Apanhado de críticas — justas ou nem tanto — ao filme Kardec
O filme Kardec: a história por trás do nome de Wagner de Assis continua em cartaz nos principais cinemas do Brasil e já ultrapassou e muito a média de público e arrecadação de produções nacionais, o que dá visibilidade ao projeto cujo pano de fundo, mesmo que indiretamente, é dar notoriedade ao codificador do Espiritismo e, com isso, também dar visibilidade à doutrina.
Esse sucesso de alguma forma obriga os críticos de cinema a trataremo do filme, mesmo a contragosto. Não é de espantar que o gênero de cinebiografias desagrade aos profissionais, ainda mais quando se trata de um personagem cuja trajetória tenha implicações religiosas, como é o caso de Kardec, já que o Espiritismo — embora não seja uma religião nos moldes tradicionais — toca essencialmente em questões afins.
Dissemos que quem é do ramo cinematográfico em geral não gosta do gênero de filmes biográficos. A razão é simples: cineastas gostam de criar, de "espetacularizar" o enredo e, por mais espetacular que seja a vida real de alguém, sua exposição no cinema incomoda os profissionais que se veem um tanto preso à "responsabilidade da vida real". E a realidade, ou a "verdadeira história" é matéria para historiadores, não cineastas. "Filme não é documentário, não é versão multimídia de verbete de enciclopédia" — diz-se comumente nos sets. Com isso, os resultados mais comum de filmes biográficos são: 1) gente que adorou o filme, quando vê sua causa bem representada; e 2) gente que o odiou, porque — e é praticamente inevitável — o filme acaba ou reduzindo a vida e a obra do personagem ou distorcendo e fantasiando a biografia.
Com a cinebiografia de Allan Kardec de Wagner de Assis não tem sido diferente: chove nas mídias uma enxurrada de críticas por parte uns (muitos deles alimentados pelo preconceito ao Espiritismo) e quase adoração por parte de outros (no afã de promover a doutrina). Mas tudo isso é válido, inclusive para ajudar no aperfeiçoamento de novas produções espíritas — que, desejamos, venham a surgir em breve. E o que não falta é matéria-prima na codificação e literatura espírita.
Mas é claro que, tanto no meio profissional quanto no meio espírita, há críticas pertinentes, sem preconceitos ou ufanismo. Vejamos algumas aqui:
Do jornal Folha de São Paulo, o crítico Thales de Menezes ressalta a fotografia da produção e a boa atuação dos atores, mas vê como problema o caráter doutrinário do filme: "O longa de Wagner de Assis apela direto a quem tem contato com o espiritismo ou pelo menos está de cabeça aberta para uma aproximação. O tom de panfleto, no caso, vem de um roteiro preocupado em listar conclusões que sustentem a proposta de normatizar o contato com os mortos.", escreve ele numa resenha cujo título é "Filme sobre Allan Kardec atrai apenas os iniciados no espiritismo" — o que tem a ver com um fato concreto, e preocupante, do envelhecimento do público espírita (Senhores dirigentes de casas espíritas, atentem-se para isso!). Não temos autorização para reproduzir o texto na íntegra, mas o mesmo encontra-se até então disponível livremente por este link.
De Brasília, Claito Freitas (cleiton.cesom@gmail.com), espírita e também produtor de filmes, contribui para o debate:
"Uma vida não cabe em duas horas. Fazer filmes biográficos não é fácil, pois é contar a vida de alguém, dias, meses, anos em poucos minutos, e com o filme do diretor Wagner de Assis, não é diferente, Resumir em 110min a vida de alguém com tantos fatos importantes. Escolher o que contar é sempre uma tarefa difícil do roteirista e do diretor, eles escolhem que recortes irão ser apresentados da vida do biografado, quais foram os fatos mais marcantes e quais dão uma boa cena, e no filme a narrativa criada envolve os principais pontos que o professor Rivail (Leonardo Medeiros) teve em sua busca de consolidar o Espiritismo."
Também anota aspectos interessantes da obra:
O filme tem uma fotografia muito bonita (Nonato Estrela), com figurinos que correspondem à época, uma estética de Paris bem produzida, uma cenografia retratada com ambientes fechados, apertados, que clamam com algo para serem revelados, com muitas técnicas de computação e usando a cor e luz como narrativas, por ser ambientado todo a luz de velas isso dá um tom de cor interessante na pele dos personagens e nas cenas, permitindo a fotografia brincar com as sombras e luz, vemos isso em cenas em que os livros lançados por Kardec estão bem iluminados contrastando com os ambientes a meia luz, percebemos também que os representantes da Igreja estão sempre um pouco mais escuros, a luz estaria definindo um antagonismo (antagonista: aquele que rivaliza com o protagonista) isso cria uma metáfora de que os livros trariam luzes à humanidade, tirando o velho mundo das trevas, vemos também estas sombras no filme quando ele mostra muitas pessoas morando nas ruas, uma França que mesmo sendo berço do século das luzes, ainda vivia com uma grande população na miséria. Situação que é bem colocada no roteiro com o professor Rivail falando sobre a solidariedade.
