"Kardec e a divergência na forma de escrever o seu nome civil" por Paulo Neto
Os mais atentos estudiosos do Espiritismo já devem ter se deparado que, comparando diversos documentos e citações em variados livros, há diferentes versões para o nome civil da Allan Kardec. Aqui mesmo em nosso blog, já tratamos disso algumas vezes, por exemplo, no post "O nome oficial do Professor Rivail (Allan Kardec)", trouxemos um apurado feito pelo pesquisador espírita Paulo Neto.
Daí veio o livro O Legado de Allan Kardec de Simoni Privato Goidanich e uma informação adicional sobre o mesmo assunto: uma sentença judicial, quando das tratativas para levar a efeito o testamento de Kardec, definindo oficialmente seu nome de registro.
Depois disso, recebemos de Paulo Neto a reedição de sua pesquisa, que temos a satisfação de compartilhar com todos:
Kardec e a divergência na forma de escrever o seu nome civil
“[…] quem quer esclarecer-se não deve colher ensinos de uma só fonte, porque só pelo exame e pela comparação se pode firmar um juízo.” (KARDEC, O que é o Espiritismo)
Ao longo do tempo, vínhamos observando que o nome civil de Allan Kardec apresentava, para nossa surpresa, variações na ordem das palavras que o compõem. Até então, não havíamos nos preocupado muito com isso, entretanto, ao preparar a palestra Terceira Revelação – Espiritismo e Kardec, para ser apresentada no Grupo Espírita de Fraternidade Albino Teixeira, em Belo Horizonte, MG, voltamos a perceber essa divergência, daí resolvemos pesquisar para, se possível, conhecer as causas disso, porquanto intrigou-nos demais tal fato.
Estaremos apenas levantando a questão da ordem das palavras, portanto, não tentaremos buscar as informações sobre usar “z” ao invés de “s” em Denisard, um “p” ou dois “pp” e “i” ao invés de “y” em Hypolite, fatos que estamos registrando para que você leitor tome ciência disso.
Quando formos referenciar os documentos usaremos a numeração que colocamos em cada fonte, conforme constam nas Referências bibliográficas.
Vamos denominar de “Documentos oficiais”, aqueles produzidos por órgão público ou particular encarregado de algum tipo de registro e de “Documentos não oficiais” os provenientes de outras fontes, incluindo, aí algumas produzidas pelo próprio Kardec.
Nos documentos oficiais temos:
Então, aqui os termos “Denisard” e “Léon” não são mantidos na mesma ordem, sendo que o primeiro a variação dá-se na metade das ocorrências. Via de regra, dar-se-ia preferência ao que se utilizou na certidão de nascimento, caso na França seguisse, nesse particular, o que ocorre aqui no Brasil.
Mais à frente apresentaremos as imagens constante na obra, da qual foram tomados todas as ocorrências; porém, algo já nos chamou a atenção na certidão de nascimento: qual é a razão da vírgula depois de Denisard?
Novamente, apenas para registro, observe que na certidão de óbito de Kardec lê-se Denisart e não Denisard, ou seja, em lugar do “d”, apareceu-nos um “t”.
Vejamos agora como consta o nome de Kardec nos documentos não oficiais:
Nas três ocorrências, onde Kardec não assinou o nome todo, ele coloca as 3 iniciais exatamente na ordem que utilizou em seu testamento, que, por sua vez, é quase idêntica à que consta do Novo Dicionário Universal, publicado por Maurice Lachâtre (1814-1900), a não ser pela troca do “y” pelo “i” e o uso de dois “pp”.
Vejamos como alguns autores das fontes, que foram por nós utilizadas, tratam dessa questão.
Jorge Damas Martins (1957- ) e Stenio Monteiro de Barros (1945- ) se limitaram a apresentar o nome conforme consta da certidão de nascimento, da qual apresentam um fac-símile, que mostraremos mais à frente.
Przemyslaw Grzybowski (1968- ) também menciona a diferença na ordem e opta por aquela utilizada por Kardec, justifica dizendo que foi ela que o Codificador assinou em suas obras.
