Kardec e a revelação mediúnica de um quadro maravilhoso com Jesus e a videira espírita


Em 1862, o codificador espírita, Allan Kardec, recebeu mais uma extraordinária demonstração da intervenção dos Espíritos no mundo dos homens: a revelação de uma pintura recém-concluída — e ainda totalmente inédita ao público — contendo detalhes impressionantes de uma célebre cena evangélica, servindo de ocasião para o pioneiro espírita ressaltar os valores da verdadeira arte, a arte religiosa, dentre outras coisas, como o emblema da videira espírita. Vamos aos pormenores desse interessante episódio, que foi narrado na Revista Espírita de junho daquele ano.


A revelação do quadro

Tudo começou com uma comunicação mediúnica recebida em casa pela Sra. Dozon, uma colega espírita de Kardec, membro ativa da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas; ela lhe contou que a mensagem veio espontaneamente, ou seja, o Espírito comunicante se manifestou por vontade própria, sem ser evocado. A senhora ficou admirada com a mensagem e resolveu mostrá-la ao confrade; em seu conteúdo, a comunicação descrevia com entusiasmo detalhes minuciosos de uma pintura, dita "uma obra-prima", que acabara de ser concluída, cujo tema era a cena em que Maria e José encontram o menino Jesus pregando no templo de Jerusalém, entre os doutores da lei do judaísmo — episódio registrado no Evangelho segundo Lucas, 2:41-52.

Um quadro inédito, detalhes minuciosos e a definição de que se tratava de "uma obra-prima". Interessante, não? Mais que isso: o comunicante invisível também informou de quem era a pintura: Jean-Auguste Dominique Ingres (1780-1867)

E o que Kardec então? Ele foi se informar sobre o quadro. Primeiro, consultou "pessoalmente" alguns amigos artistas se eles sabiam de um tal quadro pintado por Ingres. E ninguém sabia de nada. Ora, muito comum que os artistas se conversassem sobre seus trabalhos; em se tratando de "uma obra-prima", então, muito mais comum ainda! E Kardec se relacionava diretamente com muitos pintores influentes, dentre os quais Victorien Sardou (1831-1908), outro membro da Sociedade Espírita de Paris.

Kardec escreve que chegou a pensar que aquela informação mediúnica fosse "uma mistificação"; mas, a propósito, ela pensou consigo: "O melhor meio de dirimir a dúvida era ir diretamente ao artista".


Sobre Ingres e David

Vale frisar que o pintor em questão era um dos mais celebrados desenhistas e pintores franceses da sua época, lembrado como um dos artistas da transição entre o neoclassicismo e o romantismo — movimentos culturais de grande influência sobre a cultura mundial. Entre suas obras mais famosas encontram-se Napoleão Bonaparte Primeiro Cônsul, A Bela Célia, Condessa de Hassonville, A Grande Odalisca, Banho Turco e A Banhista.

Ingres (1780-1867)

Ingres era discípulo do grande Jacques-Louis David (1748-1825), nada menos que o pintor oficial da corte do imperador do seu país: Napoleão Bonaparte.

E adivinha quem foi o Espírito que se manifestou à Sra. Dozon? — O próprio David, mestre de Ingres. Inclusive, a comunicação tece uma apreciação do quadro em pauta com conhecimento de causa, num jargão próprio da arte dos pincéis, dando mais autenticidade ao fenômeno mediúnico.


O quadro e a sua descrição

Pois então, o esposo da Sra. Dozon foi até o ateliê de Ingres se inteirar do assunto, lá encontrando o dito quadro, "acabado somente há poucos dias e, em consequência, desconhecido do público", como conta Kardec, comprovando assim que "a descrição dada pelo Espírito é de uma exatidão perfeita".

Eis o quadro Menino Jesus entre os doutores, de fato uma obra-prima:


Menino Jesus entre os doutores (Ingres, 1862)

Tal como o Espírito David havia descrito, é magnífico pela riqueza de detalhes e impressões que a cena inspirou, em que "tudo merece ser admirado" — diz a mensagem, que enfatiza a influência dos Espíritos nas obras verdadeiramente artísticas, quais sejam, aquelas que evocam a religiosidade, porquanto diz ele: 

"Essa obra do homem revela mais que o gênio: aí se vê brilhar aquela luz que Deus dá às almas para as esclarecer e as conduzir às regiões celestes. Sim, a religião iluminou o artista." — O Menino Jesus entre os Doutores: o último quadro de Ingres (Revista Espírita - junho, 1862)

David exalta naquela representação gráfica a sabedoria divina de Jesus, mesmo ainda em voz de criança, destruindo "uma a uma, as leis que não são suas", tal como expresso no detalhe dos livros e pergaminhos deixados cair das mãos dos "doutores da lei". Exalta também a imagem forte da chegada de Maria ao local: "mulher predestinada às alegrias do paraíso e às agonias da Terra". E igualmente se detém sobre o raio luminoso em torno da cabeço do Cristo, formando uma auréola característica do estilo clássico.

"Vede, pois, como todos os trabalhadores marcam um encontro! Uns vêm voluntariamente e por caminhos já conhecidos; outros, conduzidos pela mão de Deus, que os vai buscar em seus lugares e lhes mostra aonde devem ir. Outros, ainda, sem saber onde estão, chegam atraídos pelo encanto que lhes faz semear flores de vida, para erguer o altar sobre o qual o menino Jesus ainda hoje vem para muitos, embora, sob safirinas roupagens ou sob a túnica do crucificado, seja sempre o mesmo e único Deus.." — Idem.

Porém, o detalhe que nos chamou mais a atenção na descrição feita por David do quadro de Ingres foi sobre o ramo da videira:

"Assim, vi nesses graciosos ornamentos de cepas de vinha a alegoria da vinha de Deus, onde todos os homens devem saciar-se, dizendo a mim mesmo, com profunda alegria, que Ingres acabava de fazer amadurecer um de seus belos cachos." — Idem.


Ramos da videira


A apreciação de Kardec

Depois da confirmação Sr. Dozon, o próprio mestre espírita foi ver o quadro, que foi exposto no salão do Boulevard des Italiens, também em Paris, classificando a obra de Ingres, nos seus oitenta e três anos, como "indubitavelmente, uma das páginas mais sublimes da pintura moderna".

Tomando a prova por si mesmo da revelação mediúnica feita à Sra. Dozon, Kardec reconhece: "Tudo ali está: o ramo da videira, pergaminhos caídos no chão, etc."

Aqui se verifica a importância dada à simbologia da "vinha do Senhor" e a representatividade da "cepa", tão bem trabalhada no emblema da videira espírita que é reproduzida nos prolegômenos de O Livro dos Espíritos.

Aliás, vale a pena saber mais sobre a Videira Espírita através da Enciclopédia Espírita Online.

Há muitas outras pérolas nesse mesmo episódio que merecem uma leitura dedicada, incluindo uma comunicação dada pelo Espírito Lamennais, na reunião de 2 de maio de 1862 na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, pela mediunidade Alfred Didier, com o título: 'Sobre o quadro do Sr. Ingres'.

Leia o artigo completo de Allan Kardec, com a íntegra da mensagem do Espírito David à Sra. Dozon e a comunicação de Lamennais na SPEE, publicado na Revista Espírita, acessível na edição do anuário de 1862 (pág. 135 a 137) disponível gratuitamente na nossa Sala de Leitura.

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