sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Ensino religioso sob julgamento no STF


Corre no Supremo Tribunal Federal um processo que pede a interpretação constitucional da suprema corte sobre uma questão de grande importante para todo o Brasil, envolvendo diretrizes do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras.


A ORIGEM DO PROCESSO

A ação em tramitação teve origem numa petição da Procuradoria Geral da República (PGR) para que o STF dê um parecer sobre a velha discussão do escopo do currículo disciplinar do ensino religioso público que, no entender da PGR deve limitar-se à exposição histórica das doutrinas, bem como aos conceitos elementares de suas práticas e dimensões sociais, abrangendo diferentes crenças e até de tendências não religiosas (como o ateísmo e o agnosticismo), e, como determinação expressa, não promovendo uma crença particular, numa interpretação chamada de "ensino religioso não-confessional".

No entender da PGR, portanto, o curso religioso deve ser generalizado, restrito aos aspectos históricos e característicos das ideias religiosas, abrangente a diversas correntes de crenças, não permitir nem o sectarismo e tampouco preconceituoso e intolerante com qualquer fé, servindo assim como um salutar debate aberto para a troca democrática de ideias e, a partir daí, desenvolver um espírito de ecumenismo, respeitando as diferenças e promovendo os pontos convergentes.


O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO

A Constituição Federal do Brasil prevê o ensino religioso como uma das disciplinas facultativas no currículo escolar do curso fundamental (para alunos de 9 a 14 anos de idade) das escolas públicas. O ponto facultativo então estabelece que o aluno pode, por vontade própria ou por orientação dos pais ou responsáveis, cursar ou não essa disciplina. Portanto, não é uma matéria obrigatória.

Mas o texto constituinte não detalha o mode de operação desse curso, deixando a cada Estado da Federação os cuidados para montagem da matéria dentro de sua grade escolar. Nesse vácuo legal, alguns Estados fazem parcerias com certas instituições religiosas para estabelecer a oferta das aulas. Em alguns casos, fica a cargo de igrejas e assembleias a seleção dos "professores" — remunerados ou não — e a elaboração do plano pedagógico das aulas, assim como a orientação religiosa. Nisso, é comum que a disciplina dê exclusividade a uma determinada religião (sendo a doutrina católica a mais comum).

Sem diretrizes formalmente instituídas, a prática do ensino religioso há muito é matéria de protestos e uma guerra ideológica, especialmente entre católicos e evangélicos — até porque estas são as correntes religiosas mais numerosas em nossa pátria. Mas não é raro incidências de animosidade entre alunos no entorno de discussões e manifestações de preconceito e intolerância religiosa em sala de aula, cujos alvos mais comuns são as crenças minoritárias, como as alinhadas com o culto afrodescendentes. O que se explica pelos traços culturais de nossa gente formada nas tradições europeias.

Como o percentual do Espiritismo ainda é muito pequeno no cenário religioso nacional (não chega a 5% da população brasileira), ainda que o Brasil seja o país de maior população espírita do mundo, não se ouve falar tanto de perseguição sistemática contra os kardecistas, senão quando eles são incluídos no rol das crenças dito "místicas".

Convém lembrar que as escolas particulares têm a liberdade de promover diretamente uma crença, como é muito comum, aliás.


ANDAMENTO DO JULGAMENTO

Na derradeira quinta-feira, 31 de agosto, o STF reabriu a discussão do processo, que já soma 5 votos declarados. Como a decisão final depende da maioria dentre os 11 ministros do Supremo, a interpretação final ainda não está feita e o processo será retomado na sessão do dia 20 de setembro.

Dois 5 ministros que já votaram, 3 entenderam que o curso religioso não deve promover uma crença particular, e 2 defendem a liberdade para o "educador" pregar sua fé para os alunos que optarem na matricula da disciplina.

Conforme a praxe, o primeiro voto foi o do relator  no caso, o ministro Luís Roberto Barroso, que atendeu ao pedido da PGR. No seu parecer, ele exprime: "A escola pública fala para o filho de todos, e não para os filhos dos católicos, dos judeus, dos protestantes. E ela fala para todos os fiéis, portanto, uma religião não pode pretender apropriar-se do espaço público para propagar a sua fé".

