terça-feira, 19 de janeiro de 2021

A Gênese revisada: cap. XIV, item 1, §1: "Leis da matéria e leis da natureza" — Adendo

Para uma melhor compreensão desta postagem, ver o sumário Análise comparativa das alterações no livro A Gênese.

Esta postagem é um adendo ao post A Gênese revisada: cap. XIV, item 1, §1 - "Leis da matéria e leis da natureza" de 19 de novembro de 2020.

Apesar de considerarmos bastante satisfatórias as explicações já apresentadas sobre a similaridade das expressões "leis da matéria" "leis da natureza" no contexto do referido trecho da obra A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, apresentamos aqui uma questão complementar que temos visto ser levantada a esse respeito.

Conhecemos uma edição desta obra em debate lançada em outubro de 2001 pela LAKE - Livraria Allan Kardec Editora cuja tradução foi feita por Victor Tollendal Pacheco, nela contendo também — e com destaque na capa  uma apresentação e notas de rodapé assinadas pelo reverenciado filósofo José Herculano Pires. Daí muitos concluírem que Herculano tenha sido uma espécie de cotradutor desta edição; inclusive, aqui e acolá se possa ouvir dizer que esta tradução seja mesmo sua — até porque os outros livros da codificação espírita dentro dessa coleção da LAKE foram de fato traduzidos por Herculano. Bem, de qualquer forma, não há dúvida de que ele estava de acordo com a versão de seu confrade, o Pacheco.

Acontece que nesta versão, a tradução — feita a partir da edição revista, corrigida e aumentada (mesmo conteúdo daquela 5º edição de 1869) — do trecho em análise traz a expressão "lois de la nature" traduzida como "lei da matéria", ao invés da tradução literalmente mais correspondente, que seria "lei da natureza"; por conta disso, há quem sugira que Pacheco e Herculano teriam notado a "inconsistência doutrinária" da palavra "natureza" empregada no original em francês e então modificaram a tradução; isto seria, portanto, um ponto a favor da ideia de que esta revisão feita na 5ª edição de A Gênese não condiz com a justeza de Kardec.

Ora, fiel a Kardec e ao Espiritismo como era Herculano Pires (e, sem bem não conhecemos a biografia de Victor T. Pacheco, não podemos supor que fosse diferente disso), não podemos imaginar que ele fosse adulterar numa tradução a obra kardequiana; se ele traduziu "lois de la nature" por "lei da matéria" é justamente porque ele compreendia que esta expressão era perfeitamente compatível com o original em francês. Ou seja, para Herculano, Kardec escreveu "lois de la nature" no sentido próprio que as academias davam ao valor de "leis da matéria", pois, para a Ciência então em voga a natureza não passa de matéria. A partir daí, poder-se-ia traduzir "lois de la nature" tanto pelos termos mais correspondentes  "leis da natureza"  quanto pelos equivalentes  "leis da matéria". Se Herculano tivesse observado diferença entre "natureza" e "matéria" no contexto deste trecho e assim tivesse optado por traduzir pelo termo não equivalente, então ele estaria sendo autor de uma fraude, uma adulteração, já que estaria modificando (adulterando) o sentido da frase original.

Vamos imaginar, por outro lado, que Herculano tivesse ponderado que "leis da natureza" não fosse equivalente a "leis da matéria": o que poderia ele fazer diante da situação em que, mesmo assim, o original em francês "lois de la nature" devesse ser "lois de la matière"? Ele teria duas opções plausíveis:

1) Tradução fielmente a expressão ("lois de la nature" como "leis da natureza") e acrescentar uma nota de rodapé levantando a hipótese de que provavelmente teria havido ali um equívoco, do autor ou do tipógrafo) e que o mais correto seria o original conter "lois de la matière", correspondente a "leis da matéria";

2. Traduzir a expressão mais adequada ("leis da matéria") e acrescentar uma nota informando que, apesar do original "lois de la nature" sugerir a tradução para "leis da natureza", provavelmente teria havido ali um equívoco (de Kardec ou do tipógrafo) quando em francês deveria constar "lois de la matière".

Em qualquer um dessas duas opções, os tradutores teriam sido corretos em oferecer uma hipótese aceitável. Entretanto, traduzir "matéria" no lugar de "natureza" em um contexto cujos significados seriam opostos, isso sim seria uma fraude, adulteração e traição doutrinária — o que não ousamos pensar nem de Herculano, cuja obra e índole conhecemos bem, nem de Pacheco.

Portanto, só podemos pensar que Herculano e Pacheco compreenderam tranquilamente que a expressão "lois de la nature" correspondia muito bem a "leis da matéria", tal como na praxe do entendimento científico; optaram por esta expressão em lugar de "leis da natureza", seu equivalente, por estar mais adequado para a época nova, sem prejuízo para a correspondência com a 5ª edição revisada, corrigida e aumentada de A Gênese de Allan Kardec, da qual produziram a citada tradução da LAKE.

Agradecimentos especiais ao confrade Bruno Tavares pelas imagens da edição da LAKE.

Saiba mais em Análise comparativa das alterações no livro A Gênese.


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