quarta-feira, 30 de novembro de 2016

STF absolve padre católico da acusação de discriminação religiosa


O Supremo Tribunal Federal julgou nesta terça-feira 29 a ação penal movida pelo Ministério Público da Bahia contra o padre católico Jonas Abib, acusando-o de cometer o crime de discriminação religiosa, tomando como base o livro "Sim, sim, não, não - Reflexões de cura e libertação", de autoria do sacerdote, que, em defesa do Catolicismo, contém citações contrárias às práticas de Espiritismo, Umbanda, Candomblé e outros segmentos religiosos.

A decisão final do STF foi a de absolvição do padre. O relator do processo na suprema corte foi o Ministro Edson Fachin. Sobre o livro, ele declarou: "intolerante, pedante e prepotente", no entanto, aceitou o argumento da defesa de que ele se volta para a comunidade católica e que não "ataca pessoas, mas ideias", assim justificando seu voto de absolvição: "Ainda que, eventualmente, os dizeres possam sinalizar certa animosidade, não se explicita a mínima intenção de que os fiéis católicos procedam à escravização, exploração ou eliminação das pessoas adeptas ao espiritismo".

Desta feita, por 4 a 1, a acusação foi negada. Acompanharam Fachin os ministros Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber. O Ministro Luiz Fux foi o único a divergir, chamando a atenção para a necessidade de tolerância entre as religiões.

Em seu livro, Pe. Jonas Abib diz que, se no passado o demônio "se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde nos rituais e nas práticas do espiritismo, da umbanda, do candomblé e de outras formas de espiritismo". Além disso, diz que pais e mães-de-santo são "vítimas" e "instrumentalizados por Satanás". "A doutrina espírita é maligna, vem do maligno".

"O espiritismo é como uma epidemia e como tal deve ser combatido: é um foco de morte. O espiritismo precisa ser desterrado da nossa vida. Não é possível ser cristão e ser espírita. [...]. Limpe-se totalmente!", diz Abib noutra parte, que ainda recomenda aos católicos queimar e se desfazer de livros espíritas, bem como imagens de Iemanjá, apresentados como "maldição" para a pessoa e sua família.

A decisão do STF é absoluta e, portanto, encerra o processo.


Plenário do Supremo Tribunal Federal


O que diz a lei

O Ministério Público baiano, autor da ação criminal contra o Pe. Jonas Abib, baseou sua acusação no artigo 20 da Lei do Crime Racial, que assim reza:

LEI DO CRIME RACIAL


Lei nº 7.716 de 05 de Janeiro de 1989

Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Pena: reclusão de um a três anos e multa.(Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
- o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.
(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio; (Redação dada pela Lei nº 12.735, de 2012)
III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)
§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

A defesa do acusado valeu-se do Artigo 5° da Constituição Federal de 1988, que trata "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos", com ênfase nos incisos VI e VIII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;  
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;


Analisando a decisão do STF

De fato, pela tal obra citada no processo, constata-se que o reverendo católico faz incitações contra o Espiritismo e contra outras crenças, como Umbanda e Candomblé. Tanto é que vários ministros do Supremo leram trechos do livro, acentuando sempre a "indelicadeza" do autor no trato com o pensamento alheio.

Realmente ficou configurado no livro do padre intolerância religiosa e inclusive certa violência moral, pela violação de consciência. Por outro lado, é válida a argumentação de que a lei constitucional assegura a liberdade de expressão religiosa e, no caso em questão, é legalmente justificável que o eclesiástico tenha feito uso desse direito para expressar a sua própria crença — o Catolicismo — e, com base na sua doutrina, combater "os inimigos de Deus e da salvação", pois que é dogma da igreja o "ardor missionário"; todo católico é convidado a pregar o Evangelho (segundo a interpretação da igreja) e combater o "mal". Como a doutrina católica considera que a mediunidade fora da igreja, que a prática espírita e que os cultos aos orixás são manifestações demoníacas e expressões do que eles julgam como anti-Cristo, logo, o Pe. Jonas Abib, membro do clero, não apenas se vê no direito de expressar-se contra essas "coisas do Diabo", como também se vê obrigado a fazê-lo, a fim de cumprir o seu vocacionado.

