O Céu e o Inferno da FEAL e a prorrogação de uma campanha esdrúxula

Como já havia sido anunciado, a FEAL - Fundação Espírita André Luiz realizou esta semana e está promovendo com força o lançamento da pré-venda de uma publicação de sua editora: O Céu e o Inferno, de Allan Kardec, que está sendo vendida com a ideia de "Primeira publicação brasileira da obra original", pois que se trata da tradução da primeira edição da obra lançada pelo codificador espírita, em 1 de agosto de 1865; lançamento este, com efeito, que é a continuação de uma campanha absurda amarrada à tese de uma conspiração contra as obras de Kardec arquitetada por Pierre-Gaëtan Leymarie, iniciada com a acusação requentada de adulteração do livro A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo; na verdade, mais do que uma continuação, trata-se de uma prorrogação insensata de tal tese, dado que todas as evidências — muito fartas, por sinal — contrariam essa ideia, ora estendida com a sugestão de que também O Céu e o Inferno foi adulterada.

Saiba mais sobre a tese de adulterações pelo nosso artigo Céu, inferno e autonomia em pauta em novo livro da FEAL e o nosso contraponto.

A propaganda da nova obra da FEAL destaca que ela vem enriquecida com "apresentação, contextualização histórica e 230 notas explicativas". Na página de divulgação desta publicação no site da Mundo Maior Editora (https://editoramundomaior.com.br/livros/o-ceu-e-o-inferno, consultado neste 27) de junho) lê-se:

"Nesta edição de O Céu e o Inferno ou a justiça divina segundo o Espiritismo você encontra o resgate dos estudos e as conclusões finais sobre a teoria moral espírita original de Allan Kardec..."

E acrescenta:

"Documentos oficiais guardados nos Arquivos Nacionais e na Biblioteca Nacional da França comprovam que a quarta edição da obra, publicada após o falecimento de Allan Kardec, não é fiel ao conteúdo depositado legalmente pelo autor, contrariando assim o direito autoral aceito internacionalmente. O mesmo havia ocorrido com o livro A Gênese, cuja quinta edição foi publicada mais de três anos após o falecimento do autor."

Ora, como já é bem sabido, essa tese de adulteração está substancialmente refutada. O "tiro de misericórdia" pode ser representado pelo episódio em que Henri Sausse (o personagem que originariamente deu vida a essa tese) "faz as pazes com a nova edição de A Gênese". Ver O caso A Gênese.

A FEAL, contudo, prorroga essa peleja, sustentando  a tiracolo  uma errônea interpretação da liberdade espiritual praticamente absoluta, sob a bonita roupagem de "autonomia", idealizada pelo filósofo Kant, numa espécie de "emancipação total", inclusive da vontade divina; é então "a vontade do homem como medida de todas as coisas", enquanto temos a Doutrina Espírita codificada por Kardec completamente alicerçada sobre o elemento Deus e vinculada aos valores cristãos, cujo mandamento primeiro é a nossa subordinação á divindade ("Amar a Deus sobre todas as coisas...") e o segundo — que complementa o primeiro — de estar fraternalmente ligado aos semelhantes, que Kardec interpreta como a essência mesmo da religião; essa tese de autonomia, portanto, não é mais do que a sujeição às ideias mais próximas da subversão, do anarquismo e da campanha antirreligião (toda e qualquer manifestação religiosa) promovida pelo ateísmo e, principalmente, pelos materialistas — aqueles que o Mestre espírita definiu como os verdadeiros inimigos do Espiritismo.

Recusamo-nos a crer que os idealizadores desta esdrúxula campanha — que esta nova obra vem engrossar — estejam motivados diretamente a fomentar ideias materialistas, mas, ainda que inconscientemente, o resultado se encaminha para tal, o efeito é o mesmo. Daí, é de se perguntar quais os verdadeiros interesses deste lançamento? Não basta a FEAL dizer que a responsabilidade pelo conteúdo de um livro publicado sob o selo de sua editora seja expressamente dos autores; ela, FEAL, tem de assumir a sua responsabilidade, inclusive porque ela é o carro-chefe da divulgação e a instituição que lucra com tais obras. Em sendo uma instituição dita espírita, deve primar por direcionar-se conforme a coerência doutrinária que ela prega.

Seria muito aceitável que ela lançasse uma edição especial da primeira edição de O Céu e o Inferno, bem como de qualquer das obras de Kardec, a fim de que o leitor pudesse fazer um estudo comparativo da evolução da obra; o que ela está fazendo, por sua vez, é negar a continuação do trabalho de Kardec, rejeitando a atualização feita por ele. Isto sim é adulterar uma obra.

