Esquecimento das vidas passadas segundo o Espiritismo



Uma das mais recorrentes tentativas para negar a realidade da Lei de Reencarnação é o fenômeno da não recordação da existência do Espírito anteriormente ao seu retorno ao palco da vida física. Porém, será que o fato de alguém não ter lembrança dos eventos vividos exclui o fato de ele ter vivido tais eventos? A lógica diz que não, e outros fenômenos naturais — não raros, aliás, — desmentem esse pretexto, evidenciando que a preexistência da alma então encarnada é um desígnio divino consagrado pelas leis naturais; dentre esses fenômenos, estudados inclusive pela ciência, estão aqueles que são conhecidos como reminiscências de vidas passadas, ou alguma expressão similar, contando com extraordinários casos bem documentados e publicamente divulgados. Em face de tais evidências, cumpre-nos então buscarmos a compreensão desses fenômenos, procurando saber o porquê do esquecimento do passado espiritual generalizado e o propósito de eventualmente algumas pessoas recordarem suas trajetórias ao longo de suas reencarnações, além dos casos em que as vidas passadas são reveladas mediunicamente. Para tal propósito, nenhuma doutrina nos orienta melhor do que o Espiritismo, conforme a codificação de Allan Kardec.


A questão filosófica da preexistência da alma

Quando se observa a inocência de uma criancinha, é comum imaginar nela o ponto de partida absoluto de um novo indivíduo, uma vida e uma história completamente nova. Contudo, mesmo antes de examinarmos a concretude dos casos espontâneos de lembranças de vidas passadas ou das revelações reencarnatórias através de comunicações mediúnicas, podemos usar a racionalidade e a lógica filosófica para deduzirmos a naturalidade da ideia de que a existência individual não começa pela fecundação carnal, nem tampouco que a alma vá viver somente uma única encarnação.

A unicidade da vida física contraria todos os princípios das leis divinas e impossibilita justificar as características próprios da divindade, tais como a sua infinita sabedoria, bondade e justiça, como bem destaca Kardec:

"[...] de acordo com essa teoria, a alma seria criada no momento do nascimento; assim, se um homem é mais avançado que outro, é porque Deus criou para ele uma alma mais avançada. Por que esse favorecimento? Que mérito tem alguém que não viveu mais do que outro — às vezes viveu até menos — para ser dotado de uma alma superior?"
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - comentário da questão 789

A única dedução plausível para esta questão é mesmo a da pluralidade das existências, ou seja: a Lei de Reencarnação.

Quanto ao sentimento instintivo de ver cada criança como uma nova criatura, a Doutrina Espírita também explica com simplicidade e eficiência:

"Já que o Espírito da criança já viveu, por que não se mostra, desde o nascimento, tal como é? Tudo é sábio nas obras de Deus. A criança necessita de cuidados delicados que somente a ternura materna pode lhe proporcionar, e essa ternura se intensifica devido à fragilidade e à ingenuidade da criança. Para uma mãe, seu filho é sempre um anjo, e era preciso que ele fosse assim para cativar a dedicação dela; ela não poderia ter tido o mesmo zelo para com ele se, em vez de uma graciosidade ingênua, ela encontrasse nele, sob traços infantis, um caráter viril e as ideias de um adulto — e ainda menos se ela conhecesse o passado do filho."
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Cap. VIII, item 4


Reminiscências de vidas passadas

Se as deduções filosóficas forem consideradas subjetivos demais para convencer a realidade das sucessivas reencarnações, que justificam muito bem a harmonia da Criação, então os mais céticos devem levar em conta os fenômenos naturais que ocorrem espontaneamente — quando não, muitas vezes até a contragosto da pessoa — de lembranças de vidas passadas; entre os indivíduos que passam por experiências desse gênero, com bastante frequência se vê crianças, que, obviamente, não poderiam ter quaisquer interesses ideológicos ou mesmo materiais para se exporem.

Ocorrências assim são fartamente documentadas em trabalhos acadêmicos. Dentre os mais notáveis pesquisadores de reminiscências espirituais figura-se o nome do canadense Ian Stevenson (1918 - 2007), que foi um respeitado doutor em medicina - M. D e professor da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos. O resultado de suas pesquisas a respeito foi publicado em best-sellers e filmes-documentários; destaque para a série de livros Casos de Reencarnação (Cases of the Reincarnation Type) e Crianças que Recordam Vidas Anteriores (Children Who Remember Previous Lives: A Quest of Reincarnation).

Ian Stevenson (1918 - 2007)

Além desses casos espontâneos, sabe-se de outros tantos em que o passado reencarnatório é revelado mediante comunicações espirituais. O próprio Allan Kardec foi informado de existências precedentes nas Gálias, onde teria sido um sacerdote druida, como está registrado em Biografia de Allan Kardec de Henri Sausse (disponível aqui).