Zêus Wantuil (1924-2011) e Francisco Thiesen (1927-1990), em nota explicativa sobre primeiro livro de Kardec – Cours Pratique e Theórique d'Arithmétique, d'apres la méthode de Pestalozzi, informam:
Tanto nesta quanto em todas as demais obras pedagógicas do mesmo autor, seu nome está sempre estampado abreviadamente, como se segue: H. L. D. Rivail, o que vem patentear, a olhos vistos, a maneira por que ele dispunha o seu nome, ou seja: Hippolyte Léon Denizard Rivail, fato para o qual o Dr. Canuto Abreu, ilustre espírita brasileiro, já chamava a atenção na revista “Metapsíquica” de 1936, p. 112, dizendo que Hippolyte aparecia ainda como prenome nos registros de batismo e de casamento, bem assim nos documentos públicos em que ele lançava o seu nome por extenso ou abreviado. (WANTUIL e THIESEN, vol. I, 2004, p. 96)
E mais à frente, no capítulo “Kardec e o seu nome civil”, apresentam várias considerações pelas quais justificam optar por Hippolyte Léon Denizard Rivail, que será bem interessante ao presente estudo, porquanto elenca a lista, objeto de sua consulta, razão pela qual transcrevemos o seguinte trecho:
[…] importa fazer algumas observações preliminares:
a) Tanto a certidão de nascimento (sic) quanto o registro de batismo do futuro Allan Kardec inscrevem Denizard(124) e cremos que também assim o faz o contrato de casamento(125).
b) Por ocasião do passamento de Kardec, a "Revue Spirite" de 1869 publicou a páginas 130 um artigo da Redação intitulado -"Biographie de M. Allan Kardec", Aí aparece escrito, em grifo - Léon-Hippolyte-Denizart Rivail.
Dois grandes discípulos de Kardec - Camilo Flammarion e Léon Denis - escreveram de maneira diferente o nome do mestre lionês.
O primeiro, no seu “Discours prononcé sur la tombe d'Allan Kardec”, brochura editorada em 1869, apôs, em nota, ao pé da pág. 7: “Léon-Hippolyte-Denisart-Rivail”.
O segundo, no “Prefácio” da 4ª edição da obra de Henri Sausse citada na nota (1), escreveu este período, à p. 8: Remarquons que mon nom est enchâssé dans celui d'Allan Kardec qui s'appelait en réalité: Hippolyte, Léon, Denisard Rivail”.
c) A velha, mas sempre consultada obra de J.-M. Quérard - “La France Littéraire ou Dictionnaire Bibliographique (...)”, Paris, tomo VIII (1836), p. 58, registou: “Rivail (H. L. D.)”; o tomo XII (1859-64), p. 450, escreveu: “RIVAIL (Hippolyte-Léon Deriízart)”.
d) o famoso "Dictionnaire Universel des Contemporains, contenant toutes les personnes notables de la France et des pays étrangers”. de G. Vapereau, Paris, regista em sua 3ª edição (1865), inteiramente refundida e consideravelmente aumentada, pp. 31/2, e na 4ª edição (1870), p. 30: “Allan-Kardec (Hippolyte-Léon-Denizard Rivail, dit)”...
O pseudônimo Allan-Kardec, conforme se lê no Prefácio datado de 1/12/1861, só entrou para o Dicionário de Vapereau a partir de sua 2ª edição, dada a público provavelmente entre 1861 e 1863.
A quinta edição desta obra (1880) não inscreveu o nome Allan Kardec, mas a sexta edição (1893) traz, no pé da p. 26, a mesma grafia que demos acima para o nome de Kardec.
e) O “Catalogue Général de la Librairie Française”, redigido por Otto Lorenz, Livreiro, escreve no tomo I, Paris, 1867, p. 27: “Allan Kardec, nom fantastique adopté par M. H.L.D. Rivail”; no tomo IV, Paris, 1871, p. 240: RIVAIL (Léon Hippolyte Denisart); no tomo V (tome premier du Catalogue de 1866-1875), Paris, 1876, p. 15: ALLAN KARDEC. Pseudonyme de H. L. D. Rivail.
f) “Les Supercheries Littéraires dévoilécs”, par J. M. Quérard, segunda edição, consideravelmente aumentada, publicada pelos Srs. Guslave Brunet e Pierre Jannet, seguida (…), assim regista no tomo I, primeira parte (1869), a pp. 266: “Allan Kardec (Hipp.-Léon Denizart RIVAIL), ancien chef d'institution, à Paris (…)”
g) O “Nouveau Dictionnaire Universel”, por Maurice Lachâtre, s. d.126, Paris, tomo primeiro, p. 199, regista: “Allan Kardec (Hippolyte-Leon-Denizard Rivail)”, fazendo a seguir longa biografia do Codificador.
