10 coisas boas e ruins no filme "Kardec:" de Wagner de Assis que todo mundo precisa saber
Passa-se o ano e fica o filme, que, para muitos, foi uma oportunidade de conhecer um pouco da biografia do codificador do Espiritismo, através dos cômodos e agradáveis recursos das telonas. Então, por algum tempo, o filme servirá para muita gente como a principal referência biográfica de Kardec. Por isso, nos interessamos em listar as 10 coisas — boas e más — desse longa, para esclarecer os interessados em conhecer melhor Allan Kardec.
Diretor Wagner de Assis
Vamos lá:
1.CINEMA NÃO É ENCICLOPÉDIA
A primeira coisa que se deve saber sobre Kardec - a história por trás do nome é que ele não é um verbete de enciclopédia, não é exatamente um capítulo de livro didático de História; portanto, ele não tem compromisso direto com a exatidão dos fatos. A exemplo de toda cinebiografia, ele é "baseado" em fatos reais, e, como peça artística, está recheado de inserções fictícias, criações, invenções, coisas não reais, que não aconteceram de verdade, colocadas no filme para diversos fins, desde "enfeitar o filme" como também ilustrar e sintetizar ideias concretas do personagem. Conclusão: quem quiser conhecer a verdadeira história de Allan Kardec terá que consultar outras fontes, por exemplo, o livro Obras Póstumas, que contém anotações do diário do próprio pioneiro espírita. Aliás, baseado nesses relatos, o documentário Espiritismo - de Kardec aos dias de hoje, dirigido por Marcelo Taranto, segue uma linha mais literal e — digamos — mais fidedigna, historiograficamente falando.
Todavia, mesmo que não se possa "confiar" em tudo o que mostra o filme de Wagner de Assis, ele também se configura uma boa ilustração da riquíssima biografia do codificador espírita. Noutras palavras, vale a pena assisti-lo!
2. O FILME É LINDO
Em geral, cinebiografias não são bem vistas, costumam ser chatas ou polêmicas (principalmente quando o roteira exagera nas inserções e distorcem demais a história real — seja para enaltecer, seja para denegrir a imagem do personagem biografado). E, para a crítica em geral, menos atrativos ainda são os de temática religiosa.
Porém, Kardec - a história por trás do nome é bom em tudo. Não é nada apelativo (por exemplo, não faz de Kardec nenhuma santidade), nem monótono: os diálogos são rápidos e precisos para ilustrar os fatos; os cenários, o figurino, a iluminação, os efeitos visuais... tudo muito bonito e em conforme com aquele século XIX.
3. INTERPRETAÇÃO
Um dos pontos mais positivos do filme é a interpretação dos atores: desde Leonardo Medeiros, que faz o protagonista, até os papeis menores, todos os atores entregaram-se de corpo e alma nesse trabalho e o resultado é impressionante para os padrões nacionais. Para se ter uma ideia, até mesmo o "mudo" General, interpretado por Christian Baltauss, tem uma presença forte em todas as cenas em que aparece.
4. MADAME KARDEC FEMME FORTE
Outra coisa muito boa do filme — e que certamente surpreendeu muita gente — foi o caráter altivo da Senhora Kardec, Amélie-Gabrielle Boudet, cujos registros de que temos conhecimento, realmente mostram que foi uma mulher bastante participativa no trabalho de Kardec na codificação do Espiritismo. Uma verdadeira femme forte, infelizmente não tão reconhecida pelos próprios espíritas. E, diga-se de passagem, a atriz Sandra Corveloni incorporou Amélie com excelência.
5. PROFESSOR RIVAIL
O roteiro fez muito bem em informar aos novatos que antes do Kardec havia um Professor Rivail. E mais, um educador não apenas amoroso e dedicado em ensinar, como também brincalhão, quebrando a ideia que muita gente tem de um homem excessivamente sério, carrancudo, tal como ele aparece em fotografias.
Ora, muita gente pensa que o "inventor do Espiritismo" nasceu pronto para esta missão e desde cedo começou sua campanha de divulgação espírita, ocupando-se exclusivamente disso; na verdade, quando Kardec surgiu, Rivail já era um homem de cinquenta anos, já um idoso para a época, com a vida mais ou menos estabelecida financeiramente e muito descrente de que fosse ser o fundador de uma doutrina tão revolucionária quando a do Espiritismo. O filme de Wagner de Assis acertou em cheio ao mostra esse fato histórico tão relevante para compreendermos a origem da Doutrina Espírita.
6. AS IRMÃS BAUDIN
Wagner de Assis colocou duas meninas para vivenciarem as irmãs Baudin: Letícia Braga e Júlia Svacinna deram vida a Julie e Caroline Baudin, respectivamente, seguindo a linha lendária dentro do movimento espírita de transmitir uma ideia de mais pureza na obra de Kardec por ele ter se servido da mediunidade de inocentes mocinhas para compor sua obra básica O Livro dos Espíritos.
