ANTE A PANDEMIA, por Alex Maia


Ante esses tempos trevosos de pandemia de coronavírus (covid-19), temos recebido diversas mensagens (esclarecimentos, pedidos de oração, mensagens de encorajamento, etc.) e dentre estas, consta a seguinte redação, que aqui compartilhamos por julgar apreciável, resgatando significativas passagens históricas da obra de Allan Kardec, assinada pelo nosso confrade Alex Maia, voluntário do Centro Espírita Jesus de Nazaré - CEJN e do Núcleo de Apoio e Evangelização Fraternidade Emmanuel – NAEFE.

Para a reflexão de todos:


ANTE A EPIDEMIA

Em tempo de epidemia muitos se preocupam e temem pela própria vida e bem-estar dos seus. Neste sentido seria bom refletirmos e nos perguntarmos: qual a lição que posso tirar desses momentos? O que posso realmente aprender? Do que tenho medo? Para analisarmos essas questões, nada melhor que olharmos para traz. Por isso, vou utilizar a Revista Espírita, uma de novembro de 1865 e outra de julho de 1867, material de valor inestimável, porém, pouco estudado por grande parte de nós espiritistas.


O MEDO DA CÓLERA, DOENÇA – CARTA DE CONSTANTINOPLA 1865

“.... Os jornais vos informaram do rigor com que o terrível flagelo acaba de assolar nossa cidade e seus arredores, posto atenuasse seus efeitos desastrosos. Algumas pessoas, que se dizem bem informadas, elevam o número de coléricos mortos a setenta mil, e outros a cerca de cem mil. A verdade é que fomos rudemente provados, e podeis imaginar as dores e o luto geral de nossas populações. É principalmente nestes tristes momentos dessa horrenda epidemia que a fé e a crença espíritas dão coragem; acabamos de dar a mais verídica das provas. Quem sabe se não devemos a essa calma da alma, a essa persuasão da imortalidade, a essa certeza das existências sucessivas, em que os seres são recompensados segundo seu mérito e seu grau de adiantamento; quem sabe, digo eu, se não é por essas crenças, bases de nossa bela doutrina, que nós todos, espíritas de Constantinopla que, como sabeis, somos bastante numerosos, devemos ter sido preservados do flagelo que se espalhou e ainda se espalha à nossa volta! Digo isto tanto mais quanto foi constatado, aqui e alhures, que o medo é o prenúncio mais perigoso da cólera, como a ignorância infelizmente se torna uma fonte de contágio...”
Repos Filho, Advogado

Certamente seria absurdo acreditar que a fé espírita fosse um diploma de garantia contra a cólera. Mas, como está cientificamente reconhecido, o medo, ao mesmo tempo enfraquecendo o moral e o físico, torna as pessoas mais impressionáveis e mais susceptíveis de serem acometidas pelas doenças infecciosas; evidente, assim, que toda causa tendente a fortalecer o moral é um preservativo.

Sem dúvida os espíritas podem morrer de cólera, como todo o mundo, porque seu corpo não é mais imortal que o dos outros e porque, quando chegar a hora, é preciso partir, seja por esta ou por outra causa. A cólera é uma das causas que não tem como particularidade senão levar maior número de pessoas ao mesmo tempo, o que produz mais sensação. Parte-se em massa, em vez de individualmente – eis toda a diferença. O espírita sabe que, se morrer, apenas será despojado de um invólucro material, sujeito aos sofrimentos e às vicissitudes da vida, mas será sempre ele, com um corpo etéreo, inacessível à dor; que gozará de percepções novas e de maiores faculdades; que vai encontrar aqueles a quem amou e que o esperam no limiar da verdadeira vida, da vida imperecível. Quanto aos bens materiais, sabe que deles não mais necessitará, e que os prazeres que proporcionam serão substituídos por outros mais puros e mais invejáveis, que não deixam em seu rasto nem amarguras nem pesares. Assim, abandona-os sem dificuldade e com alegria, lamentando os que, ficando na Terra, ainda irão precisar deles. É como aquele que, tornando-se rico, abandona seus trajes velhos aos infelizes. Por isso, ao deixar os amigos, lhes diz: não me lastimeis; não choreis minha morte; antes me felicitai, por estar livre das preocupações da vida e por entrar num mundo radioso, de onde vos esperarei.

Quem quer que tenha lido e meditado nossa obra O Céu e o Inferno Segundo o Espiritismo e, sobretudo, o capítulo sobre o temor da morte, compreenderá a força moral que os espíritas haurem em sua crença, diante do flagelo que dizima as populações. Segue-se daí que devam negligenciar as precauções necessárias em casos semelhantes e baixar a cabeça ante o perigo? De modo algum: tomarão todas as cautelas exigidas pela prudência. 