h) O “Orand Dictiormaire Universel du XIXe Siecle”, por M. Pierre Larousse, Paris, tomo nono (1873), regista: "Kardec (Hippolyte-Léon-Denizard Rivail, plus connu sous le pseudonyme d'Allan)”...
i) Faz exatamente o mesmo o “Nouveau Larousse Illustré” (1897-1904), publicado sob a direção de Claude Augé, tom V.
j) O “Dictionnaire Biographique et Bibliographique”, por Alfredo Dantès, Paris, 1875, p. 26, escreve: “Allan Kardec (Hipp. Léon Denizard Rivail)...
k) O “Manuel Bibliographique des Sciences Psychiques ou Occultcs”, por Albert L. Caillet L C., Paris, 1912, regista:
Tomo I, p. 28: “RIVAIL (Hippolyte-Léon-Denizard)”...
Tomo II, p. 487: “Hippolyte Léon Denizard Rivail”...
Tomo III, p. 407: “RIVAIL (Hippolyte-Léon-Denizard) dit Allan Kardec”...
l) O “Dictionnaire de Biographie Française", Paris, inclui no tomo segundo (Alíénor-Antlup), 1936. sob a direção de J. Balteau (Agrégé d'Htstoire), de M. Barroux (Archiviste paléographe, directeur honoraire des Architves de la Seine) e M. Prevost (Archiviste paléographe. conservateur adjoint à la Bibliotheque Nationale), com o concurso de numerosos e cultos colaboradores, inclui, como dissemos, na p. 98, o pseudônimo Allan Kardec, escrevendo-lhe assim o nome, de acordo com o registro de nascimento: “Denizard, Hippolyte, Léon Rivail”...
m) O “Nouveau Dictionnaire Encyclopédique Universel Illustré”, sob a direção de Jules Trousset (3º vol.), escreve: "KARDEC (Hippolyle-Léon-Denizard RIVAIL)”...
n) “La Grande Encyclopédie”, por uma "Société de Savants et de Gens de Lettres" (1885-1902), escreve no volume 28: "RIVAIL. (Hippolyte-LéonDenizard)”...
o) O tomo II (1900), coluna 319, do "Cataloque Général des livres imprimés de la Bibliothèque Nationale”, Paris, regista assim o nome de Allan Kardec: Hippolyte-Léon-Denizard Rivail. Nas colunas seguintes, o mesmo "Catálogo", ao relacionar-lhe as obras pedagógicas, põe sempre: H.-L.-D. Rivail.
Apenas por essa amostra, incompleta. podem os leitores verificar haver uma quase unanimidade na maneira de se grafar a palavra principal em estudo.
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(124) Henri Sausse - “Biographie d'Allan Kardec” (Nouvelle Édition), 1910, p. 12; 4me édition (1927), pp. 18 e 19.
(125) idem, ibidem, p. 14; id. ib., p. 22.
(126) O Dicionário não traz a data de publicação, nem no primeiro nem no segundo e último tomo. Ramiz Galvão coloca-lhe o aparecimento em 1865-1870.
(WANTUIL e THIESEN, vol. I, 2004, p. 228-231) (grifo nosso).
O escritor Jorge Rizzini (1924-2008), mantém-se firme na escolha do nome que consta da certidão de nascimento, alegando que é esse que vale, por originar de documento oficial. Além disso, ele tece as seguintes considerações sobre a pesquisa de Wantuil:
Quer Zeus Wantuil que o nome civil de Kardec seja “Hippolyte León Denizard Rivail”. Entre seus argumentos destaca o registro de batismo e o de casamento. O primeiro nada representa, afirmemos logo. A certidão de nascimento, sim, pois é expedida pelas autoridades do país. Ninguém pode provar a filiação e a autenticidade de seu nome senão através da certidão de nascimento; com ela é que se obtêm os demais documentos.
Resta a certidão de casamento, na qual, muito estranhamente, se apoia Zeus Wantuil – estranhamente, repetimos, porque ninguém, que no Brasil quer no estrangeiro, divulgou-a. Mas, é óbvio, Allan Kardec não poderia casar-se no civil sem antes apresentar sua certidão de nascimento; mesmo que se casasse na igreja teria que fazê-lo. Assim, na certidão de casamento de Kardec há de constar, também, seu verdadeiro nome: Denizard Hippolyte León Rivail. (RIZZINI, 1995, p. 11).
