Espiritismo e palavrão: vamos falar sobre isso?


O jornal inglês Daily Mail publicou a matéria "O segredo do sucesso é o xingamento: como palavrões podem te fazer mais forte" reportando uma pesquisa realizada pela Universidade de Keele, Inglaterra, demonstrando — segundo sua apuração — que o uso de palavrões distrai e alivia dores, tal como traduziu o portal de internet Terra na reportagem "Falar palavrão é uma forma de aliviar a dor", repassando a ideia como uma prescrição de saúde. Já a revista Superinteressante, em sua matéria "A ciência do palavrão", vai vender a receita como uma "evolução da linguagem". O que se viu, em seguida, foi uma verdadeira celebração apológica a esse hábito, contemplando a satisfação daqueles que o praticam com naturalidade.

Mas, para nós, espíritas, que valor — positivo ou negativo — tem o palavrão? O Espiritismo tem algo a ver com tal tema? A Doutrina Espírita censura tal hábito?



Uma reflexão etimológica sobre palavrões


Segundo os dicionários clássicos, entre outras acepções, 'palavrão' é uma expressão obscena e/ou grosseira. É, portanto, um calão, ou seja, é uma gíria caracterizada por um padrão de linguagem baixo e ofensivo. Neste caso, dizer "palavrão de baixo calão" é um pleonasmo, uma vez que não há "alto calão". Inclusive, nas avaliações linguísticas, é considerado uma forma inadequada e reprovável, exceto por licença poética (quando sua menção é usada para figurar uma situação e não como comunicação direta).

Note-se aí que esse tipo de palavreado consiste basicamente de duas vertentes: a primeira é a da ofensividade, pois que o palavrão é, em si mesmo e no contexto em que é expresso, uma forma de ofender alguém e de alguma forma agredi-lo; a segunda característica comum do palavrão é a da obscenidade, pois que pretende ofender atacando o pudor, tomando a sexualidade como instrumento de rebaixamento.

Um terceiro elemento que pensamos ser apropriado agregarmos às características tradicionais do palavrão é o da anarquia, pois que o palavreado também é comumente uma ato de rebeldia contra a ordem e a moral. E, aliás, infelizmente, está muito em voga ser contra a ordem — todos os níveis de ordem —, uma faceta bastante bandeirada por muitos ativistas do ateísmo.




Uma forma de linguagem descolada?

O movimento da modernidade (que não é exatamente um sinônimo de evolução) tem apontado outras interpretações  digamos  suavizadas para o uso de palavrões, dentre as quais, a que promove o conceito de intimidade e mais autêntica expressão de emotividade.

O sujeito "descolado" é aquele "desce ao nível do povão", que se enturma com os "simples" e permite a intimidade entre os seus semelhantes, que deixa ser chamado por termos chulos sem se ofender. É assim que, quando uma celebridade mais recatada "se solta" e fala um palavrão na TV, todo mundo acha graça e aplaude a "humildade" dessa pessoa.

Por outro lado, o palavrão é entendido por outros como uma forma de expressar o que realmente a pessoa esteja sentido, seja uma raiva profunda, seja um êxtase; seria uma maneira de extravasar, de "pôr para fora todo o mal de dentro de si". É assim que a pessoa esbraveja alegando "eu sou posso ser rude, mas eu sou sincero" (como se sinceridade fosse incompatível com gentileza); é assim que um jogador comemora um gol com um palavrão a pretexto de provar que é importante para ele; é assim que os adultos acham engraçado quando uma criança fala um palavrão, pela alegação de que é uma criança "de personalidade".


O fato é que palavrão virou interjeição popular e refrão quase imperativo na escola moderna das artes. Veja-se como é habitual nas músicas da hora e nas mídias eletrônicas. E vai além da "plebe": durante investigações da operação Lava Jato, escutas telefônicas de políticos e autoridades dos mais altos níveis desnudaram os bastidores podres de muitos figurões, e o uso aí de palavrões é uma praxe. Mais uma "vergonha nacional".

Seguir na contramão desse "modernismo" hoje em dia é então atravessar um campo de espinhos, pois, normalmente, o mais elegante que talvez alguém diga é que você é um "careta", um "frescurento" e um "falso moralista". Atreva-se você a fazê-lo numa rede social, onde palavrões são recorrentes como forma de expressão "democrática": se o fizer, provavelmente sofrerá um virtual linchamento público.


