domingo, 19 de agosto de 2018

Ensaio: "O Espiritismo na vida real" por Daniel Strutenskey de Macedo


Recebemos por E-mail uma interessante reflexão sobre o movimento espírita atual, representando o que o autor chama de "Espiritismo na vida real", de tal qualidade que não hesitamos em ofertar a todos, na expectativa de que sirva para que cada qual, analisando as nossas potencialidades e nossas responsabilidades, cuidemos de contribuir para o intento que a espiritualidade nos confiou diante desta dádiva dos céus à Humanidade que é o Espiritismo.

O autor deste ensaio é Daniel Strutenskey de Macedo, 73 anos, matemático com especialização em computação, atualmente aposentado. foi por vinte anos diretor secretário e do Conselho da Instituição Assistencial Espírita Lar Bom Repouso em São Caetano do Sul, do qual foi cofundador; participou do Centro Espírita Casa Grande do Caminho, ligado ao Lar Bom Repouso, do Centro Irmã Itália, do Centro Aprendizes do Evangelho e da Mocidade Espírita quando jovem. Todos em São Caetano do Sul.

Por que vale a pena apreciarmos, eis o ensaio:


O ESPIRITISMO NA VIDA REAL
Por que na vida real? Porque acho que os movimentos religiosos são formados por ideais e o idealizado está sempre muito à frente da realidade, é um alvo a ser atingido.  Os ideais são guias. Lembra a frase “os ideais são como as estrelas, inatingíveis, mas no meio do oceano revolto e sem bussola, os marinheiros se orientam pelas estrelas”.
A leitura da obra de Allan Kardec revela o compromisso do autor com a razão, com a ciência, mas revela igualmente seu compromisso com o ideal cristão. Allan Kardec escreveu que o espiritismo seria o que os espíritas fizessem dele. Sabia, portanto, que havia plantado um ideal em forma de semente e que seria naturalmente transformado pelos seguidores através do tempo.
Na prática, na vida real, os centros espíritas que conheci existiam em função da mediunidade do fundador e de sua fé no ideal espírita cristão. Era o médium e a sua atividade mediúnica que atraiam as pessoas, principalmente as pessoas que almejavam curas que a medicina não podia proporcionar e as que tinham faculdades mediúnicas e se sentiam incomodadas e perturbadas pelos sintomas. Estas eram as portas de entrada do povo ao espiritismo. Raros os que procuravam os centros em função de sua filosofia e seu ideal cristão. Esta porta, estreita, era utilizada pelos intelectuais.   
Após a fase inicial, de publicações de livros básicos da doutrina (os de Kardec e seus contemporâneos), surgiram livros com histórias romanceadas, pois o romance já havia se tornado um bom veículo para explicações e doutrinações. O romance é repleto de sentimento, provoca emoções. Atrai e prende a atenção do leitor. As emoções, ao cercar as explicações, fazem com que estas fiquem gravadas na memória e tornem-se referências. Quem leu Paulo e Estevão do Chico Xavier sabe ao que estou me referindo, pois a narrativa comove. Quem leu Ivone Pereira fica aterrorizado. Todavia, apesar de bizarra, a emoção do medo é eficaz e fixa o conteúdo e o exemplo que a autora quer transmitir. A literatura espírita é composta por milhares de obras e por isto alcançou o público leitor, que no Brasil é pequeno. Em geral, o leitor de livros espíritas é o frequentador dos centros espíritas. O movimento tem disseminado a cultura da leitura para a compreensão do espiritismo e como afirmação de fé.