Jorge Rizzini restringiu demais a base de Zêus Wantuil, que, como vimos logo acima, é bem mais extensa do que aquela que nos quer fazer crer Rizzini, inclusive, nela se vê que a grande maioria das fontes citadas por Wantuil utiliza 6 Hippolyte Léon Denizard Rivail.
Quanto à certidão de casamento, que Rizzini alega que nela deve constar o nome da certidão de nascimento, que supõe que teria sido apresentada, parece-nos que se deu justamente o contrário, pois observa-se que, na certidão de casamento, consta exatamente a grafa não aceita por Rizzini; mas aquela defendida por Wantuil, ou seja, Hippolyte Léon Denizard Rivail.
Oportuno, também, ressaltar que não é só Wantuil que cita a certidão de casamento, podemos encontrá-la em Jorge Damas e Stenio Monteiro, que, inclusive, apresentam um fac-símile dela (MARTINS e BARROS, 1999, encarte entre as páginas 50 e 51).
Na revista Reformador encontramos o texto “Allan Kardec e o seu Nome Civil” (p. 24-28) de autoria de Washington Luiz Nogueira Fernandes (?-), do qual transcreveremos e, conforme o caso, comentar alguns trechos:
Nossa visão destes assuntos sempre foi mais documental, e não literária.
Assim, de posse de cópias dos documentos civis e certidões, isto é, de Fontes Primárias de informação, tudo seria esclarecido, não importando debates linguísticos, ou o que consta em livros de terceiros, que já seriam Fontes Secundárias, portanto, de valor menor, no tocante a esse assunto. (FERNANDES, 2000, p. 24).
Concordamos plenamente com o autor, e reconhecemos a nossa dificuldade em não ter as fontes originais. Entretanto, a coisa não é tão tranquila assim, pois mesmo naqueles que dizem ter as essas fontes, encontramos problemas como ver-se-á mais à frente ao apresentarmos fac-símile da certidão de nascimento de Kardec.
Com relação ao nome civil, positivamente, o que vale é o registro de nascimento, que justamente atribui nome e personalidade civil a alguém. O Código Napoleônico francês (1804) somente fez breves referências a esta matéria, sendo depois completada pelos textos das leis intermediárias e pela jurisprudência.
Se, por acaso, o nome no registro de nascimento fosse feito com algum erro linguístico, semântico, etc., o seu dono teria que carregar este nome até o fim da vida, em qualquer lugar do mundo, ressalvado o caso de alterá-lo.
Foi o Ato de Nascimento que atribuiu existência civil a Rivail, e através do qual ele recebeu um nome e identidade. Citações em dicionários, enciclopédias e catálogos referentes a este nome, ainda que publicados no decorrer da vida de Rivail, valeriam apenas como um registro cultural ou filológico, sem nenhum alcance para o registro civil. (FERNANDES, 2000, p. 25).
Está coberto de razão, porém, devemos conhecer melhor certos detalhes que podem mudar aquilo que julgamos ser correto. No caso da certidão de nascimento, inclusive, o próprio autor constata isso neste texto, após Denizard há uma vírgula, e esse pequeno sinal gráfico não poderia mudar tudo? Sobre esse detalhe, argumenta Washington Luiz, em sua conclusão:
— Definitivamente, o verdadeiro nome, e o registro civil de Allan Kardec é:
Denisard Hypolite Léon Rivail; observamos que a vírgula após o prenome Denisard é um procedimento usado ainda hoje nas certidões de nascimento francesas, que colocam, aliás, vírgula após cada termo do nome; se ele nascesse hoje, seria registrado como Denisard, Hypolite, Léon, Rivail, aparecendo uma vírgula após cada termo; não podemos confundir isto com citações bibliográficas, que colocam primeiro o sobrenome e depois a vírgula (Ex: Kardec, Allan), porque são coisas totalmente diferentes. Portanto, para efeito de saber o nome correto de alguém, à vista de sua certidão de nascimento francesa, pode-se ignorar a vírgula em sua certidão; (FERNANDES, 2000, p. 27, grifo nosso).
