quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Artigo "O Movimento Espírita repete a história do movimento cristão?", por Carlos Luiz


Apresentamos a seguir o artigo cujo título traz uma indagação pertinente: "O Movimento Espírita repete a história do movimento cristão?", assinado pelo sociólogo e estudioso espírita, nosso confrade
Carlos Luiz, de Fortaleza - Ceará, em complemento ao texto da postagem "Um fato singular", aqui postado em 15 do último janeiro.

Em pauta, a forçosa tese de adulteração das obras de Allan Kardec (ver O caso A Gênese), a responsabilidade dos envolvidos e um recorte histórico ilustrativo que bem serve de elemento comparativo para analisarmos os efeitos de tais campanhas: o episódio de uma estranha tradução feita para o livro O Evangelho segundo o Espiritismo, de Kardec, que mobilizou uma resposta até de certo modo enérgica de personagens respaldados no Movimento Espírita, tais quais o médium Chico Xavier e o filósofo José Herculano Pires.

Segue o artigo para a reflexão de todos:


O Movimento Espírita repete a história do movimento cristão?

"Guardai-vos dos falsos profetas, que se aproximam de vós disfarçados de ovelhas, e por dentro são lobos ferozes."
(Mateus, 7:15) [1]


O Espiritismo e o Cristianismo sofreram ataques desde o início

A história do Cristianismo é marcada por ataques bombásticos e sutis. Destruição física, devastação teórica e moral, nada disso é novo. Allan Kardec ensina que o Espiritismo é o Consolador, o continuador do Cristianismo e, por isso, deve passar pelas mesmas dificuldades e ataques que este passou.

No final de sua vida, o codificador aponta para uma interessante repetição histórica: a desfiguração da Doutrina Espírita, de forma semelhante a que ocorreu com o cristianismo primitivo, pelo docetismo. O objetivo central era idêntico: desmoralizar Jesus de Nazaré, o Cristo.

Não por acaso, Kardec classifica o roustainguismo de docetismo. Ambos, o docetismo e o roustainguismo não eram uma religião ou seita, mas uma corrente de pensamento que buscava se infiltrar: a primeira no cristianismo primitivo; a segunda no Consolador.

Apesar dos avisos de Kardec, na França, e de Cairbar Schutel e José Herculano Pires, no Brasil, o roustainguismo acabou se infiltrando no movimento espírita brasileiro, principalmente quando a Federação Espírita Brasileira tornara-se extraordinária divulgadora dessa corrente de pensamento anticristã.


Assim como o Cristianismo, o Espiritismo se institucionalizou

história se desenrola e como era de se esperar novos ataques surgem. Como ocorreu na Idade Média com o Cristianismo, o Espiritismo institucionalizou-se. Na época medieval, forma-se a Igreja romana; na atualidade, temos as grandes instituições espíritas que competem por legitimidade entre os milhões de espíritas brasileiros. Querem ser católicas, universais.

São instituições socialmente poderosas: possuem imenso patrimônio, milhares de colaboradores e associados e vultosos investimentos, portanto, significativos interesses financeiros.


O que dizem as instituições: precisamos salvar o Espiritismo!

Tudo se repete de forma acelerada. Instituições com poderosos interesses, associadas à líderes propagandísticos  que se intitulam "intelectuais" da doutrina, e em alguns casos também médiuns  que com afirmações às vezes sutis, outras vezes ostensivas. Apresentam-se como "iluminados" com a prerrogativa de  ao mesmo tempo em que ensinam Espiritismo às massas — corrigir o entendimento da doutrina de Kardec. Tão absorvidos estão na autoilusão, que para eles é natural desqualificar Kardec e seus mais legítimos continuadores. Claro, assim agem para nos salvar. Isso também não é novo, mas revela a fase que vivemos no movimento espírita: a fase inquisitorial.

Apenas um estudo minucioso da mente inquisitorial tornará compreensível o que hoje vivenciamos: a desfiguração da obra do codificador e da dignidade de seus continuadores sob o pretexto de servir a verdade. Nesse artigo, iniciamos essa análise.


As unhas do lobo

O primeiro ataque à codificação com elevadíssimo poder de destruição, quase tão destrutivo como o que estamos acompanhando hoje, aconteceu em São Paulo patrocinado por importante instituição desse estado: Federação Espírita do Estado de São Paulo - FEESP, apoiados pela Fundação Espírita André Luiz - FEAL, que, a título de reprimenda dos que contestaram a adulteração de O Evangelho Segundo o Espiritismo, acabou, por exemplo, com o programa de rádio de Jorge Rizzini  "Um passo no Além". Concomitantemente, o Grupo Espírita Emmanuel, de São Bernardo do Campo, afastou abruptamente Herculano Pires da direção do programa "No Limiar do Amanhã", da Rádio Mulher. [2]

Outra instituição que compactuou com a adulteração foi a USE - União Espírita do Estado de São Paulo, que, segundo o depoimento de José Herculano Pires, permaneceu em estranho silêncio sobre a adulteração até que todos os trinta mil exemplares do Evangelho adulterado fossem vendidos. Indaga Herculano: que forças impediram o pronunciamento que ficou engavetado durante três meses? [3]

É preciso entender que as investidas contra a Codificação existem desde a época do Mestre lionês, o que tornou o ataque do ano de 1974 perigosíssimo foi o apoio de importantes instituições que utilizaram, como acontece hoje, seus vastos recursos sociais, midiáticos e financeiros para a promoção da deformação da obra de Kardec.

