Necrólogo: Zíbia Gasparetto (1926-2018)


Retornou à pátria espiritual a médium e escritora espiritualista Zíbia Gasparetto. Ela desencarnou na tarde de ontem, em sua casa, em São Paulo. Zíbia tinha 92 anos de idade e estava se tratando de um câncer nos pâncreas. Seu corpo está sendo velado no cemitério de Congonhas, na Capital paulista, onde será sepultado hoje às 15h.

Zíbia nasceu em 29 de julho de 1926 na cidade de Campinas, interior de São Paulo, descendente de uma família italiana. Era casada, teve quatro filhos, dentre os quais o também médium Luiz Antonio Gasparetto, falecido em 3 de maio deste ano.


Desabrochar da mediunidade e iniciação no Espiritismo

Zibia conta que, em 1950, já mãe de dois filhos, teria acordado certa noite com um formigamento no corpo. Em seguida, teria se levantado e passado a andar pela casa como um homem, falando em alemão, idioma que desconhecia. O marido, surpreendido e assustado, recorreu ao auxílio de uma vizinha, que, ao chegar à residência da família, teria feito uma oração capaz de restabelecer Zíbia. No dia seguinte, Aldo Luiz dirigiu-se a uma livraria, onde adquiriu O Livro dos Espíritos. Juntos, teriam começado a estudar a Doutrina Espírita.


Aldo Luiz começou a frequentar as reuniões públicas da Federação Espírita do Estado de São Paulo - FEESP, mas Zíbia não tinha como acompanhá-lo, pois não tinha com quem deixar as crianças. Semanalmente, entretanto, faziam juntos um estudo no lar, período em que a médium diz que principiou a sensação de uma dor forte no braço direito, do cotovelo até a mão, que se mexia de um lado para o outro, sem que ela pudesse controlá-lo. Aldo Luiz colocou-lhe um lápis e papel à frente. Tomando-os, Zíbia teria começado a escrever rapidamente. Ao longo de alguns anos, uma vez por semana, foi psicografando desse modo o seu primeiro romance, O Amor Venceu, assinado pela entidade denominada Lucius.

Sua bibliografia é bem-sucedida: estima-se que tenha vendido cerca de 20 milhões de exemplares, sendo os seus livros mais conhecidos, além do estreante O Amor Venceu: Laços Eternos, Quando Chega a Hora, Vencendo o Passado e Ninguém é de Ninguém.

Saiba mais sobre a escritora pela entrevista que ela concedeu ao programa Todo Seu (TV Gazeta):




Espírita ou espiritualista?

Iniciada no Espiritismo, pela necessidade de compreender o desabrochar da sua mediunidade, Zíbia participou por um bom tempo da FEESP e, digamos, foi educada doutrinalmente conforme os princípios da Codificação Espírita contido nas obras de Allan Kardec. Com o passar do tempo, no entanto, ela própria deixou de se apresentar como "espírita", denominando-se então "espiritualista", alegando ter sofrido certa censura por parte dos kardecistas em razão de se beneficiar financeiramente da vendagem dos livros psicografados, além de críticas, vindas também do meio espírita, quanto a autenticidade de sua mediunidade e da justeza dos valores doutrinários (ou desvirtuamento) contidos em suas obras.


“Hoje não tenho religião, mas não me incomodo de ser chamada de espiritualista” — disse Zíbia, em entrevista à reportagem "A senhora dos espíritos" publicada pela revista Isto É (veja aqui). Na mesma ocasião, declarou ser francamente favorável à exploração econômica das obras mediúnicas e, rejeitando o preceito kardecista "Dai de graça o que de graça recebestes", inspirado no ensinamento do Cristo, a médium espiritualista fez uma revelação por demais polêmica, dizendo: “O Chico abriu mão dos direitos dos livros dele, mas uma vez chorou para mim, arrependido do que tinha feito”.

A família Gasparetto havia fundado em 1969 e vinha mantendo por muito tempo, com a venda das obras dos Gasparetto, uma instituição totalmente filantrópica, a "Associação Cristã de Cultura Espírita Os Caminheiros”. Depois que saíram da seara espírita, então fecharam aquele centro espírita e passaram a se dedicar exclusivamente à nascente Vida e Consciência, editora fundada por Zíbia com os filhos Luiz e Silvana. Nos dez anos seguintes, entre 1995 e 2005, produziu o que havia levado 37 anos para fazer quando ainda dividia seu tempo com as obrigações e compromissos espíritas.

“É curioso observar as mudanças na produção literária de Zibia depois das novidades apresentadas pelo Luiz”, afirma Sandra Jacqueline Stoll, doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo (USP) e autora do livro Espiritismo à Brasileira (Edusp, 2003). Pendendo pesadamente para a auto-ajuda, mas ainda com a rubrica de Lucius, seus novos livros venderam como água. O maior best-seller da carreira, Ninguém é de Ninguém, por exemplo, foi lançado em 2000 e vendeu 860 mil cópias. “Ela passou a seguir um ritmo de lançamentos parecido com o dos grandes autores”, diz Sandra. Com pelo menos um livro novo por ano, sempre em outubro, para pegar carona nas compras de Natal, ela chegou a emplacar dois títulos simultaneamente na lista de mais vendidos do País, feito que só autores do quilate de Paulo Coelho haviam conseguido — destaques da revista Isto É.


O Legado de Zíbia Gasparetto

É inegável a influência da obra de Zíbia. Seus livros foram a porta de entrada para muitas pessoas quebrarem preconceitos contra os conceitos de mediunidade, reencarnação e a lei de causa e efeito. Por suas novelas, muitos desembocaram no estudo da Doutrina Espírita e, com isso, avançaram consideravelmente em sua jornada de autoiluminação. E assim deverá continuar por muito tempo, porque seu bibliografia está bem difundida na nossa cultura contemporânea.

Entretanto, não falta que considere que essa contribuição venha a ser contrabalanceada — ou mesmo suplantada — pelo desserviço que, supostamente, tem marcado a trajetória dos Gasparetto a inobservância do desapego financeiro de que são fartamente acusados. E não só isso: o teor de seus romances — não raro considerados suspeitos, no que diz respeito à veracidade da inspiração espiritual — são questionáveis, doutrinalmente falando. São "Água com açúcar", dizem muitos, sem profundidade e, portanto, sem muito proveito para o aprendizado espiritual necessário para acelerarmos nosso curso evolutivo.

De nossa parte, deixando de lado as fraquezas pessoais — pelas quais cada qual responderá, inexoravelmente —, preferimos ponderar que Zíbia Gasparetto deixou sim uma grande contribuição para a propagação dos ensinamentos espirituais e, certamente, fez positivamente a diferença em muitas vidas, consolou a tantos e revivesceu a fé de muita gente, abrindo passagem para que essas consciências comecem a compreender os valores espíritas.

Nosso respeito aos familiares, amigos e simpatizantes da família e da obra dos Gasparetto, e à nossa irmã, que ora renasce na espiritualidade, nossas vibrações fraternais e votos de pronta-readaptação, para que continue sua jornada evolutiva e se habilite cada vez mais em compartilhar seus dons com toda a Humanidade.



Fonte: G1. Isto É.

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