...] geralmente havia muita gente nas sessões da Sociedade de Psicologia [Sociedade Científica de Estudos Psicológicos, de Fauvety] para que pudéssemos fazer um controle suficiente dos resultados obtidos; às vezes me interessavam, mas sem nunca acrescentar nada à minha convicção.
"Minhas anotações daquele dia (23 de julho de 1878) [pág. 180]:
"(...) 4º Ao final da sessão, o magnetizador e seu sujeito declararam-me 'ter fé absoluta na verdade do Espiritismo'. Admissão digna de nota, pois conheço uma série de outros magnetizadores que não acreditam em nada e rejeitam a hipótese da intervenção dos desencarnados para os fenômenos de êxtase, visão dupla etc..., que eles conseguem. Estes, digamos de passagem, eram geralmente indesejáveis, na Sociedade de Estudos Psicológicos: as portas desta pequena igreja abrem-se facilmente para irmãos e irmãs de fé e fecham-se da mesma forma aos seus céticos.
"Porém, inicialmente foram menos rigorosos comigo, sem dúvida por causa da senhora Allan Kardec, que me havia apresentado: só manobraram para me afastar depois de um ano, quando me tornei um incômodo terrível do qual era preciso se livrar a todo custo. Foi o diretor [*] quem cuidou disso, com a ajuda de uma boa calúnia da qual conservei a prova escrita. Vamos encobrir esse fato pessoal. A intolerância está longe de ser desconhecida no campo espírita e, muitas vezes, é até exercida entre seguidores; eles também, como os hierofantes, praticam a excomunhão."
[a] Em junho de 1879, um tal Fabard (possivelmente Fabart) esteve na assembleia que elegeu os diretores, segundo esta fonte.
Amélie Boudet participou das mesas girantes? - Parte 2
Voltando ao assunto da participação de Madame Kardec nas de reuniões das mesas girantes, o Sir CSI do Espiritismo continua trazendo o relato de Félix Fabart, o Sr. X, autor do livro Histoire philosophique et politique de l'occulte: magie, sorcellerie, spiritisme [História filosófica e política do ocultismo: magia, feitiçaria e espiritismo]:
"Minha vizinha ficou surpresa com o que chamou de 'minha obstinação'. Eu invariavelmente respondia-lhe que não obedecia a nenhum preconceito e que, no dia em que me fosse demonstrada a presença de um desencarnado, eu acreditaria. Esse dia chegou, ou pelo menos eu o julguei então e julgo agora. Cabe ao leitor julgar se a demonstração é suficiente.
"Naquele dia, a senhora F..., uma médium notavelmente talentosa, de quem eu tinha ouvido falar em vários grupos de estudo, veio visitar a senhora Allan Kardec quando eu mesmo estava lá e apresentou-lhe seu filho, um encantador bebê de dez para onze meses que ela segurava nos braços. A senhora F... estava acompanhada da mãe, pessoa da mais alta respeitabilidade.
"Entramos na sala.
"A senhora F... me deu a escolha do modo de comunicação: tiptologia, escrita direta, visão dupla, copo d'água etc. etc., porque ela tinha todos esses tipos de mediunidade.
"Optei primeiro pelas demonstrações na mesa.
"Depois de quatro ou cinco minutos, ouviram-se fortes estalos na mesa, seguidos de golpes claramente desferidos, de acordo com o ritmo ou número que eu escolhi mentalmente.
"Novamente aqui, a teoria da 'ação reflexa' veio em auxílio da minha incredulidade: 'Eu sei o que quero e o médium responde aos meus pensamentos. A visão dupla é suficiente; não há necessidade da intervenção dos Espíritos'.
"Como adquiri o hábito, enquanto frequentava grupos de estudos psicológicos, para nunca ficar despreparado ou fazer perguntas triviais, de fazer em meu caderno anotações particulares, relativas a certas mortes que eu havia sabido. Abri meu caderno e desta vez escolhi, para evocá-lo, o nome de um compatriota que se suicidou.
"Perguntei então a causa de sua morte. Foi respondido: —'Febre cerebral tifoide'.
"O erro me pareceu tão óbvio que concluí, mais uma vez, no fundo do coração, contra os médiuns e a doutrina espírita.