O valor das palavras

Em dado momento, os Espíritos declararam a Allan Kardec:
“As palavras pouco importam para nós. Cabe a vocês formular a linguagem da maneira que bem entendem. Quase sempre, as vossas controvérsias vêm de não se entenderem acerca dos termos que usam, por ser incompleta a vossa linguagem para explicar o que não estão ao alcance dos sentidos.”
O Livro dos Espíritos, questão 28.
Não se segue daí, porém, que a forma de linguagem deixe de ter importância ou em nada implique quanto ao nosso desenvolvimento espiritual. Aliás, ao contrário, também lemos na codificação espírita que a qualidade da linguagem é um valioso indício para medirmos o nível evolutivo dos indivíduos, veja:
Reconhecemos a superioridade ou a inferioridade dos Espíritos pela linguagem de que usam; os bons só aconselham o bem e só dizem coisas proveitosas; tudo neles confirma sua elevação; os maus enganam e todas as suas palavras trazem o cunho da imperfeição e da ignorância. Os diferentes graus por que passam os Espíritos se acham indicados na Escala Espírita. O estudo dessa classificação é indispensável para se apreciar a natureza dos Espíritos que se manifestam, assim como suas boas e más qualidades.
O Livro dos Médiuns, 1ª parte, cap. IV, item 49, tópico 10
E não é menos oportuno lembrar as palavras do Cristo:
"A boca fala daquilo que está cheio no coração"
Mateus, 12:34
Com efeito, a Doutrina Espírita nos esclarece que as palavras que emitimos estão saturadas de energias e vibram em consonância com a assimilação que se faz em uma comunicação; a qualidade dessas vibrações certamente são determinadas em sua maior parte pelo sentido do que se transmite, mas também não desdenha a forma, pois que essa forma — que configura a linguagem empregada — é ainda uma assimilação das capacidades e qualidades do emissor. Isto posto, a aplicação de termos tão mesquinhos só tende a desarmonizar o ambiente, por melhor que sejam as intenções por trás das palavras.


Por uma postura mais espírita...

É lastimável que haja espíritas que façam uso desse expediente e isso muito denigra o movimento que promove o Espiritismo. Não se supõe que nas esferas superiores algo tão desprezível e nojento se efetue, tal a razão de não termos registro de personagens nobres como Kardec, Bezerra de Menezes, Chico Xavier e muito menos os instrutores desencarnados rasgando o verbo dessa natureza. Por extensão, não seria plausível pensarmos que Jesus o tenha feito — nem  mesmo durante o dito episódio da expulsão dos vendilhões do templo. Por isso, é de se estranhar que um cristão admita tal prática sem qualquer constrangimento.


A palavra é um veículo poderosíssimo em nosso mundo, que tanto constrói quanto destrói, dependendo de como ela é usada; pode agregar valores e elevar a sintonia entre os interlocutores como também pode desagregar coisas e disseminar coisas extremamente nocivas, por exemplo, raiva, ódio e banalidade e anarquia.

Uma postura espírita não condiz com artifícios tão rudes. Espiritismo é, por assim dizer, escola de evolução que nos convida a boas lições alicerçadas sempre na boa linguagem, onde, portanto, o palavrão é um intruso indesejado.

É formidável o léxico das línguas modernas, dentre as quais o nosso idioma português: dispomos então de um riquíssimo repertório de expressões, um vocabulário linguisticamente bem estruturado suficientemente capaz de verbalizar as mais extremas emoções, que não nos incite a utilizar o recurso baixo dos palavrões.

E se é para extravasar, para aliviar a tensão, a dor, a ansiedade; e se é para controlarmos nossa raiva, nosso ódio, certamente que não podemos convir que a válvula de escape seja exatamente um fonte promotora de coisas tão vis e repugnantes como é o palavreado de uma linguagem de baixo calão. Para isso, há terapias muito eficientes e produtivas para o paciente e para o meio em que esteja inserido.

A propósito, vale relembrar uma análise de Divaldo Pereira Franco sobre a mesquinharia espiritual do uso de palavrões:


Lembremo-nos igualmente da fala prudente de André Luiz:
"Não nos esqueçamos de que a gentileza e o respeito, no trato pessoal, também significam caridade."
Sinal Verde, (André Luiz )psicografia Chico Xavier - cap. 28
Diante de irmãos menos esclarecidos e desatentos ao imperativo da gentileza e do respeito, cumpre-nos a caridade em forma de tolerância e, se a ocasião for favorável, um gentil convite a uma melhor postura, de forma a animá-lo sem constrangimento.

E quando, enfim, conseguirmos elevar o padrão de nossa linguagem a um nível maior de gentileza, e menos grosseria e obscenidade — portanto, sem palavrões , teremos inequivocamente dado um passo ao ápice da Nova Era, a Era da Regeneração.

Vamos assumir e compartilhar essa nova postura?

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