Além desta influência moral, o Espiritismo tem outra mais material. Sabe-se que os excessos de todo gênero são uma das causas que mais predispõem para a epidemia reinante. Assim, os médicos recomendam sobriedade em tudo, prescrição salutar, à qual muita gente tem dificuldade de se submeter. Admitindo que o façam, é sem dúvida um ponto importante, mas é de crer-se que uma abstenção momentânea possa reparar instantaneamente as desordens orgânicas causadas por abusos inveterados, degenerados em hábito, que consumiram o corpo e, por isto mesmo, o tornaram acessível aos miasmas deletérios? Fora da cólera, não se sabe quanto é pernicioso o hábito da intemperança nos climas tórridos, e naqueles onde a febre amarela é endêmica? Pois bem! O espírita – por efeito de suas crenças e da maneira pela qual encara o objetivo da vida presente e o resultado da vida futura – modifica profundamente os seus hábitos; em vez de viver para comer, come para viver; não pratica nenhum excesso; não vive como cenobita. Assim, usa de tudo, mas não abusa de nada. Isto deve ser, com certeza, uma consideração preponderante a acrescentar à que faz valer o nosso correspondente de Constantinopla.


EPIDEMIA DA ILHA MAURÍCIO - JULHO DE 1867

“Vários Espíritos nos anunciaram, uns claramente, outros em termos proféticos, um flagelo destruidor prestes a nos fulminar. Tomamos estas revelações do ponto de vista moral, e não do ponto de vista físico. De repente uma moléstia estranha irrompe nesta pobre ilha; uma febre sem nome, que reveste todas as formas, começa suavemente, hipocritamente, depois aumenta e derruba a todos os que pode atingir. É agora uma verdadeira peste; os médicos não a entendem; até agora, nenhum dos que foram atingidos se curaram. São terríveis acessos que vos prostram e vos torturam durante doze horas no mínimo, atacando, cada um por sua vez, cada órgão importante; depois o mal cessa durante um ou dois dias, deixando o doente acabrunhado até o próximo acesso, e assim se vai, mais ou menos rapidamente, para o termo fatal.

"Para mim, vejo em tudo isto um desses flagelos anunciados, que devem retirar do mundo uma parte da geração presente, e destinados a operar uma renovação tornada necessária.

"Eu mesmo fui atingido pela epidemia e estou na quarta recaída. Arruíno-me com o quinino. Isto prolonga a minha existência, mas, como receio, se as recaídas continuarem, caro senhor, palavra de honra! É muito provável que em pouco tempo terei o prazer de assistir como Espírito às vossas sessões parisienses e nelas tomar parte, se Deus o permitir. Uma vez no mundo dos Espíritos, estarei mais perto de vós e da Sociedade do que estou na Ilha Maurício. Num pensamento transporto-me às vossas sessões, sem fadiga e sem temer o mau tempo. Aliás, não tenho o menor receio, eu vo-lo juro; sou muito sinceramente espírita para isto. Todas as minhas precauções estão tomadas; e se vier a deixar este mundo, sereis avisados.

"Enquanto espero, caro senhor, tende a bondade de pedir aos meus irmãos da Sociedade Espírita que unam as suas às nossas preces pelas infelizes vítimas da epidemia, pobres Espíritos muito materiais, na maioria, e cujo desprendimento dever ser penoso e longo. Oremos também por aqueles, muito mais infelizes que, ao flagelo da moléstia, juntam o da desumanidade.

"Nosso pequeno grupo está disperso há três meses; todos os membros foram mais ou menos atingidos, mas, até agora, nenhum morreu”.

“Recebei, etc.”

“É preciso ser espírita de verdade para encarar a morte com este sangue-frio e essa indiferença, quando ela estende seus malefícios em redor de nós e quando se sentem os seus ataques. É que, em semelhante caso, a fé séria no futuro, tal qual só o Espiritismo pode dar, proporciona uma força moral que, ela mesma, é um poderoso preservativo, como foi dito a propósito da cólera. (Revista Espírita de novembro de 1865). Isto não quer dizer que nas epidemias os espíritas sejam necessariamente poupados, mas, em tais casos eles têm sido, até agora, os menos atingidos. Escusado dizer que se trata de espíritas de coração, e não dos que só o são em aparência.

"Os flagelos destruidores, que devem causar danos à Humanidade, não sobre um ponto do globo, mas em toda parte, são em toda parte pressentidos pelos Espíritos.

"Avança a hora, a hora marcada no grande e perpétuo relógio do infinito, a hora na qual vai começar a operar-se a transformação de vosso globo, para o fazer gravitar rumo à perfeição. Muitas vezes vos foi dito que os mais terríveis flagelos dizimariam as populações; não é preciso que tudo morra para se regenerar? Mas, o que é isto? A morte não é senão a transformação da matéria; o Espírito não morre, apenas muda de habitação. Observai e vereis começar a realização de todas essas previsões. Oh! Como são felizes aqueles que nessas terríveis provações foram tocados pela fé espírita sincera! Permanecem calmos no meio da tormenta, como o marinheiro aguerrido em meio à tempestade”.

Tão atual que parece o ano de 2020, ante a pandemia do COVID-19.

“...Assim, façamos a nossa parte o melhor que pudermos, sem esmorecimento e confiemos em Deus, Aproveitando cada segundo, cada minuto que, por certo, também passará. Tudo passa…exceto Deus. Deus é o suficiente” - Chico Xavier.

Alex Maia
Centro Espírita Jesus de Nazaré - CEJN
Núcleo de Apoio e Evangelização Fraternidade Emmanuel – NAEFE
Março / 2020

Fonte: Revista Espirita - Jornal de Estudos Psicológicos, publicada sob a Direção de Allan Kardec Ano Oitavo – 1865 e Ano Décimo – 1867
Tradução de Evandro Noleto Bezerra
Federação Espírita Brasileira – FEB

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