Portanto, como o acusado atacou as ideias religiosas e não diretamente a qualquer pessoa em particular, o processo passou a girar em torno de concepções doutrinárias, como se fosse possível julgar a doutrina católica — o que não seria plausível, pois toda religião tem o direito inviolável de constituir suas próprias crenças, não cabendo a ninguém, ainda menos o STF, apreciar a validade dessas crenças, enquanto elas não firam objetivamente à integridade do indivíduo. Em suma, o "crime" seria da igreja, não do padre.

O Catolicismo é uma crença legítima e espontânea, como qualquer outra religião. No âmbito religioso, seus fieis então podem se expressar livremente — como o fez o Pe. Jonas Abib. Seu livro não cerceia o direito das pessoas a buscarem outras crenças e, na prática, não causam qualquer prejuízo às demais correntes religiosas, uma vez que cada indivíduo tem a liberdade de escolher o que seguir no campo espiritual.


O que diria Kardec?

Em sua dura jornada na fundação e propagação do Espiritismo, Allan Kardec foi francamente atacado pela Igreja Católica e outros pensadores. A mediunidade, o Espiritualismo Moderno e mais ainda a Doutrina Espírita foram alvejados por zombarias e críticas ferrenhas. E não apenas no campo da discussão de conceitos doutrinários, mas efetivamente, como no caso do Auto de Fé de Barcelona (saiba mais aqui).


E qual foi a reação do codificador? Tolerância para com os intolerantes — mostrar a "outra face", no dizer do Cristo. Nada de "vitimismo"!

Além do mais, Kardec observou que quanto mais a Doutrina Espírita era atacada, difamada e zombada, tanto mais ela se expandia. As críticas dos adversários serviam exatamente contra os seus propósitos de seus ataques e se fizeram eficientes propagandas do Espiritismo.

"Certamente algumas pessoas esperam encontrar aqui uma resposta a certos ataques pouco respeitosos, dos quais a Sociedade, nós pessoalmente, e os partidários do Espiritismo, em geral, temos sido vítimas nos últimos tempos. (...) 
Quanto ao Espiritismo em geral, que é uma das forças da Natureza, a zombaria será destruída, como aconteceu contra muitas outras coisas que o tempo já consagrou. Essa utopia, essa maluquice, como o chamam certas pessoas, já deu a volta ao mundo e nenhuma diatribe impedirá sua marcha, do mesmo modo que outrora os anátemas não impediram a Terra de girar. (...)
Igualmente temos pouco a dizer quanto ao que nos toca pessoalmente; se aqueles que nos atacam — seja de maneira ostensiva, seja disfarçada —, imaginam que nos perturbam, perdem seu tempo; se pensam em nos barrar o caminho, enganam-se do mesmo modo, pois nada pedimos e apenas aspiramos a nos tornar úteis, no limite das forças que Deus nos concedeu. (...) 
Esperamos que nos prestem mais serviços do que prejuízos e nos façam economizar despesas com publicidade, porque não há um só de seus artigos — por mais espirituosos que sejam — que não tenha estimulado a venda de alguns de nossos livros ou não nos tenha proporcionado algumas assinaturas. Obrigado, pois, a eles pelo serviço que nos prestam involuntariamente. (...) 
O que queremos, antes de tudo, é o triunfo da verdade, venha de onde vier, pois não temos a pretensão de ver sozinho a luz; se disso deve resultar alguma glória, o campo a todos está aberto e estenderemos a mão a quantos nesta rude caminhada nos seguirem com lealdade, abnegação e sem segundas intenções particulares." 
Allan Kardec - Revista Espírita, Março de 1859: "Diatribes"

Em O Evangelho segundo o Espiritismo (acesse aqui em epub e pdf), Kardec reflete sobre as ações dos "inimigos do Espiritismo":

