sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

"Amélie Boudet atuante na sucessão de Allan Kardec", 3ª e última parte da pesquisa

Adiante, a terceira e última parte da pesquisa "Amélie Boudet atuante na sucessão de Allan Kardec", pesquisa essa desenvolvida pela equipe do AKOL, CSI do Espiritismo e site Obras de Kardec, contendo importantes dados e reflexões úteis para mais esclarecimentos acerca do caso A Gênese.

Segue o relatório da pesquisa:


Amélie Boudet atuante na sucessão de Allan Kardec:
prestação de contas do primeiro ano da Sociedade Anônima (1869/1870) assinada por ela e A. Guilbert
>> Mais uma fonte primária inédita <<


Introdução

O documento inédito “Rapport présenté en conformité de l'article 16 des statuts par le comité de surveillance à l'Assemblée générale du 10 juillet 1870”, fonte primária que está sendo apresentada em detalhes nesta série de posts, mostra o envolvimento e a atuação plena da Sra. Allan Kardec desde o primeiro momento pós-desencarne do mestre, visto que, após participar na criação da Sociedade Anônima, da qual era acionista majoritária, assumiu o trabalho no Conselho Fiscal, como auditora de fiscalização, no ano civil de 1869/1870, que confirmamos ter continuado em 1872, conforme Registro de Inventário do ano civil de 1872/1873.

Amélie-Gabrielle Boudet (Viúva Kardec)

Divulgamos até o momento alguns pontos relevantes identificados.

Parte I - apresentada em 15 de dezembro de 2020
(https://www.facebook.com/allankardec.online/posts/191193512494540 e
https://www.facebook.com/HistoriaDoEspiritismo/posts/834545617309222):

• O quanto Amélie Boudet era uma mulher à frente de seu tempo, acompanhando e fiscalizando as operações da Sociedade que ajudou a criar para dar continuidade à difusão da Doutrina Espírita;

• A manifestação do desinteresse pessoal e total comprometimento com a divulgação do Espiritismo de todos os acionistas que, ao término do primeiro ano de operação da Sociedade Anônima, decidiram reverter a parcela dos lucros a que tinham direito para o fundo de reserva destinado à divulgação da Doutrina Espírita, divulgando esta ação e sua motivação na Revista Espírita.

Parte II - apresentada em 20 de dezembro de 2020 
(https://www.facebook.com/allankardec.online/posts/215502150063676 e
https://www.facebook.com/HistoriaDoEspiritismo/posts/863466857750431):

• A minuciosa fiscalização que Amélie Boudet e A. Guilbert fizeram nas contas relativas ao primeiro exercício fiscal, entrando no mérito de cada diferença identificada e confirmando que os registros estavam corretos;

• O preparo dos fiscais em colaborar na viabilidade financeira da SA, apresentando pensamentos gerenciais, tanto na análise do melhor uso dos fundos de reserva no cenário atual e futuro, quanto pela prudência em não reduzir o preço das obras face ao aumento imprevisto dos custos;

• A reafirmação, no relatório, da visão clara do objetivo da criação da Sociedade Anônima, não com interesse particular de nenhum acionista, mas no interesse geral do Espiritismo;

• Informações contábeis demonstram que a 5ª edição de A Gênese e a 4ª edição de O Céu e o Inferno NÃO FORAM confeccionadas pela Sociedade Anônima, e sim em período anterior, visto que no relatório ficou registrado que esta instituição só começou a produzir mercadorias a partir de 13 de agosto de 1869, e que Amélie Boudet, como responsável pela publicação das obras do marido após sua morte, trouxe mercadorias para compor o estoque da SA, provavelmente incluindo os exemplares não vendidos destas edições produzidas por ela.

Essas informações se somam às reveladas pelo Registro de Inventário de 1873, outra fonte primária apresentada em 10 de novembro de 2020, em que Amélie dá continuidade ao seu trabalho de fiscalização das atividades da Sociedade Anônima (https://www.facebook.com/allankardec.online/posts/212457850368106 e https://www.facebook.com/HistoriaDoEspiritismo/posts/860373301393120):

• O mês e ano de impressão da 4ª edição de O Céu e o Inferno como sendo em fevereiro de 1869;

• A 5ª e a 6ª edições de A Gênese como já impressas em 1869, reafirmando a existência de duas impressões da 5ª edição, fato anteriormente demonstrado com o exemplar encontrado no início do ano passado na biblioteca de Neuchâtel na Suíça, e cujo período de impressão/publicação foi refinado para entre o final de 1868 e o início de 1869 no artigo: Uma revisão na História das Edições de A Gênese, publicado recentemente no JEE.