Por fim, queremos trazer aqui que a equipe do site Obras de Kardec tem trabalhado na publicação de obras comparativas da codificação espírita, dispondo lado a lado das páginas o conteúdo da primeira edição e o da edição com a última revisão kardequiana, facilitando assim o estudo e a pesquisa dos interessados em conhecer a evolução do pensamento do autor com relação ao texto trabalhado. E dentre essas obras, inclui-se O Céu e o Inferno (veja aqui); o seu volume I (com os textos originais em francês) já está à disposição para download, e o volume II, com as versões traduzidas, está sendo finalizada e em breve ficará ao alcance de todos — gratuitamente, diga-se.

Já a edição final do livro O Céu e o Inferno, traduzida por Louis Neilmoris, numa linguagem simplificada, pode ser obtiva também sem nenhum custo na Sala de Leitura do Portal Luz Espírita, disponível em PDF e EPUB.

Baixar gratuitamente O Céu e o Inferno de Allan Kardec.

O site da Federação Espírita Brasileira também oferece o download gratuito desta obra, conforme este link.

Nota: tentamos contato com a FEAL sobre a responsabilidade doutrinárias das publicações de sua editora, mas não obtivemos resposta.


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Comentários

  1. Olá!
    Gostaria de saber, tanto a FEAL e a FEB, porque não se juntam para um debate e analises filosóficas, com fatos e provas? eu acompanho essas pesquisas desde 2011 e o âmbito disso fica só entre grupos e nada em discussão grandiosa.
    Para o movimento espírita isso é muito importante incentivar essa dinâmica que tanto faz falta.
    Obrigado!

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    1. Caríssimo, João André, esse é o ponto central que tanto tem prejudicado o movimento espírita em sua totalidade: o individualismo das instituições. Seria muito bom, e temos fomentado isso, que as instituições abram diálogo. Mas não é fácil, há barreiras culturais. De qualquer forma, cobranças como essa sua ajudam a alertar a todos quanto a essa necessidade, para o bem da nossa doutrina. Gratos pela mensagem.

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  2. Boa noite!
    Desde que tomei conhecimento da possibilidade das obras de Kardec terem sido adulteradas após sua desencarnação, passei a estudar o assunto e já li alguns dos livros que tratam desse tema. Após ler boa parte da documentação e livros disponíveis, minha opinião atual é a de que as obras citadas FORAM SIM modificadas e é necessário trazer a verdade à tona e fazer justiça ao codificador, à Doutrina e aos espíritas em geral. O que estranha é a resistência da FEB em debater abertamente e de forma honesta o tema. Que ela apresente seus argumentos e tome uma posição sobre a originalidade das obras de Kardec disponíveis.

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    1. Emanuel, todas as opiniões são respeitáveis e quanto a sua, a regra não poderia ser diferente. Porém, uma boa opinião é sempre alicerçada em uma argumentação lógica e coerente com os fatos e evidências. Em algum momento da pesquisa, até o alcance de determinados argumentos, havia um lógica favorável à tese de adulteração; a sequência da pesquisa, no entanto, veio nos trazer evidências, documentos e novas interpretações que refutaram as teses anteriores e estabeleceram um novo patamar da lógica estendida a essa caso, de maneira que hoje estamos repletos de evidências que atestam a veracidade das edições das obras e rechaçam completamente as teses conspiratórias então levantadas. Se novos achados vieram propor uma reinterpretação, nós o faremos sem pesar; até lá, portanto, prevalece o que nos dizem a lógica, os fatos, os documentos e todo o conjunto de evidências atuais, que nos parecem bastante claros na solução desta peleja.

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  3. Fica cada vez mais difícil entender por que a tese da adulteração, seja da Gênese, seja do Céu e o Inferno, ainda continua a ser divulgada, e com insistência, apesar das provas documentais em contrário. Paira no ar a dúvida: a quem interessa essa controvérsia?! Coisas do Movimento Espírita...

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  4. Apenas a compreensão de que estamos em um momento culminante no processo evolutivo da Terra me faz entender espíritas dedicarem tantos esforços para desonrar Kardec e sua obra, fabricando suspeitas infundadas e teorias alucinadas sobre a moral espírita.
    Parabéns ao Luz Espírita pela coragem de dizer a verdade!

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    1. Você considera, então, que desonramos Jesus quando constatamos as adulterações no Evangelho e nos seus ensinamentos oringinais?

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  5. Boa tarde!

    "CEGO!... INTERESSEIRO!... DESONRA KARDEC!... ALUCINADO!... INFUNDADO!... MENTIROSO!...