No segundo voto, Rosa Weber acompanhou Barroso, sob o argumento da neutralidade do Estado. "Religião e fé dizem respeito ao domínio privado, e não público. Neutro há de ser o Estado", disse a ministra.

Luiz Fux votou pelo mesmo entendimento, mas questionou sobre como seria a contratação dos professores: "Qual será a autodeterminação religiosa de uma criança que estuda desde sua primeira infância num colégio doutrinada para uma determinada religião, sendo certo que é absolutamente impossível o Estado contratar professores para 140 religiões hoje consagradas pelos órgãos federais?".

Os outros dois ministros que já declararam votos são divergentes ao apelo feito pela PGR.Alexandre de Moraes é de opinião que o Estado não pode "censurar" a liberdade de expressão dos professores e, com isso, "impedir" que os alunos possam se aprofundar na fé que escolheram.

O outro divergente é o ministro Edson Fachin, sob a seguinte alegação: “A separação entre Igreja e Estado não pode, portanto, implicar o isolamento daqueles que guardam uma religião à sua esfera privada. O princípio da laicidade não se confunde com laicismo".

Faltam os votos dos ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e a presidente do STF Cármen Lúcia.

Em se tratando de uma matéria polêmica — e, nesses casos, é natural que os juízes da corte se prolonguem na justificação de seu voto  não é certo que a decisão saia já no dia 20 de setembro. Também é válido mencionar que os ministros que já votaram podem, a qualquer momento do julgamento, mudarem o entendimento.


A IMPORTÂNCIA DESSE JULGAMENTO

As relações entre religião e Estado e entre escola e igreja são historicamente matérias de muitas controvérsias. Em muitas nações, essa relação totalmente intrínsecas, constituindo o ensino religioso o único permitido, onde a escola e todo o objetivo do aprendizado voltam-se para a pregação da religião oficial, sendo a estrutura escolar pública voltada para o catecismo religioso. Podemos citar o caso vigente dos Estados muçulmanos, bem como lembrar do projeto católico da Companhia de Jesus (dos jesuítas) e das escolas anglicanas, surgidas na Inglaterra e exportada para outros países, especialmente para os Estados Unidos.

Como a igreja Católica foi, por muito tempo, a única admitida oficialmente pelas nossas autoridades, as tradições do catolicismo estão fortemente enraizada em nossa cultura com implicações graves na montagem dos materiais didáticos aplicados nas nossas escolas. Noutras palavras, os padres ditavam o que se deveria ensinar — em acordo com os interesses da Igreja — e, mais, no modo como se deveria ensinar — onde a clausura, o terror e a palmatória sobrepuja a tudo.

Numa hora como essa, há que se fazer menção honrosa ao método educacional revolucionário de Johann Heinrich Pestalozzi, o professor de Allan Kardec.

Felizmente no Brasil a separação entre a Igreja e o Estado está consolidada oficialmente, assim como o direito constitucional da liberdade de crença — o que não exclui certos abusos atinentes aos interesses de políticos e entidades religiosas, vide os vergonhosos privilégios legais concedidos a igrejas e certas "autoridades religiosas".

De nossa parte, sem a pretensão de querer representar a unanimidade da voz dos espíritas, somos favoráveis ao apelo da Procuradoria Geral da República, na expectativa de que o Supremo Tribunal Federal interprete que o ensino religioso nas escolas públicas deva ser laico, não pregar unicamente uma determinada doutrina religiosa, mas promover o ecumenismo e a tolerância no campo da fé.

Essa diretriz oficial que o STF está a determinar, embora não seja garantia de efetividade dessa disposição (porque ainda estamos na cultura de que aqui "há leis que pegam e outras não"), é, no mínimo, um parecer norteador de conduta lega, no sentido de esclarecer que compomos todos juntos uma nação diversa e que, conforme a nossa Constituição Federal, este é um país onde a diversidade religiosa deve ser considerada um patrimônio cultural, sob o pálio da fraternidade.

Talvez esse julgamento vá repercutir muito pouco na nossa vivência prática, mas ainda assim consideramos importante acompanhá-lo de perto. E nós da Luz Espírita o acompanharemos com atenção.

Um comentário:

  1. Que notícia maravilhosa! Sabemos que o Plano Espiritual Já tem preparado todo o planejamento para este mister!
    Unamos nossos pensamentos e preces para que se torne realidade!

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