Estaria tudo certo não fosse o que nos traz Júlio Abreu Filho (1893-1971), quanto à questão da vírgula:
Há entre os espíritas uma certa confusão quanto ao nome do Codificador, por falta de acomodação entre o sistema francês e o nosso de citar o nome das pessoas. Para uns o menino em questão era Léon, para outros Denizard e, ainda para um terceiro grupo, Hippolyte. É que, de um modo geral, nós ignoramos que:
I – na França é comum acrescentar-se ao prenome do menino o de um ou dois avós;
II – nas famílias nobres esse acréscimo se torna abusivo;
III – por vezes adiciona-se ao prenome do ascendente masculino o do padrinho;
IV – nos documentos oficiais é praxe escrever em primeiro lugar o nome da família e depois os prenomes.
Assim, no caso vertente, o prenome é Hippolyte; os prenomes adicionais, Léon e Denizard e o nome de família, Rivail. Comumente se escreve Hippolyte-LéonDenizard Rivail, enquanto que nos documentos oficiais escrever-se-ia Rivail Hippolyte-Léon-Denizard.
E, escrevendo certo, justo é se exija a pronúncia correta.
Perdoem-nos os espíritas a exigência: é que não compreendemos não se saiba grafar e, menos ainda, pronunciar nome tão respeitável e que nos é sobremaneira caro. Seria uma falta de respeito. (ABREU FILHO, 1995, p. 9-10, grifo nosso).
Nota-se que não são concordantes as opiniões de Washington Luiz e Júlio Abreu, quanto à questão da vírgula, embora, a deste último ter uma aparência de mais coerente, apesar de a forma proposta não ser exatamente a que consta da certidão de nascimento.
Um pouco atrás falamos da dificuldade dos que se lançam a pesquisar os fatos em ter em mãos as fontes originais, o que hoje já não se justifca, porquanto, com todos os recursos de informática disponíveis, esses documentos já deveriam estar disponibilizados em algum site de alguma das Instituições que dizem representar o Movimento Espírita.
Para se ter uma boa ideia, dessa dificuldade, vejamos, por exemplo, a certidão de nascimento de Kardec. Conseguimos três fac-símiles; dois nas obras que utilizamos e um na Internet [ver aqui], aqui estão:
Embora os autores de Allan Kardec – Análise
de Documentos Biográficos, Martins e
Barros, não tenham mencionada a fonte da qual tomaram essa imagem, ao que
descobrimos por gentil informação de um amigo, ela corresponde a arquivada nos Archives
Municipales de Lyon (nota 1),
apenas apresentam os caracteres mais “fortes”, provavelmente, por edição da
imagem original, conforme se poderá ver no fac-símile, um pouco mais à frente.
Em Allan Kardec – o educador e o codificador, vol. I, em “Adendo Esclarecedor (Novos detalhes históricos)”, os autores Wantuil e Thiesen, que a fonte utilizada foi a pesquisa realizada pela Srª Teresinha Rey, de Genebra Suíça.
Comparando-se as duas imagens, vemos claramente que a fonte não pode ter sido a mesma, pois há diferença entre elas, especialmente, quanto à letra, que, embora seja muito semelhante não é a mesma. Fora a questão do local onde consta os selos. Fato que você, caro leitor, poderá pessoalmente constatar.
O problema é que todos são utilizados como se fossem o original, o que nos fez lembrarmos da frase atribuída a S. Jerônimo: “A verdade não pode existir em coisas que divergem”.
Apenas para que se possa comparar com o documento arquivado no Archives Municipales de Lyon, e aqui aproveitamos para agradecer ao amigo Carlos Seth Bastos, de Jacareí, SP, que nos informou sobre ele, trazemos o fac-símile dessa fonte (nota 2). A página com a Certidão de Nascimento de Allan Kardec é a da sua direita:
Certamente, que nem temos condições técnicas para apontar qual é a ordem correta; porém, mesmo assim arriscaríamos em dizer que, em princípio, seria a ordem utilizada pelo próprio Kardec no seu testamento, por razões, bem simples, não acreditamos que escrevesse seu nome errado, porquanto, portador de uma considerável cultura, isso, segundo pensamos, o impediria de utilizar uma ordem diferente da real, porém… Ah!, sempre aparece um porém, o que apresentaremos a seguir demostrará, exatamente, o contrário.
No apagar das luzes do ano de 2017, encontramos algo importante relacionado ao assunto, pois ele vem, inapelavelmente, definir qual o verdadeiro nome civil de Kardec que devemos utilizar
Simoni Privato Goidanich (1969- ), escritora e oradora espírita, publicou a obra El legado de Allan Kardec, em espanhol (nota 3), que informa ter sido resultado de pesquisa na Biblioteca Nacional da França, nos Arquivos Nacionais da França, na Confederação Espiritista Argentina e na Associação Espiritista Constância, de Buenos Aires.