Os feitos extraordinários de vários médiuns midiáticos e de muitos médiuns interessantes numa porção de centros fez com que os seguidores do espiritismo quisessem também ser médiuns. Os dirigentes tinham consciência da importância de bons médiuns para o sucesso dos centros e fomentaram os cursos de médiuns. Todavia, como a mediunidade que produz vidência, psicografia e incorporação útil é rara, a alternativa foi a de manter os frequentadores com sessões de passes e palestras. Antigamente, no meu tempo, décadas de 50 e 60, o passe era aplicado pelo médium incorporado (ligado ao um espírito amigo, protetor ou orientador). Junto com  o passe podia haver uma consulta. O espírito falava com quem tomava o passe. Era uma experiência diferente e interessante para o frequentador. Às vezes, surpreendente. Por vezes, o espírito trazia informações de parentes e amigos desencarnados do frequentador. Este contato do frequentador com espíritos e as surpreendentes revelações emocionavam as pessoas, as quais passavam a ter certeza da existência e da comunicação dos espíritos. Atualmente, desde 1980 para cá, os médiuns formados em escolas de médiuns não são propriamente médiuns, não possuem faculdades especiais, apenas conhecem alguns fundamentos da mediunidade e da doutrina. Os passistas não incorporam. Os espíritos não se comunicam com os frequentadores. Ao invés de uma consulta espiritual, é feita uma entrevista. O consultor preenche uma ficha do consulente e lhe oferece um cartão com direito a dez ou mais passes. E se acha que a pessoa tem mediunidade, recomenda que frequente a escola de médiuns.
Os centros agora atraem o público com palestras e passes. Por isto, os palestrantes utilizam todos os recursos de oratória para chamar a atenção e comover a plateia. Tornou-se comum os palestrantes espíritas serem palestrantes motivacionais e de autoajuda. Misturam a doutrina com narrativas de autoajuda. É também comum os doutores, principalmente os da área médica, proferirem de temas de cunho científico do espiritismo. Pelo fato de dominarem o vocabulário científico, conseguem a atenção e a confiança da plateia. Em geral, utilizam o vocabulário da parapsicologia e alguns se enveredam pelos temas místicos da teosofia.
No meu tempo, anos 50 e 60, os palestrantes eram médiuns e proferiam suas palestras com o auxílio de seus orientadores espirituais ou intelectuais com notório conhecimento das obras de Allan Kardec. Lembro-me de Chico Xavier e Divaldo Pereira Franco (notáveis médiuns) e de Jacob Holsmann Neto, Richard Simonetti e Herculano Freitas (notáveis intelectuais). Hoje, quando assisto às palestras, fico constrangido, pois tenho que me conter para não me pronunciar, tantas as bobagens proferidas pelos palestrantes. O espiritismo de 1960 atraiu jovens universitários e intelectuais. O Jacob foi, nesta época, o maior orador espírita do movimento. Todavia, como vivíamos uma época de ditadura e os dirigentes das Federações espíritas simpatizavam com política dos governos militares, as palestras com conteúdo social foram sendo banidas. Palestrantes que contam histórias emocionantes (e fantasiosas) como o notável Divaldo Franco tiveram a preferência e dominaram a cena.
Chico Xavier merece um reparo. Foi um caso à parte. Não era um palestrante, mas convidado para entrevistas na grande mídia devido à sua mediunidade e sua extraordinária obra literária espírita. Acho que sem o Chico Xavier, o espiritismo não teria alcançado um quarto da projeção que alcançou. Agora, sem ele, pois desencarnou, estamos novamente à pé. Talvez seja necessário voltarmos ao começo. Dar atenção especial à mediunidade e às comunicações espirituais. É preciso acabar com a história de que todo mundo é médium. Todos tem alguma mediunidade, mas para produzir comunicações úteis é preciso ser especial, ter uma faculdade à vista, à tona, às claras, insofismável, que produza fatos. Espiritismo não é autoajuda, é a doutrina dos espíritos. Reuni mediunidade, ideal cristão e intelecto.
Daniel Strutenskey de Macedo


Deixe sua opinião e compartilhe!

Um comentário:

  1. Acho que mais do que mediunidade, o Centro centro espírita deve divulgar ensinamentos morais, para que haja realmente evolução espiritual.

    ResponderExcluir