E pondera quanto ao caráter proselitista da produção:
É um filme para qualquer pessoa assistir, longe de religião, o filme mostra um professor e cientista buscando respostas através de métodos, de experimentação e pesquisas, que tem uma história muito inspiradora em um filme cheio de mensagens e aprendizados.
Ver mais em ArtEspirita.
Também do meio espírita, vale a pena ler a crítica do ator e dublador Fernando Peron, de São Paulo: "O Kardec do filme e o Kardec real", da qual pinçamos alguns trechos:
Se sua intenção é conhecer vida e obra de Allan Kardec através do filme, não seja preguiçoso a esse ponto. Seria o mesmo que pretender entrar numa universidade, sentar no banco e fazer graduação, mestrado e doutorado em menos de duas horas. Para se compreender com justiça toda a envergadura espiritual de um dos maiores missionários de todos os tempos, suas virtudes, lutas e a importância de seu legado, só estudando muito, pesquisando mesmo, aprofundando-se nos livros biográficos sérios, na história do Espiritismo e, sobretudo, nas obras brilhantes e imperecíveis que ele produziu. Mas a isso, infelizmente, poucos se predispõem. Incluindo os espíritas.
Essa falta de conhecimento e de discernimento crítico, aliás, responde tanto pela incredulidade vazia dos não espíritas quanto pelo entusiasmo às vezes exagerado dos próprios espíritas, perante peças audiovisuais desse gênero. Qualquer um sabe – mas é como se não soubesse – que uma vida inteira não pode caber num espaço de tempo tão curto, nem um personagem que realmente existiu ser retratado com fidelidade absoluta numa cinebiografia ou mesmo num documentário. Seria, portanto, radicalismo exigir tal. Mas é razoável esperar bem mais do que foi apresentado por aqueles que assumiram o grave compromisso de levar às coletividades a representação artística de uma figura tão notável, íntegra e diferenciada quanto Allan Kardec.
Aí entram outra vez muitos de nossos companheiros espíritas, que, de maneira preocupante, se deslumbram fácil demais com o espetáculo e se descuidam da substância. Houve exceções, felizmente, mas ficamos chocados ao encontrar nessa relação diversos palestrantes e autores de renome, dirigentes e divulgadores, se debulhando em elogios nas redes sociais, mas sem examinar nada em profundidade, sem passar nada pelo crivo da razão, como ensinam, a propósito, os autores espirituais e encarnado de O Livro dos Espíritos(5). Até compreendemos as motivações ocultas de vários desses confrades, mas não podemos achar graciosa e inofensiva tamanha falta de percepção e processamento de informações.
A resenha de Felipe Branco da Cruz do site UOL é exemplar para corroborar a ideia da dificuldade que profissionais de cinema não espíritas têm para analisar um filme desse gênero sem cometer injustiças contra a doutrina. Primeiro ele minimiza o Espiritismo como uma religião comum — ou, talvez ainda melhor dito, como uma seita vulgar; depois vai considerar a fenomenologia espiritual como "mitologia".
Embora o diretor diga que "Kardec" não é um filme espírita, seu público provavelmente será e seu grande mérito é o de contar a história do espírita para quem ainda não o conhece e o de reforçar a sua mitologia entre aqueles que já estudam a sua vida.
A partir daí ele se espanta com o "didatismo impresso no roteiro". Diz ele: "Mas, como cinema, o filme não é bom. O roteiro é demasiado didático" — como se fosse possível abolir a didática de uma obra exatamente a respeito de um especialista em Didática, cujo maior mérito de sua vida e obra não foi outra coisa senão justamente compilar didaticamente uma imensidão de descobertas e consequências de forma a sistematizar uma doutrina ao mesmo tempo complexa e concisa, tão bem exposta nos livros de Kardec. Por ignorar essa complexidade, o crítico prefere dizer que "o filme peca por tentar explicar o inexplicável". Ver a resenha na íntegra no portal UOL.
Continuaremos analisando as críticas ao filme, no sentido de fazer com que as pessoas interessadas em conhecer o verdadeiro Allan Kardec — e, por extensão, compreender melhor a Doutrina Espírita, que é o mais fundamental — possam então enriquecer suas reflexões com as diversas óticas de pessoas mais experientes com a arte cinematográfica.
Contribua também com esse debate saudável deixando a sua opinião.
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