Mas todos precisam saber que a história real não é bem assim. De fato as irmãs Baudin contribuíram substancialmente com Kardec, mas elas não eram novinhas, como ficou concretamente demonstrado pelo trabalho de pesquisa do nosso confrade Carlos Seth Bastos (em A verdadeira identidade das primeiras médiuns utilizadas por Kardec): quando elas começaram a emprestar sua mediunidade ao codificador, em 1855, elas tinham: 28 anos Caroline, e a 26 a mais nova, que, aliás, não se chamava Julie, mas sim Pélagie.
Involuntariamente o filme perpetuo esse equívoco histórico, mas é perdoável. Crianças médiuns e intermediárias de obras extraordinárias é uma coisa absolutamente real. Um exemplo clássico é Ermance Dufaux, que as 6 anos de idade psicografou a autobiografia de São Luiz, e aos 8 a da heroína francesa Joanna d'Arc. Interessante é que no filme de Wagner de Assis, Ermance foi interpretada brilhantemente por Louise D'Tuani, embora, ao nosso ver, crescidinha demais para a personagem.
7. KARDEC APAVORADO
Valendo-se da "licença artística" para rechear seu filme, Wagner pintou uns traços peculiares a Kardec, para torná-lo "mais humano", cremos, desmistificando a ideia de que tenha sido alguém a todo o tempo "perfeito" e "soberano" no que fazia. OK!
Entretanto, pensamos que tenha exagerado na dose em roteirizar um Kardec apavorado em alguns momentos. Não é medo, mas pavor mesmo o que o mestre lionês demonstra em certas cenas: pavor de perseguições dos adversários do Espiritismo, inclusive aparecem no longa dois homens desconhecidos algumas vezes seguindo Kardec pelas ruas de Paris, sendo que mais tarde se vê que eles não eram maus e até socorrem o codificador num lance embaraçoso, caído na borda do Rio Sena.
Essa inserção soa um pouco forçada, mas tudo bem.
8. A PRISÃO DE KARDEC
O ponto negativo do filme, a nosso ver, é mesmo o da prisão de Kardec. Consideramos que um fato de tal magnitude teria implicações graves e, por isso, tal inserção não nos pareceu uma boa ideia.
Mas no caso da prisão de Kardec, não vemos um propósito justificável para essa criação. Na ficção do longa, ele é detido em razão de formar uma sociedade sem autorização expressa, o que absolutamente não ocorreu: homem da lei, Kardec formalizou a Sociedade Parisiense de Estudos Espiritas junto às autoridades (com a ajuda de Sr. Dufaux, aqui interpretado por Dalton Vigh, que tinha amizade com o "prefeito de polícia", encarregado desse tipo de legalização) e só depois de conseguida a devida autorização é que ele abriu as objetivamente sessões. Então, não vemos como boa ideia essa inserção. Desnecessária, no mínimo.
9. O EMBATE COM O PADRE BOUTIN
Genézio de Barros interpreta o padre Boutin, uma invenção de Wagner de Assis para simbolizar o confronto que a Doutrina Espírita teve frente a igreja católica. Aqui, particularmente, a inserção faz sentido. Todavia, o que não nos pareceu boa foi a ideia de Kardec, uma vez preso, precisar da ajuda do sacerdote para ser solto da cadeia — um ato de "misericórdia" que, sinceramente, não acreditamos plausível na vida real, no contexto daquela época. Cremos que o mais factível seria a igreja, se ainda tivesse o mesmo poder dos anos áureos da Inquisição, mandar queimar Allan Kardec vivo em praça pública, como o fez com os seus livros no chamado Auto de Fé de Barcelona, aliás, contido no filme.
10. CONCLUSÃO
A nossa avaliação final é a de que o filme é muito bom e, sem dúvidas, ajudou a divulgar a doutrina, no entanto, fica o alerta para todos que é necessário ir mais a fundo para se conhecer Allan Kardec e, portanto, não confiar inteiramente nos relatos contidos no filme.
Para finalizar, alertamos que o livro Kardec - a biografia, de autoria de Marcel Souto Maior, que serviu de base para o roteiro de Kardec - a história por trás do nome, também precisa de uma boa revisão. Escritos a partir das informações da época (lançado em 2013), esse livro foi um estupendo trabalho e também muito serviu para popularizar a vida e obra do codificador do Espiritismo para o público fora do meio espírita, só que hoje nós temos acesso a muitas novas fontes históricas — seguras e determinantes — para montarmos uma imagem mais real de Allan Kardec. E vem mais por aí, como se espera do Projeto Cartas de Kardec.
O que esperamos então é que novas mídias venham oferecer a todos os interessados melhores meios para conhecermos Kardec e a origem do Espiritismo, porquanto há muito o que ser mostrado; tanto a biografia do codificador quanto a Doutrina Espírita têm muita coisa boa para ser explorada. E merecem nossa audiência. Nessa sucessão de lançamentos, os trabalhos como o livro de Marcel Souto Maior e o filme de Wagner de Assis não serão desvalorizados: seus esforços já fizeram o seu tempo e marcaram seus nomes na História do movimento espírita pela contribuição que deram para a propagação da doutrina.
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