Ensaio: "A Ciência avançou, de 1868 para cá?" por Marcelo Henrique
Este é
um questionamento capital em sede de Espiritismo. Afinal de contas, no período
inaugural da Filosofia Espírita, com Kardec à frente do chamado "movimento
espírita originário", o seu rigor lógico-sistemático-metodológico, a sua
adstrição ao modelo filosófico por ele concebido e a experimentação científica
praticamente restrita aos contextos da psicografia — apesar de seu atento olhar
ter vislumbrado os demais fenômenos mediúnicos ou de intercâmbio entre as
inteligências desencarnadas com as — o levaram a estruturar um
sistema claro, baseado em duas premissas fundamentais.
A
primeira delas o livre exame de toda e qualquer produção psicográfica,
submetida ao Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos (CUEE), para, somente
admitir como componentes da Doutrina dos Espíritos aquelas informações dadas
por diferentes médiuns em distintos momentos, SEM CONTATO ou COMUNICAÇÃO entre
os receptores, fique isto bem claro, assim como sem possibilidade alguma de
influência de uma mensagem prévia nas subsequentes.
A
segunda, não menos importante, prescrevendo que o Espiritismo estaria em marcha
e seria, sempre, progressivo, em termos de "revelações" espirituais,
calcadas em novos exercícios de psicografia e na análise sobre os textos, em
cotejo com princípios e fundamentos espiritistas, admitindo, inclusive, que
novos princípios poderiam ser agregados. Mas não se limitou ao “progresso”
advindo do intercâmbio mediúnico, como estabeleceu, conforme o trecho contido
na parte final do item 55, do Capítulo I, de “A Gênese” (edição restaurada,
publicada pela FEAL em maio de 2018), que os espíritas estivessem sempre
atentos aos avanços científicos.
É o
texto kardeciano: “Avançando com o progresso, o Espiritismo jamais será superado, pois, se novas descobertas demonstrarem estar em erro em um
determinado ponto, ele se modificará sobre esse ponto. Se uma nova verdade se revela, ele a aceita” (Tradução de Carlos de Brito Imbassahy).
Ou
seja, dois seriam os caminhos necessários para a ATUALIZAÇÃO ou PROGRESSIVIDADE
dos conceitos espíritas: 1) a existência de novas comunicações, advindas dos
Espíritos (realmente) Superiores, balizadas no exame lógico-racional e em
comparação com os princípios e fundamentos espíritas, posto que não poderiam
ser, jamais, contrários a estes, e que
poderiam rever informes contidos no contexto da Codificação (32 obras de
Kardec), assim como tratar de temas e apresentar novos contornos a temas já
tratados pelo Professor francês; e, 2) a demonstração, por máximas (teorias)
científicas, calcadas em experimentos reconhecidos e validados pelas ciências
(considerando o amplo leque de ramos científicos), legitimados pelas academias
de todo o mundo.
Ora,
sabemos que a opção do Espiritismo à brasileira (movimento espírita brasileiro)
foi o completo distanciamento tanto das regras metodológicas acima expostas
quanto da própria sistemática de evocação de Espíritos, preferindo-se a
(tácita) aceitação das mensagens psicografadas, reconhecendo a autoridade de
médiuns — tidos como prodigiosos em função de suas características mediúnicas — assim como de Espíritos, baseados na autoidentificação que eles mesmo
apresentaram por meio das mensagens, buscando “aproximá-los” de personagens que
teriam sido vinculadas à proposta da religião cristã ou que teriam vivido em
nosso país. Ou seja, a “autoridade” proveio do reconhecimento (popular espírita?),
da eleição institucional (centros ou federações) e da não-contestação dos
“traços biográficos” que estes espíritos teriam informado aos seus
interlocutores. Em alguns casos, a vida física conhecida e atribuída ao ser
espiritual comunicante, guarda correlação com a produção mediúnica. Em outros,
nem isso é possível, seja porque o ser, quando encarnado, não teve uma história
pública conhecida e não foi reverenciado por nenhuma contribuição que possa ser
comprovada historicamente, ou se trata de personagem comum, sem expressão. Ou,
ainda, se-lhe atribuem uma identidade, vinculando-o a um “vulto histórico”, mas
que, as expressões de sua identidade espiritual são bastante distantes daquele
ser que a história registrou importância.
E
seguimos, nós, encurralados, por um lado, pelos progressos científicos — que já
são capazes de suplantar conceitos que apareceram nas obras kardecianas, até
porque tenham sido escritas e publicadas dentro do contexto
histórico-cultural-científico-literário da segunda metade do século XIX — e,
por outro, por nossa apatia generalizada, nossa autodeclaração de incapacidade
ou indigência cultural-filosófica-científica, seja para inquirir os Espíritos
Superiores, de modo sistemático e organizado, seja para filtrar, das
comunicações recebidas, com a mesma baliza de Rivail, para separar “joios” de
“trigos”.
A
Ciência — ou as Ciências — avançou. E nós?
A
pergunta que se faz para todos aqueles que se debruçam sobre a “obra mais
científica” de Kardec (“A Gênese”, em sua edição restaurada) é: — até quando?
Marcelo Henrique
Sempre interessantes suas abordagens, e muito instigante. À guisa de mera especulação, aduzo: a recepção de comunicações obtidas por meio de médiuns distintos, sem contato entre si, tornou-se, atualmente, virtualmente (haja virtualidade cibernética) impossível,de que infiro que o papel de encontrar ampliações dos conceitos espíritas depende, agora, de nosso raciocínio, apoiado por eventuais comunicações espirituais, mas após um correto estudo da base doutrinária; quanto aos avanços da ciência, trata-se, em minha limitada visão, de incorporar às técnicas de pesquisa novos equipamentos e metodologias, mas lembrando que as ciências todas têm seu foco nas diversas áreas da matéria, o que difere da existência espiritual (creio interessante registrar que ao falarmos da vida espiritual utilizamos, sempre, exemplos da matéria, pois é o que temos...). Enfim, é uma ótima provocação intelectual. Abraços!
ResponderExcluirInstigante a questão e atual, mas ficamos a mercê ainda do desconhecimento tanto da filosófia quanto da ciência espírita absolutamente abandonada como demostra o próprio artigo. Caminhos possíveis, buscar ampliar o conhecimento da filosófia e da prática cientifica espírita entre os reais interessados e depois sim, com certeza buscar referendar novos caminhos abertos pela demostração inovidável dos aspectos cientificos superados pelo tempo e também da necessidade de novas inquirições feitas a luminares atuais. Enfim, caminho a ser trilhado e urgente se queremos mesmo salvaquardar a boa doutrina da inércia atual proposital ou inocentemente acontecendo no meio. Vamos em frente no instigar mano Marcelo. Abraço.
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