segunda-feira, 21 de março de 2022

O primeiro Pinga-fogo com Chico Xavier


Em sequência à série de matérias especiais relacionadas à marca de duas décadas da desencarnação do nosso inesquecível Chico Xavier (ver aqui), que nos deixa, então, "20 anos de saudade", relembramos aqui um episódio que marcou a biografia daquele ser querido e ainda pode ser apontado como o grande divisor de águas para a divulgação do Espiritismo no Brasil: falamos da célebre entrevista do médium ao programa Pinga-Fogo da extinta TV Tupi, realizada em 28 de julho de 1971.


O mais temido programa

Pinga-Fogo do então canal 4 de São Paulo, antiga TV Tupi, era conhecido pelo temor que causava aos seus entrevistados, para o qual, por isso mesmo, nem todos os convidados à sabatina aceitavam o convite, pois a dinâmica do programa — como o próprio título sugere — era exatamente pôr seus entrevistados à prova do fogo, ou seja, submetê-los às questões mais delicadas e polêmicas concernentes à sua posição (política, social, artística, etc.). A propósito desse formato, tratar de mediunidade e Doutrina Espírita era um prato cheio para quem gosta de ver "o circo pegar fogo"; em tal contexto, penetram assuntos como religião, fé, ciência, ordem pública, mistérios e, no caso particular do Chico, o desafio de se atestar ou desmascarar a mais extraordinária força mediúnica dos tempos modernos.


A permissão de Emmanuel

A despeito de tantos convites para aparecer na televisão e no rádio, Chico Xavier mantinha-se recluso em seu cotidiano comum em Uberaba. Sua missão — dizia Emmanuel, seu mentor espiritual — era a de derramar luzes acerca da natureza espiritual através dos livros; precisava então ficar reservado e fugir de situações banais que perturbasse seu plano reencarnatório. Além disso, precisava se preparar.

No entanto, cumprida a fase prometida dos cem livros psicografados, e já bastante maduro para dar a cara à tapa, Chico Xavier recebeu a permissão para aceitar o convite de uma entrevista, convite esse feito há tempos, e cujas tratativas para a realização do programa demorou meses.

Mas tinha que ser justo um programa como o Pinga-Fogo — talvez Chico tenha pensado — cujos entrevistadores iriam preparados para, se possível, massacrar o semianalfabeto do interior de Minas Gerais?

Bom, era hora da prova de fogo.

Chico e Saulo Gomes, o repórter o levou ao Pinga-Fogo


A personalidade de Chico Xavier

Enfim, chegou o grande dia. O país inteiro parou para assistir ao programa. Estima-se que mais de 75% de todos os aparelhos televisores brasileiros estavam sintonizados nesta transmissão, cujo videotape já havia sido encomendo por outras tantas emissoras Brasil a dentro para uma retransmissão nos dias seguintes. O sucesso de audiência estava marcado. Faltava — como muitos esperavam — trucidar ao vivo o coitado do matuto e desbancar essa história de Espiritismo de uma vez, embora a bancada também fosse composta por um amigo e confrade espírita, o filósofo José Herculano Pires.

Chico não escondeu seu nervosismo inicial. Mas no decorrer das perguntas, foi se acomodando e ganhando a simpatia de todos. Também, pudera, além de contar com o auxílio constante do seu guia, Emmanuel, seu espírito cativante exalava tanta bondade e interesse em sua doutrina que o programa — cotado para durar uma hora e meia — se estendeu por três horas e meia, contando o tempo das interrupções para as propagandas, sem que ninguém demonstrasse maior cansaço.



A entrevista

A apresentação do programa ficou por conta do jornalista Almir Guimarães. Os entrevistadores foram: o repórter Saulo Gomes, repórter a analista político Reali Júnior, a jornalista Helle Alves, o jornalista e filósofo católico João de Scantimburgo e o já citado José Herculano Pires.

Foram abordados temas como Espiritismo e religião em geral, umbanda, mediunidade, cremação, antigos filósofos, sexualidade, reencarnação, futuro da humanidade e muitos outros.


O gran finale

E para encerrar a brilhante entrevista, a pedido do apresentador do programa, o médium se prontificou a psicografar uma mensagem espiritual e esta ocasião foi brindada com a poesia de uma personalidade não muito conhecida, mas cujos versos prontamente imprimiram notável admiração em todos que assistiram àquele momento solene.

Ao som de uma música instrumental, executada a pedido de Chico, o Espírito Ciro Costa compôs o soneto "Segundo Milênio", abaixo transcrito:

Segundo Milênio

Apaga­-se o milênio. A sombra deblatera.
Vejo a noite avançar, do anseio em que me agito.
Guerra e sonho de paz estadeiam conflito.
De polo a polo a dor reclama em longa espera.

Explode a transição no ápice irrestrito.
A cultura perquire; a crença se oblitera.
A forma antiga, em luta, aguarda a Nova Era.
Roga-­se tempo novo ao tempo amargo e aflito.

A civilização atônita, insegura,
Lembra um tesouro ao mar que a treva desfigura.
Vagando aos turbilhões de maré desvairada.

Entretanto, no mundo a nau que estala e treme,
A luz prossegue e brilha. O Cristo está no leme
Preparando na Terra a nova madrugada.

O paulista Ciro Costa (Limeira, 18 de março de 1879 – Rio de Janeiro, 22 de junho de 1937) foi um poeta e cronista brasileiro. Filho do coronel José Ferreira da Costa e Dona Antônia Montenegro da Costa. Foi diplomado em direito pela Faculdade de Direito de São Paulo.

A propósito desta comunicação, o livro com a transcrição do programa publicado pela EDICEL traz a seguinte anotação:
"Surpresa geral. A maioria dos presentes não conhecia o poeta. Ninguém pensara nesse nome. E o soneto era um improviso inegável, porque verdadeira síntese poética dos assuntos ali tratados. E a surpresa maior foi na casa dos familiares do poeta, que assistiam o programa pela televisão. As filhas de Ciro Costa receberam com lágrimas de emoção, à distância, longe do auditório emocionado, o soneto do pai, que assim lhes demonstrava estar participando com elas da noite inesquecível."
Depois, Chico agradece aos produtores do programa, ao apresentador, aos entrevistadores, ao auditório (que lotou o espaço) e aos telespectadores. Mandou também uma saudação especial ao povo de Uberaba, que o recebeu tão bem depois de sua saída de Pedro Leopoldo, sua cidade natal. Finalmente, pediu licença para encerrar o evento com a oração do Pai Nosso.

Veja a seguir o vídeo recuperado do primeiro Pinga-Fogo com Chico Xavier:


A nós, o que resta, mais uma vez, é parabenizar e agradecer nosso querido irmão Chico pelo seu exemplo de vida, da qual tanto ainda temos que aprender.

Obrigado, Chico! Inesgotavelmente, obrigado!

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