É pelo registro dessas informações que podemos hoje, 150 anos depois, ter ciência sobre o que de fato estava acontecendo na condução da Sociedade Anônima, narrado em fonte primária, sob o olhar atento de Amélie que, nos primeiros anos, trabalhou continuamente e de forma fiel à propagação e manutenção da doutrina e do legado de Allan Kardec.

As análises e conclusões de Amélie Boudet - como maior acionista da sociedade e membro do Conselho Fiscal - sobre a fundação da SA, seu primeiro ano de operação e a proteção da doutrina e das obras de Allan Kardec

Nesta parte III, que finaliza a nossa pesquisa, apresentamos as impressões e conclusões da Sra. Allan Kardec e do Sr. A. Guilbert enquanto auditores de fiscalização que assinam o presente documento - Relatório do Conselho Fiscal.

Após minuciosa auditoria nas contas e total aprovação dos resultados da SA, os auditores tecem considerações sobre a situação moral atual da Sociedade, seu comportamento e aceite pelo movimento espírita, e sugerem ações visando garantir seu futuro em termos de vitalidade e prosperidade.

Primeiramente é feita uma pequena retrospectiva sobre a criação da Sociedade que, após o desencarne súbito e imprevisto de Allan Kardec, ocorreu de uma forma improvisada, mas que nem por isso a afastou da meta de proteger a obra do mestre e o futuro da doutrina contra manobras de seus adversários, ou de pessoas ambiciosas que poderiam tentar tirar proveito delas em benefício próprio.

Também destacam que Allan Kardec tinha a autoridade de um nome conhecido e universalmente estimado, possuindo uma inteligência privilegiada, cuja lógica e prudência prevaleceram em seus quinze anos de trabalho perseverante, que podem ser observados em sua obra, alicerce do futuro edifício que estava sendo construído. Informam que o mestre estava concluindo a elaboração de um vasto plano que seria posto em prática com o devido amadurecimento, de acordo com o tempo, as circunstâncias e a experiência dos homens e das coisas permitissem.

Com Allan Kardec morto, deixando o seu prédio inacabado, a doutrina - com a autoridade de seu nome e sua notória firmeza - tornou-se alvo de todos os ataques de quem via a ruína do Espiritismo com a perda de seu fundador.

A análise de Amélie descreve que teria sido fácil semear a divisão entre os trabalhadores que, apesar de inteligentes e dedicados o suficiente para contribuir com a obra sob a direção do mestre, seriam incapazes de continuar a pesada tarefa. Relata que reinvindicações não demoraram a surgir e que, se aplicadas, teriam necessariamente levado à dispersão dos trabalhadores e atrasado a divulgação da obra já realizada.

Mas, com a percepção deste perigo, Amélie Boudet - e os demais espíritas mais próximos - procurando proteger a propriedade das obras em circulação, proteger o caráter da Revista Espírita, preservar tudo de qualquer eventualidade ruinosa, e continuar o trabalho tão abruptamente interrompido, resolvem - com estes propósitos - criar a Sociedade Anônima. 

Amélie Boudet, como signatária deste documento, acredita que não tenha se afastado da verdade ao afirmar que a Sociedade Anônima havia alcançado, até aquele momento [18/06/1870], o objetivo que havia se proposto: proteger a doutrina de contingências necessariamente decorrentes da morte de um indivíduo em particular, e preservar a propriedade das obras fundamentais, colocando-as sob a proteção da lei.

O Relatório destaca que, de fato, a existência e o futuro da Sociedade não dependeriam - especialmente - da cabeça de nenhum indivíduo; qualquer um de seus participantes poderia morrer ou desaparecer; mudar a sua maneira individual de ver, sem que a Sociedade sofresse, pois o grupo que a compõe substituiria, à medida que surgissem as necessidades, os vazios que pudessem se formar em seu seio por qualquer causa. A Sociedade seria constantemente mantida no caminho traçado pelos seus estatutos por noventa e nove anos. E que, o futuro material da doutrina estaria assegurado pela fundação pura e simples da Sociedade Anônima.

Feitas estas considerações o Relatório passa a tecer análises sobre a moralidade da Sociedade (e de seus componentes), dizendo que seu futuro moral ainda dependia de como ela seria aceita pelos espíritas. O Relatório destaca que, através de todos os meios, não se poderia permitir lançar o desfavor sobre a nascente Sociedade. O maior e mais poderoso desfavor para desacreditá-la - na opinião que costuma ser encontrada no Espiritismo da mais completa abnegação e desinteresse - seria de representar o novo empreendimento como uma exploração comercial, tendo como objetivo dividir o Espiritismo em uma seção regulamentada para o benefício de alguns indivíduos em grande detrimento da doutrina.