Em 3 de outubro, Simoni Privato realizou a apresentação do livro na Confederação Espiritista da Argentina, cujo vídeo se encontra disponível no site do YouTube (9). A partir dos 39’’, ela aborda a questão do nome civil de Kardec, informando que a divergência na forma de escrevê-lo, resultou num processo judicial, no qual, após batida do malhete, definiu-se como: Denisard Hippolyte Léon Rivail. Isso pode ser muito bem ser confirmado nesta imagem apresentada pela Simoni Privato (9) na sua palestra:
Observamos que essa forma de escrever seu nome civil é bem próxima da que consta da Certidão de Nascimento, mas que ainda permaneceu a divergência no segundo nome, que aqui é grafado “Hippolyte” e na certidão como “Hypolite”, portanto, estavam “quase” certos todos os confrades que citamos que defendiam ser esse o documento que deveria decidir a questão.
E, para finalizar, gostaríamos de agradecer aos amigos que nos indicaram essa obra. Parece-nos que será, oportunamente, publicada em português.
Nosso objetivo ao tratar do tema não foi o de contestar ninguém que já tenha escrito algo sobre esse assunto, estamos apenas juntando o resultado de várias pesquisas realizadas, para que o leitor, ávido de conhecimento, possa tê-las reunidas num só lugar.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Mar/2012.
(revisado dez/2017)
Notas:
1) http://www.fondsenligne.archives-lyon.fr/ac69v2/genealogie.php?mode=1
2) Passo a passo: Entrar no link: http://www.fondsenligne.archives-lyon.fr/ac69v2/genealogie.php?mode=1; Preencher formulário: Commune: Lyon; Type d’acte: Baptêmes ou Naîssances; Registre ou table: Registre; Année/Période: 1804 à 1804. Na janela que abrir, escolha o último registro: “Lyon – Division du Midi – Naissance – Registre – 1 vendémiaire an XIII (23/09/1804)-5è jour complémentaire an XIII (22/09/1805) – 2E110”, depois de aberta escolha a página 9.
3) Em São Paulo, a 04.03.2018, no Seminário “150 anos de A Gênese – o resgate histórico” promovido pela União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (USE-SP), em parceria com o Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – Eduardo Carvalho Monteiro, Liga de Pesquisadores do Espiritismo (LIHPE) e Site Autores Clássicos Espíritas foi lançada a versão em português da obra (GOIDANICH, S. P. O Legado de Allan Kardec. São Paulo: Edição U.S.E./CCDP-ECM, 2018). Esse tema é tratado no capítulo 8, “A sucessão e a questão do nome civil de Allan Kardec”, p. 115-123.
Referência bibliográfica:
(1) ABREU FILHO, J. O principiante espírita. São Paulo: Pensamento, 1995.
(2) FERNANDES, W. L. N. Allan Kardec e o seu nome civil. in. Reformador, ano 118, nº 2052. Rio de Janeiro: FEB, março 2000, p. 24-28.
(3) INCONTRI, D. e GRZYBOWSKI, P. (org) Kardec Educador. Bragança Paulista, SP: Ed. 12 Comenius, 2005.
(4) LACHÂTRE, M. Allan Kardec in. COSTA NUNES, B. H et al. Em torno do Rivail. Bragança Paulista, SP: Lachâtre, 2004.
(5) MARTINS, J. D. e BARROS, S. M. Allan Kardec: análise de documentos biográficos. São Paulo: Lachâtre, 1999.
(6) RIZZINI, J. Kardec, irmãs Fox e outros. Capivari, SP: EME, 1995.
(7) WANTUIL, Z. e THIESEN, F. Allan Kardec: o educador e o codifcador, vol. I. Rio de Janeiro: FEB, 2004.
(8) WANTUIL, Z. e THIESEN, F. Allan Kardec: o educador e o codifcador, vol. II. Rio de Janeiro: FEB, 2004.
(9) GOIDANICH, S. P. El legado de Allan Kardec – presentación en la Confederación Espiritista Argentina, https://www.youtube.com/watch?v=SddznxO66zE&t=823s. Acesso em 20 dez. 2017.
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