quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

A Gênese revisada: cap. XVIII, item 20 suprimido - "Papel regenerador do Espiritismo


Para uma melhor compreensão desta postagem, ver o sumário Análise comparativa das alterações no livro A Gênese.

Vamos analisar aqui, dentro do livro A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, o item 20 do capítulo XVIII ("São chegados os tempos") presente na versão original da obra (da 1ª à 4ª edição) e excluído na edição revisada (desde a 5ª edição).

A supressão deste trecho tem sido uma das modificações apontadas como justificativa para negar a autenticidade da edição dita 'revisada, corrigida e aumentada", pois, conforme o entendimento dos que seguem essa ideia, trata-se de "um texto da mais alta importância doutrinária sobre o considerável papel do espiritismo na regeneração da humanidade:", como se lê no livro O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato Goidanich (ver cap. 11). Nesse sentido, viu-se aí um "grande prejuízo", pela lógica de que a sua exclusão representaria a anulação de seu enunciado; noutras palavras: a retirada desse item indicaria que seu conteúdo não era válido, como se agora o autor estivesse negando o que havia ali, como se o que estava contido no item 20 deixaria de ter validade. Por tal forma de pensar, a exclusão desse item, portanto, empobreceria esta nova edição ao ponto de se negar que ela seja aceita como obra de Kardec.

Mas então, vejamos o que consta nesse item suprimido:

N​esse grande movimento regenerador, o Espiritismo tem um papel considerável, não o Espiritismo ridículo inventado por uma crítica zombeteira, mas o Espiritismo filosófico, tal que o compreende qualquer um que dê o trabalho de procurar o miolo sob a casca.

Pelas provas que ele oferece das verdades fundamentais, ele preenche o vazio que a descrença gerou nas ideias e nas crenças; pela certeza que ele dá de um futuro conforme a justiça de Deus, e que a mais severa razão pode admitir, ele ameniza as amarguras da vida e previne os funestos efeitos da desesperança.

Ao promover as novas leis da natureza, ele dá a chave de fenômenos incompreensíveis e de fenômenos insolúveis até agora, e, através da fé, ele revoga a incredulidade e a superstição. Para ele, não há nem o sobrenatural e nem o fantasioso; tudo se efetua no mundo em virtude das leis imutáveis.

Longe de substituir um exclusivismo por outro, ele se coloca em defesa absoluta da liberdade de consciência; combate o fanatismo sob todas as formas e o arranca pela raiz ao proclamar a salvação para todos os homens de bem, e, para os mais imperfeitos — mediante seus esforços, através da expiação e da reparação — a possibilidade de chegar à perfeição que unicamente conduz à suprema felicidade. Ao invés de desencorajar o fraco, ele o encoraja ao lhe mostrar o porto ao qual pode chegar.

Ele não diz ​Fora do Espiritismo não há salvação​, mas diz, como o Cristo: ​Fora da Caridade não há salvação​, princípio de união, de tolerância, que reunirá os homens em um sentimento comum de fraternidade, em vez de dividi-los em seitas inimigas.

Por este outro princípio ​Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face em todas as épocas da humanidade​, ele destrói o império da fé cega que anula a razão, da obediência passiva que embrutece; ele emancipa a inteligência do homem e eleva sua moral.

Consequente consigo mesmo, ele não se impõe mais; ele diz o que é, o que quer o que oferece e espera que venhamos a ele livre e voluntariamente; quer ser aceito pela razão e não pela força. Ele respeita todas as crenças sinceras e combate apenas a incredulidade, o egoísmo, o orgulho e a hipocrisia — que são as chagas da sociedade e os mais sérios obstáculos ao progresso moral; porém, ele não lança maldição a ninguém, nem mesmo aos seus inimigos, pois está convencido de que o caminho do bem está aberto até para os mais imperfeitos, e que cedo ou tarde eles tomarão esse caminho.

Sem dúvidas, é um belo texto, em cujas entrelinhas desenvolvem-se uma gama de conceitos extraordinários que só encontramos na Doutrina Espírita, fazendo desta a via mais certa e segura para efetivarmos nosso projeto evolutivo.

Desta maneira, por que pensar que Kardec o excluiria numa revisão de seu livro?

Vamos sondar possibilidades...


KARDEC EDITANDO A GÊNESE

Uma das ideias do autor de A Gênese era, para uma edição desta obra, apresentar novas ideias doutrinárias sob a condição de não avolumar demais o livro, que já era (na publicação original) de considerável tamanho. Como fazer isso, então? — "Eliminando repetições, ora essa!". Foi isso que lhe disseram os Espíritos amigos, consultados justamente sobre tal propósito (saiba mais clicando aqui).

Em suma: seria preciso suprimir alguns trechos para abrir espaço para conteúdo novo. Mas o que suprimir do livro original? Tudo o que ali continha era tão preciso, importante e didaticamente elaborado para enriquecer o contexto de seu capítulo...! Qualquer trecho que dele se tirasse certamente seria, a rigor, um corte na pele!

O item 20 é, enfatizamos, uma bela composição: valoriza a doutrina, proclama sua justeza racional e excluí a ideia do sobrenatural...! Beleza! Mas já tudo isso é algo que já está tão intrínseco no conjunto da obra de Kardec que não é concebível imaginar Espiritismo de outra maneira. O dizer "Fora da Caridade não há salvação", inserido neste item, está tão consagrado no plano da Codificação Espírita que é considerado um lema, um bordão do Espiritismo (saiba mais aqui); está presente em vários artigos da Revista Espírita, está estampado em O que é o Espiritismo, no opúsculo Viagem Espírita em 1862 e figura o título de todo um capítulo em O Evangelho segundo o Espiritismo (cap. XV).

O outro bordão "Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face em todas as épocas da humanidade" é também uma repetição comum dentro da obra do mestre lionês; é uma proclamação do caráter racional da doutrina e, por conseguinte, a eliminação de qualquer hipótese mística, como, aliás, todo o conteúdo de A Gênese o é, em especial, porque foi elaborada justamente para isso. A exclusão desse item 20, porventura, desfaz o que se acha no restante da obra?

Pegue-se o último parágrafo deste item eliminado e poderemos ver como seria prejudicial se suas belas definições não tivessem jamais sido ditas por Kardec...! Mas, felizmente, toda a sua obra é o desenvolvimento dessas mesmas ideias, de modo que este breve resumo, sacrificado numa edição revisada, não faz desparecer algo tão cristalizado no entendimento de um bom espírita, entendedor dessa essência doutrinária.

Diz o autor, na Introdução do livro, que "Esta obra é, portanto, como já o dissemos, um complemento das aplicações do Espiritismo..." Isso quer dizer que, para quem realmente deseja inteirar-se da doutrina, faz-se necessário o estudo aprofundado de todo o conjunto da Codificação, não cabendo a um único livro a pretensão de esgotar todos os conceitos doutrinários. Logo, o que alguém sentir falta em A Gênese, especialmente na edição revisada, poderá ser encontrado facilmente nos demais livros, opúsculos e revistas da bibliografia kardecista, com o apelo para a compreensão que esta nova edição precisava ser um pouco enxugada para permitir conteúdos novos, conforme pretendia o autor.

Por acaso, é minimamente lúcido ponderar que a supressão deste item 20 signifique colocar sob suspeita estas definições tão claras na codificação kardequiana? Espiritismo deixa de ser regenerador devido essa exclusão?

Pensamos francamente que não.


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