A verdadeira intenção dos acionistas segue nessa mesma linha pois, conforme a Revista Espírita de agosto de 1870, é informada na Assembleia Geral da Sociedade Anônima realizada ao término do ano civil de 1869/1870: todos manifestaram seu desinteresse pessoal e total comprometimento com a divulgação do Espiritismo, decidiram reverter a parcela dos lucros que tinham direito naquele ano para o fundo de reserva, destinado à divulgação da Doutrina Espírita, e solicitaram ao Sr. Levent que publicasse o ocorrido, dando transparência às suas ações e à sua intenção manifesta. 

Assim, a breve indecisão inicial não impedira que o aceite geral fosse obtido para a formação da Sociedade Anônima e do seu trabalho, e que se alguns indivíduos isolados ainda não a entendiam seria porque não puderam ou não quiseram dar conta exata dos fatos existentes e de suas causas, já que não importava o que a malícia e a má-fé fizessem, a verdade sempre acaba aparecendo, apesar dos véus que a rodeiam, e se impõe a todos aqueles que a procuram de boa fé. 

O Relatório dos auditores continua apontando que, em um período de oito meses de existência a Sociedade Anônima, ela viu todos ou quase todos se reunirem em torno dela, os grandes centros que tomaram como ponto de referência a Revista Espírita e o Sr. Allan. Kardec.

Concluindo, é reportado que o intercâmbio de correspondências reviveu, pós-formação da SA, com uma atividade que assegurava uma sucessão ininterrupta de documentos para o futuro, os novos jornais que eram publicados, as Sociedades já existentes, aquelas que eram fundadas ou que estavam em processo de formação. Todas entrando em contato com a Revista Espírita e a Sociedade Anônima, como sendo os representantes mais autorizados da doutrina coordenada pelo Sr. Allan Kardec. E, portanto, é afirmado que se a Sociedade Anônima estaria, financeiramente falando, num caminho de prosperidade indiscutível, possuindo também o direito de se congratular pela natureza e extensão de suas relações morais e inteligentes.

Antes de encerrar, os auditores fazem um testemunho de solidariedade à memória do Sr. Monvoisin. Relatam que sua morte havia sido profundamente sentida por cada um dos membros da Sociedade e pelo mundo espírita em geral, mas ninguém poderia vê-la como uma causa de fracasso para a Sociedade Anônima. O Sr. Monvoisin era apenas uma unidade da Sociedade; esta unidade que foi extirpada pela morte sem que o público se movesse por ela, será substituída sem que ele o saiba e sem que se preocupe mais com isso, pois ele não conhece a ação de nenhum de nós em particular, mas apenas o da Sociedade ora constituída.

E, finalmente, assinam este relatório datado de 18 de junho de 1870, pelo Conselho Fiscal: Viúva Rivail (Allan Kardec) e A. Guilbert (Presidente da Sociedade Espírita de Rouen).


Conclusão

Ao longo das três partes de apresentação da nossa pesquisa sobre o inédito documento denominado “Rapport présenté en conformité de l'article 16 des statuts par le comité de surveillance à l'Assemblée générale du 10 juillet 1870”, assinado por Amélie Boudet, pudemos disseminar muitas informações importantes e desconhecidas do movimento espírita brasileiro, como o que ocorreu no pós-desencarne de Allan Kardec, na formação da Sociedade Anônima e nas suas operações no primeiro ano civil 1869/1870.

Em relação às edições atualizadas das últimas obras, sobre as quais foram levantadas dúvidas sobre quem as teria publicado e se haveria a legalidade do ato, as informações contábeis demonstraram que a 5ª edição de A Gênese e a 4ª edição de O Céu e o Inferno NÃO FORAM confeccionadas pela Sociedade Anônima, e sim em período anterior, quando a Livraria Espírita ainda era de responsabilidade exclusiva de Amélie Boudet, visto que no relatório ficou registrado que esta instituição só começou a produzir mercadorias a partir de 13 de agosto de 1869.

Além dos detalhes contábeis da Sociedade em seu primeiro ano civil, nos foi possível mostrar uma Amélie Boudet atuante e participativa nos rumos do Espiritismo e nas diretrizes da Sociedade Anônima, e também com um perfil que desconhecíamos até o momento: com conhecimentos na área contábil, em análises de contas patrimoniais, e na área gerencial. Uma mulher, em pleno século XIX, eleita estatutariamente para o Conselho Fiscal, visando auditar as operações de uma empresa, com poderes conferidos por lei. 