"Mal tinha expressado a minha decepção desta forma quando houve uma agitação geral na mesa.
"A mesa subia ora de um lado, ora de outro; ela ia e vinha, rolando para a direita, para a esquerda, para frente, para trás, fazendo um barulho de estalos e batidas ao mesmo tempo.
“— 'São outras almas' — disse-me a senhora F.
"Eu vi isso, de minha parte, como o prelúdio para o final de uma sessão, como já tinha visto tantas vezes, uma sessão destinada a afastar o pesquisador mais tenaz e demonstrar a futilidade dos 'chamados fenômenos psíquicos'.
"Porém, os movimentos desordenados cessaram e a mesa voltou a indicar letras.
"Aqui estão as primeiras oito em sua ordem precisa: 'F-R-A-N-Ç-O-I-S'.
“'François'! Pensei novamente comigo mesmo, um nome tão banal quanto insignificante! Quem, na sua memória, não encontra um familiar ou um amigo que o tenha carregado?... Contudo, acrescentei, mecanicamente, pelo pensamento, o sobrenome de um homem com quem me encontrei em relações laborais e que tinha sido morto há um ano: 'LABROU'.
"Obviamente, de acordo com minha teoria ('ação reflexa') me seria indicado, de acordo com a lembrança que me provocou. Em vez das letras esperadas, veio o seguinte: 'B-E-R-N-Y'.
"Então, dissemos 'François Berny'!... Confesso que esta comunicação inesperada me surpreendeu. Eram estes os nomes de um homem que conheci muito na minha juventude e com quem, cessei relações. Desde o rompimento, que nos angustiou; e especialmente desde a sua morte, que soube por acaso e que remonta ao maldito ano de 1870, quase não pensei em François Berny. Não estava no meu caderno e estava a mil léguas dos meus pensamentos no momento da sessão que descrevo. Além disso, nem a senhora. F... nem sua mãe, nem a senhora Allan Kardec, únicas pessoas além de mim presentes nesta sessão, o conheceram, nem sequer ouviram falar dele.
"Como então podemos explicar que treze letras foram alinhadas corretamente e sem hesitação para reconstruir sua memória?
"Elimino primeiro, como inadmissível, a hipótese do engano e a do acaso: pensemos em todas as minhas precauções e na multiplicidade de combinações possíveis com treze letras.
"Não posso mais me apegar à minha velha teoria: o médium não refletia meus pensamentos, pois eram completamente diferentes; a palavra LABROU não se parece em nada com BERNY.
"Resta, portanto, a explicação dos espíritas: aquela que admite a possibilidade de relações entre encarnados e desencarnados, vivos e mortos. Na verdade, até prova em contrário, terei que considerar isso bom."
Félix Fabart
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Como comentou nosso amigo Charles Kempf: “Félix Fabart não era tão espírita assim; estranho que Berthe Fropo mencione que Amélie via nele e naquele jornal onde escreveu um possível sucessor do espiritismo”.
Acrescentamos que ele não participou da fundação da União Espírita Francesa em dezembro de 1882, e que em “Ficções e insinuações” é informado que o publicista responsável pelo “La vie domestique” [Marc (Jochelson) de Rossiény (1845-1894), também conhecido como Doutor Rossi e pelo pseudônimo de Octave Sully] declarou a Leymarie que era antiespírita e tinha horror a nossa doutrina.
Nota final do Sir CSI do Espiritismo:
O livro — Histoire philosophique et politique de l'occulte: magie, sorcellerie, spiritisme [História filosófica e política do ocultismo: magia, feitiçaria e espiritismo] — continua com uma interessante sessão no final de 1878 na casa de um médico, marido da senhora F., com a presença de Aksakof, mas deixamos isto para outra oportunidade. Idem para a sessão com o médium tiptológico Sr. Berçot (ou Berceot) na sala de uma senhora pertencente ao mundo musical e científico, ela própria não médium, mas inteiramente devotada à causa do Espiritismo, grande admiradora de Allan Kardec, que conhecia bem (talvez a Sra. Sophie Rosen-Dufaure).
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E as pesquisas continuam. Continuem conosco e acompanhem o melhor e o mais importante que acontece no movimento espírita. Siga-nos também pelos nossos canais no WhatsApp, Facebook, Twitter e no Instagram.
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