Tudo está descrito no livro Na Hora do Testemunho, de autoria conjunta de Herculano Pires e Chico Xavier, com a participação do Espírito Emmanuel. Explica o livro: em 1974, já lidávamos com cardeais e bispos, reencarnados no movimento espírita, que revivem suas práticas de interpretação deturpada do Novo Testamento e que têm por objetivo, agora, o Consolador.

Em poema de aguda inteligência, intitulado A Ceia dos Cardeais, somos alertados:

A Codificação esquartejada e frita
exalava esse odor que ao estômago excita.
Velhos cardeais de outrora e bispos reencarnados,
trazendo inda por dentro as vestes purpuradas
mantinham cautamente as mãos entrecruzadas
à espreita do manjar, os olhos espichados.

─ Este é um raro petisco, um albatroz glorioso!
(exclamava um bispinho esquálido e faminto)
Com dois copos ou três de um belo vinho tinto
dá-nos o que nos falta, o êxtase do gozo!
Um fradeco rotundo, envolto em seu burel,
que de bispo fingia, iludindo os videntes,
agitava-se inquieto e dizia entre dentes:
─ Ave do Paraíso, um presente do céu!

─ Passe-me o coração, esse é o melhor pedaço!
(gritava antigo frei de convento da Espanha
que perdera o burel mas não perdera a manha)
Por causa dele fui internado no Espaço! [4]

O poema é por demais claro, prescinde de comentário.


A mentalidade inquisitorial da Era cristã

Para entendermos os atordoantes acontecimentos que presenciamos no movimento espírita, é imprescindível compreender como pensam e agem os bispos e cardeais que atuaram no domínio das populações medievais e nos subsequentes sistemas totalitários. Como afirma Jesus, é preciso muito cuidado com o fermento dos fariseus, de forma ainda mais explícita, alerta: são lobos vorazes com aparente mansidão e bondade.

A mentalidade inquisitorial foi forjada na arrogância e no abuso do poder. Defensores do Cristo, podiam anular as palavras do Mestre com suas teorias e, ao mesmo tempo, punir os que não os obedecessem.


Os ataques em nome da doutrina

Hoje, para espanto das pessoas sensatas, após a derrota no caso da adulteração de Evangelho Segundo o Espiritismo, condena-se a quinta edição de A Gênese e calunia-se os seguidores de Kardec, buscando impor interpretações esdrúxulas e desmoralizantes em nome da verdade sem nenhuma prova séria. Devem sentir imensa falta das fogueiras. Porém, mesmo sem possuí-las, permanecem muito destrutivos.

É preciso falar francamente, explicar como chegamos ao ponto inimaginável poucas décadas atrás: vemos espíritas, supostamente conhecedores da Doutrina Espírita, darem as mãos à instituições espíritas poderosas para deturpar a obra Kardequiana.


O ataque à 5ª edição de A Gênese e a convenção de Berna

O Espiritismo vive a sua hora mais escura. Depois que todas as fraquíssimas evidências históricas contra A Gênese e os continuadores de Kardec caíram por terra, esperava-se que a lucidez fosse reestabelecida. Mas, surge uma nova “prova”: a convenção de Berna. É inacreditável, mas verdadeiro, os espíritas usaram uma convenção de 1886 para justificar suas condenações à obra de Kardec. Não entrarei no mérito da apelação jurídica que deram a essa convenção, que é, inclusive, posterior, à referida publicação. Apenas indago: é justo utilizar-se de uma convenção do direito internacional para desqualificar Amelie Boudet ou diminuir o valor da obra do pioneiro espírita?


A condenação dos continuadores de Kardec

Ocupemo-nos, hoje, com a seguinte questão: por quê?

Uma característica da mente inquisitorial foi expressa por um inquisidor franciscano ao rei Felipe IV da França, no início dos anos 1300, disse ele que se os santos Pedro e Paulo tivessem comparecido perante seu tribunal, ele não teria dúvidas de que as técnicas que empregava seriam capazes de assegurar as condenações dos apóstolos. Essa é a explicação do aparentemente inexplicável: Kardec e seus continuadores sempre serão condenados. Os pretextos podem mudar, mas os inquisidores acreditam-se infalíveis. [5]

Continuaremos.


Referências:

[1] Bíblia do Peregrino, Editora Paulus, 2018.

[2] Na Hora do Testemunho, Francisco Cândido Xavier e José Herculano Pires, Item 'Na Hora do Testemunho'.

[3] Idem, Item 'A Trama da Adulteração'.

[4] Idem, Item 'A Ceia dos Cardeais'.

[5] O Júri de Deus: a formação do mundo moderno (God's Jury: The Inquisition and the Making of the Modern World), Cullen Murohy. Item 'A inquisição deles – e nossa' (Their Inquisition—and Ours).

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