"De todas as liberdades, a mais inviolável é a de pensar, que abrange a de consciência. Alguém lançar maldição sobre os que não pensam como ele é reclamar para si essa liberdade e negá-la aos outros, é violar o primeiro mandamento de Jesus: a caridade e o amor do próximo. Perseguir os outros, por motivos de suas crenças, é atentar contra o mais sagrado direito que tem todo homem, o de crer no que lhe convém e de adorar a Deus como o entenda. Constrangê-los a atos exteriores semelhantes aos nossos é mostrarmos que damos mais valor à forma do que ao fundo, mais às aparências, do que à convicção. Nunca a abjuração forçada deu a quem quer que fosse a fé; apenas pode fazer hipócritas. É um abuso da força material, que não prova a verdade. A verdade é senhora de si: convence e não persegue, porque não precisa perseguir. 
O Espiritismo é uma opinião, uma crença; fosse até uma religião, por que se não teria a liberdade de se dizer espírita, como se tem a de se dizer católico, protestante, ou judeu, adepto de tal ou qual doutrina filosófica, de tal ou qual sistema econômico? Essa crença é falsa, ou é verdadeira. Se é falsa, cairá por si mesma, visto que o erro não pode prevalecer contra a verdade, quando se faz luz nas inteligências. Se é verdadeira, não haverá perseguição que a torne falsa. 
A perseguição é o batismo de toda ideia nova, grande e justa e cresce com a magnitude e a importância da ideia. A ira e a severidade dos seus inimigos são proporcionais ao temor que ela lhes inspira. Tal a razão por que o Cristianismo foi perseguido noutros tempos e por que o Espiritismo assim é hoje, mas com a diferença de que aquele o foi pelos pagãos, enquanto o segundo o é por cristãos. Passou o tempo das perseguições sangrentas, é exato; contudo, se já não matam o corpo, torturam a alma, atacam-na até nos seus mais íntimos sentimentos, nas suas mais caras afeições. Lança-se a desunião nas famílias, excita-se a mãe contra a filha, a mulher contra o marido; investe-se mesmo contra o corpo, agravando-se neles as necessidades materiais, tirando-se dele o ganha-pão, para reduzir pela fome o crente. 
Espíritas, não se aflijam com os golpes que lhes desfiram, pois eles provam que vocês estão com a verdade. Se assim não fosse, lhes deixariam tranquilos e não procurariam lhes ferir. É uma prova para a fé de vocês, pois é pela sua coragem, pela sua resignação e pela sua paciência que Deus lhes reconhecerá entre os Seus servidores fiéis, a cuja contagem Ele hoje procede, para dar a cada um a parte que lhe toca, segundo suas obras. 
A exemplo dos primeiros cristãos, carreguem a sua cruz com coragem. Creiam na palavra do Cristo, que disse 'Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, que deles é o reino dos céus. Não temam os que matam o corpo, mas que não podem matar a alma'. Ele também disse 'Amem os inimigos, façam bem aos que lhes fazem mal e orem pelos que lhes perseguem'. Mostrem que são seus verdadeiros discípulos e que a sua doutrina é boa, fazendo o que Ele disse e fez. A perseguição pouco durará. Aguardem com paciência o romper da aurora, pois que já rutila no horizonte a estrela d’alva." 
Allan Kardec - O Evangelho segundo o Espiritismo: Cap. XXVIII, item 51.

nos convida a orarmos por eles:
"Senhor, Tu nos disseste pela boca de Jesus, o Teu Messias: 'Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça; perdoem aos seus inimigos; orem pelos que lhes persigam'. E ele próprio nos deu o exemplo, orando pelos seus malfeitores.Seguindo esse exemplo, meu Deus, imploramos a Tua misericórdia para os que desprezam os Teus santíssimos preceitos, únicos capazes de promover a paz neste mundo e no outro. Como o Cristo, também nós te dizemos: 'Perdoe-lhes, Pai, que eles não sabem o que fazem'.Dá-nos forças para suportar com paciência e resignação, como provas para a nossa fé e a nossa humildade, seus escárnios, injúrias, calúnias e perseguições; isenta-nos de toda ideia de represálias, visto que para todos soará a hora da Tua justiça, hora que esperamos submissos à Tua santa vontade." 
Allan Kardec - O Evangelho segundo o Espiritismo: Cap. XXVIII, item 51.


Tivesse sido diferente a decisão do STF, muito provavelmente estariam hoje o Pe. Abib e os seus confrades católicos "vitimizando-se". A prisão do ex-acusado — conforme prevê a pena aos condenados por discriminação religiosa   tornaria o autor daquele livro um verdadeiro mártir católico e seus correligionários bem poderiam lançar sobre o Espiritismo e demais crenças a alcunha de algozes de mais um "santo da igreja".


Acreditamos firmemente que dentre os leitores da tal obra do Pe. Abib muitos acabaram interessando-se pelo estudo do Espiritismo — ainda que para contestá-lo — e, com isso, iniciaram o inevitável curso da iluminação espiritual, familiarizando-se com os primeiros conceitos da nossa doutrina.

Siga a igreja propagando os feitos do Diabo; sigamos nós, espíritas, propagando nossos conceitos de Sabedoria a Caridade.

Fontes:



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