segunda-feira, 2 de maio de 2022

Allan Kardec e o código espírita: questão dos termos codificador, decodificador e codificação do Espiritismo

Durante o seminário sobre a novíssima tradução do livro A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, transmitido no dia 24 do mês passado, uma questão bastante interessante foi levantada por uma das expectadoras: a utilização do termo “codificador”, atribuído a Allan Kardec; na ocasião, Ana Cristina Lima indaga então por que não “decodificador”? Uma indagação muito válida, aliás, posto que há no Movimento Espírita interpretações controvérsias a esse respeito, bem como quanto a designação “codificação espírita”, ou “codificação do Espiritismo”, como definição de todo o trabalho kardequiano, havendo quem defenda que esses termos não apenas sejam imperfeitos, mas também totalmente inadequados. Será mesmo isso? A propósito dessa discursão, apresentamos então a reedição do verbete "Codificador Espírita" da Enciclopédia Espírita Online.

Para começar nossa reflexão, assista ao trecho da questão levantada no seminário:


Temos uma controvérsia...

Sim, temos aqui mais uma controvérsia no meio espírita — o que não é de se espantar, afinal, estamos tratando de algo muito complexo mesmo, tal como é o Espiritismo; por mais didático que tenha sido Allan Kardec ao sintetizar esta doutrina através de suas obras literárias, devemos ter em conta a impossibilidade de solucionar todos os problemas teóricos, de explicar suficientemente claro todas as nuances de um objeto de estudo (a natureza espiritual) que é muito superior às nossas capacidades intelectuais. Daí a razão de ainda nos debatermos acerca de certos detalhes doutrinários, especialmente levando em consideração a própria dificuldade da nossa linguagem para ilustrar as coisas tais da dimensão espiritual, para as quais faltam palavras apropriadas.

Apesar das limitações da linguagem, faz bem procurarmos a melhor correspondência, buscando as melhores definições possíveis — deixando em aberto a discursão para novas e melhores contextualizações, sem a arrogância infantil de julgamos satisfazer a questão perfeitamente.

Com isso, a melhor solução para uma peleja teórica como essa não é buscarmos acrescentar mais uma mera opinião, somando ao debate os achismos ao gosto pessoal de cada um, mas sim buscando o auxílio da ciência mais adequada para o caso. Fosse uma questão numérica, chamaríamos uma disciplina matemática; no fato aqui, então, temos um problema de semântica, quer dizer, significado das palavras, pelo vamos devemos nos socorrer de um estudo da ciência linguística, procurando compreender a concepção, ou melhor, as concepções dos termos referidos, codificador, codificar, código etc., e comparar com o contexto aplicado no meio espírita para vermos se há uma ou mais concepções compatíveis com a referida aplicação, em alusão a Kardec.

 

Uma visão limitada

Segundo certa interpretação, a concepção usual do termo codificador que atribuímos a Kardec diz respeito e se restringe à ideia de codificar no sentido de compilar, coletar documentos e reuni-los numa obra (como é o trabalho de certos editores que coletam poesias dispersas e as publicam num só volume). Nesse contexto, Pierre-Gaëtan Leymarie foi o compilador — portanto, um codificador — do livro Obras Póstumas de Allan Kardec, publicado em 1890.

De fato, uma das significações do verbo codificar é fazer esse tipo de coletânea; de alguma forma, Kardec também foi um compilador, porque na composição de O Livro dos Espíritos, por exemplo, ele coletou e sistematizou diversas mensagens espirituais, transmitidas por diversos médiuns, organizando assim um volume bem organizado. Nesse sentido, então, o termo faz jus à sua utilização. Mas há quem veja aí um reducionismo no valor de Kardec, uma diminuição do seu trabalho e, por isso, a rejeição ao epíteto "codificador". E mais: há quem veja aí uma intenção — até mesmo maliciosa — de rebaixar Kardec. É o que lemos num texto intitulado Kardec codificador? (consultado hoje, 2 de maio, 2022) onde nos deparamos com a seguinte citação (grifo nosso):

"No Brasil, justamente por termos perdido ou não compreendido suficientemente os critérios de racionalidade e pesquisa que Kardec criou para a análise dos fenômenos mediúnicos, ficamos apenas com a revelação, aceita cegamente. Por isso, o termo codificador combina melhor com essa nossa visão caseira do Espiritismo, como algo meramente revelado e não pesquisado e concebido pelo ser humano, em diálogo com os Espíritos."

Com todo o respeito, vemos nessa interpretação um negativismo sistemático ao movimento espírita brasileiro, como se em algum outro lugar no mundo o Espiritismo tivesse sido melhor compreendido. Além do que, na análise do termo codificar, a articulista limitou-se a pegar um único significado que o citado dicionário Houaiss dá para o termo, quando na verdade há vários, alguns dois muito bem aplicáveis a Kardec, ampliando assim a concepção que podemos inferir ao seu trabalho na codificação espírita, colocando-o muito além de compilador dos Espíritos.

Trecho do artigo Kardec codificador?

Ao reduzir o valor semântico do termo codificar, o referido artigo ficou preso a uma interpretação limitada, enquanto o Dicionário Houaiss o amplia consideravelmente.


Uma entendimento ampliado

Tomando então um estudo linguístico aprofundado, analisando todas as acepções possíveis dos termos "codificador", "codificar" e "código", vamos compreender que as expressões Codificador Espírita Codificação do Espiritismo são perfeitamente cabíveis e em nada deprecia Allan Kardec desde que se preserve o justo e devido contexto.

Então, para conferir o resultado desse estudo linguístico e compreender melhor as acepções e aplicações possíveis para os termos em questão, recomendamos a todos a leitura na íntegra do verbete "Codificador Espírita" na Enciclopédia Espírita Online.


O verbete também examina as possibilidades de interpretação de "Código Espírita", o papal de Kardec como "decodificador" e os outros significados do verbo "codificar" que não são aplicáveis no contexto do Espiritismo.

Verbete "Codificador Espírita" na Enciclopédia Espírita Online.

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