O resultado de seu trabalho é um relatório do mais alto nível, que de fato fiscaliza a instituição e fornece informações seguras e confiáveis sobre os caminhos percorridos pela Sociedade no seu primeiro ano de existência e os rumos previstos para o futuro, o que denota que Amélie estava atenta a tudo que acontecia e não abriu mão de supervisionar a continuidade do trabalho de seu marido.

Além disso, vemos a viúva Kardec, após ter participado ativamente da formação da SA, em consonância com os pensamentos de Allan Kardec:

• Preocupada e firme nas decisões com o destino das obras do mestre e com o rumo da doutrina, apesar dos momentos iniciais de incertezas;

• Trabalhando ativamente para que interesses pessoais não se sobressaíssem em detrimento da difusão do Espiritismo;

• Satisfeita que os acionistas desta Sociedade, como novo empreendimento, não tinham permitido a sua exploração comercial, o que poderia dividir o Espiritismo;

• Satisfeita com os resultados alcançados pela Sociedade em seus oito meses de operação a partir de 13 de agosto de 1869: não apenas financeiramente, mas em sua parte moral e de inteligência, visto que todos ou quase todos os grandes centros se reuniram em torno dela, tomando-a como ponto de referência;

• Satisfeita pela Sociedade ter retomado a correspondência e ser a centralizadora, com todos entrando em contato com a Revista Espírita e a Sociedade Anônima, como os representantes mais autorizados da doutrina;

• Tranquila de que os indivíduos que compõem a Sociedade, como o Sr. Monvoisin, embora importantes, eram substituíveis, não se sobrepondo aos interesses maiores do todo e à difusão da doutrina;

• Satisfeita consigo mesma por não ter se afastado da verdade ao afirmar que a Sociedade Anônima havia alcançado, até aquele momento (18/06/1870), os objetivos propostos: proteger a doutrina de contingências necessariamente decorrentes da morte de um indivíduo em particular e preservar a propriedade das obras fundamentais, colocando-as sob a proteção da lei.

Somos sabedores de todos os desvios doutrinários implementados pelo Sr. P. G. Leymarie que se iniciaram a partir de 1874 com as fotografias espíritas. Somos sabedores dos esforços de muitos dos espíritas fiéis à Kardec e à Doutrina Espírita, que denunciaram estes desvios e combateram as teorias de J. B. Roustaing, a partir da ocorrência destas influências, com as quais nos solidarizamos. Mas, não devemos cometer anacronismos históricos. As fontes primárias que vem se somando a partir do início de 2020 têm nos apresentado um história diferente da que muitos acreditavam até pouco tempo, e este trabalho historiográfico documental - efetuado de uma maneira transparente, gratuita, desprovida de ideologias e no interesse coletivo - nos ajuda a reconstruir a historiografia do Espiritismo, principalmente, nos primeiros anos pós desencarne de Allan Kardec.

Esta pesquisa foi realizada em conjunto pelo museu AKOL - Allan Kardec online, o CSI do Espiritismo e o site Obras de Kardec, sempre se desenvolvendo de forma colaborativa e sem personalismos.

Para baixar o PDF do "Rapport présenté en conformité de l'article 16 des statuts par le comité de surveillance à l'Assemblée générale du 10 juillet 1870": 
https://www.allankardec.online/search?q=rapport.

Referências:

1. https://www.facebook.com/allankardec.online/posts/191193512494540 e https://www.facebook.com/HistoriaDoEspiritismo/posts/834545617309222

2. https://www.facebook.com/allankardec.online/posts/212457850368106 e https://www.facebook.com/HistoriaDoEspiritismo/posts/860373301393120

3. https://www.facebook.com/allankardec.online/posts/215502150063676 e https://www.facebook.com/HistoriaDoEspiritismo/posts/863466857750431;

4. https://www.retronews.fr/journal/la-revue-spirite/1-aout-1870/1829/3285373/6;

5. LES SOCIÉTÉS - En Commandite par Actions, Anonymes et Coopératives - Par J. Bédarride - Tome Deuxième;

6. Revistas Espíritas de 1869 e 1870;

7. https://catalogue.bsg.univ-paris3.fr/.../alma991013912770...;

8. https://archive.org/details/BSG_DELTA59512_1FA/page/n6/mode/2up;


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