Sendo assim, nada de estranhar que alguém indague por que uns e outros não podem receber informações de suas aventuras interexistenciais. Pois vamos às respostas.


Esquecimento do passado

O assunto foi abordado com muita propriedade em O Livro dos Espíritos de Allan Kardec, Livro Segundo, cap. VII, compondo um tópico específico: Esquecimento do Passado, entre as questões 392 e 399. Mas, de antemão, devemos pensar que, assim como tudo que Deus faz, esta providência é tão útil quanto necessária.

A explicação básica é que o homem precisa se concentrar melhor na sua existência atual, pois assim, "Pelo esquecimento do passado ele é mais senhor de si mesmo" (questão 392), além do que uma lembrança vivaz de seu histórico poderia atrapalhar seu curso evolutivo: por exemplo, um passado glorioso poderia inflamar seu orgulho e sua vaidade; um histórico criminoso poderia intimidar suas disposições presentes. Entretanto, também é preciso ter em mente que o esquecimento não é total nem definitivo; permanece na alma encarnada uma espécie de intuição de suas origens, refletindo com maior ou menor intensidade nos atos comuns da sua encarnação atual, conforme lhe seja permitido.

"A cada nova existência, o homem tem mais inteligência e pode distinguir melhor o bem e o mal. Onde estaria o mérito se ele recordasse todo o passado? Quando o Espírito volta à sua vida principal (a vida espírita) toda a sua vida passada se desenrola diante de si; ele vê as faltas que cometeu e que são a causa do seu sofrimento, e aquilo que poderia tê-lo impedido de cometer essas faltas; ele reconhece que a situação em que se acha é justa e então busca a existência que poderia reparar aquela que acaba de transcorrer. Escolhe as provas semelhantes àquelas pelas quais passou, ou as lutas que considera apropriadas ao seu adiantamento, e pede aos Espíritos que lhe são superiores que o ajudem nessa nova empreitada que ele encara, pois sabe que o Espírito que lhe for dado por guia nessa outra existência se esforçará para fazê-lo reparar suas faltas, dando-lhe uma espécie de intuição daquelas que tenha cometido. Essa mesma intuição é o pensamento, o desejo criminoso que frequentemente vem a vocês, e ao qual vocês instintivamente resistem, muitas vezes atribuindo essa resistência aos princípios que receberam de seus pais, quando é a voz da consciência que lhes fala, e essa voz é a recordação do passado, voz que lhes adverte para que não caiam nas faltas que já cometeram. Tendo entrado nessa nova existência, se o Espírito passa por essas provações com coragem e resiste, ele se eleva e sobe na hierarquia dos Espíritos, quando voltar para o meio deles"
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 393

Ademais, dizem os mentores espirituais da codificação kardequiana que nos mundos mais avançados a recordação das vidas passadas é mais nítida, sempre tendo em conta o que seja útil trazer à memória.

E para aqueles que têm uma curiosidade mais acentuada em saber quem foi nas existências precedentes, Kardec tem um recado objetivo: "Se o homem não conhece os próprios atos que praticou em suas existências passadas, pode sempre saber qual o gênero das faltas de que se tornou culpado e qual era sua característica predominante. Bastará então ele estudar a si mesmo e poderá julgar o que foi, não pelo que é, mas sim pelas suas tendências." (Comentário da questão 399).


Terapia de regressão de memória

A possibilidade de certas pessoas conseguirem acessar sua memória espiritual — sob a concessão divina, claro — dá ensejo a experimentações interessantes a respeito, excluindo aí qualquer especulação por mera curiosidade. Entre as aplicações que podem ser vistas com justo proveito está a chamada Terapia de regressão de memória, através de indução hipnótica, cuja finalidade básica é a de tratar traumas decorrentes de eventos interexistencias.

Nessa linha de pesquisa, é destacável o trabalho da Dra. Helen Wambach, médica psiquiatra norte-americana, autora do livro Vida Antes da Vida (Life After Life). Para saber mais sobre esta pesquisadora, veja aqui uma entrevista (em inglês) que ela concedeu em 1975, explicando as técnicas e aplicações de seu trabalho terapêutico; outra opção é uma palestra sua acessível por este link (também em inglês).

Dra. Hellen Wambach (1925 - 1986

Por fim, deixamos uma dica especial: o filme Minha Vida na Outra Vida Drama, produção americana do ano 2000, dirigida por Diretor: Marcus Cole, adaptado de um livro homônimo, escrito por Jenny Cockell, com base em uma história real de uma mulher que teve lembranças espontâneas de sua última reencarnação; um caso fantástico, mas real!

Assista pela janela abaixo:


Referências:

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