    Imagino que os críticos (indiretos) ao meu texto tenham lido os livros da Simoni Privato e do Paulo Henrique de Figueiredo. Opiniões tão "fundamentadas", "sóbrias" e até mesmo "exaltadas" só poderiam partir de pessoas que TOMARAM CONHECIMENTO do tema. Por outro lado, se opinam sobre algo que não conhecem, contrariam a base fundamental de trabalho do próprio codificador, que tudo lia, estudava, comparava e passava pelo crivo da razão e do saber já estabelecido.
    Quando soube das tais possíveis adulterações, também fiquei indignado, contrariado e DESCONFIADO. Então, resolvi ler sobre o assunto, tomar conhecimento dos argumentos e fatos que "descortinavam" as modificações das obras. No final, decidi aceitar os resultados dos trabalhos e estudos apresentados nas publicações dos autores citados no início. Surgindo novo apontamento no futuro, será analisado e colocado na balança, podendo ou não mudar minha opinião. Simples assim!
    Sugiro que meus críticos façam o mesmo e fundamentem suas opiniões, sejam favoráveis ou não à minha, que respeitarei sempre.

    Bom final de semana a todos e fiquem em paz!

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  6. Parece que essa controvérsia vai além do que eu imagino; aliás, no CAP. XV de a GÊNESE, Kardec deixa claro que JESUS não foi agênere, pois isso seria uma grande farsa. Ele viveu encarnado e sofreu tanto físico como moralmente; então: Porque Lemarye em OS QUATRO EVANGELHOS diz que Cristo viveu fluidicamente? Isso já é forte evidência para que os espíritas ao menos leia O CÉU E O INFERNO como também A GÊNESE da FEAL. Nas pesquisas de Paulo Henrique de Figueiredo, fica evidente a supressão do capítulo oito. Fico aqui na expectativa de que lideranças fortes do movimento se manifestem e nos tirem estas dúvidas.

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    1. Respostas na página especial de pesquisa "O Caso A Gênese":
      https://www.luzespirita.org.br/index.php?lisPage=caso1

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    2. Você tem razão, mas eles querem se apropriar da verdade, transformando teorias em provas finais.

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  7. leia-se a primeira e a quinta edição e veja-se as diferenças. depois, cada um tirará as suas conclusões

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  8. Lutem, Lutem e relutem, mas não é possível fugir de um fato: a publicação de uma obra post-mortem, com alterações, constitui infração ao direito autoral, simplesmente porque o autor não está vivo para dizer se queria publicar tudo aquilo. Há evidências de que Kardec havia iniciado uma nova edição, mas nada que prove que ele a tenha concluído.

    Além disso, resta a dúvida razoável, dadas as alterações grotescas e sem sentido entre uma versão e outra. Pela mínima dúvida, o seguro é ficar com a edição publicada pelas mais de Kardec.

    Não queiram tomar para si o domínio da verdade, tentando transformar teorias e evidências em provas finais.

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    1. Não é preciso nenhuma luta, Paulo; é preciso apenas estudar os fatos. Então te sugerimos a leitura atenta do estudo especial que fizemos sobre "O Caso A Gênese", que resulta também na comprovação de toda inconsistência da "teoria de conspiração" que está sendo vendida quanto ao livro "O Céu e o Inferno". O link é este: https://www.luzespirita.org.br/index.php?lisPage=caso1

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    2. Explique, por gentileza, por que o item 10 do cap. VII, na "alteração", insere uma ideia evidentemente roustainguista, afirmando que somente encarnamos para expiarmos erros de vidas passadas (exatamente a ideia de Roustaing). Explique, por gentileza, por que motivo Kardec, nessa "alteração", jogou fora todo o entendimento que teve até então, pela Doutrina Espírita, contrariando não somente O Livro dos Espíritos e diversos aprendizados demonstrados na Revista Espírita, como inclusive aquilo que, antes, foi taxativo em afirmar, como resultado dos estudos.

      De maneira simples: por gentileza, explique por que, Kardec, na "alteração", contrariou a Doutrina e admitiu uma ideia de Roustaing, ligada ao dogma da queda pelo pecado.

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    3. Paulo, favor estudar o significado de "expiação" dentro do contexto espírita, conforme o verbete na nossa Enciclopédia Espírita Online: https://www.luzespirita.org.br/index.php?lisPage=enciclopedia&item=Expia%C3%A7%C3%A3o

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    4. Sua definição está errada, e somente pode nascer como um falso entendimento, justamente por conta das a[du]lterações em OCI após a morte de Kardec. Esse é o ponto. No restante da Doutrina e na 3a edição da obra, fica muito evidente que a expiação é o resultado da livre escolha do indivíduo. Além disso, Kardec, o tempo todo, defendeu e demonstrou O CONTRÁRIO daquilo que foi introduzido no item 10 do cap. VII da 4a edição de OCI, e só existe uma resposta para esse imbróglio, que vocês não querem aceitar, baseados em meras evidências que não provam nada.

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    5. Bom, todos têm o direito de pensar como bem queira. Toda a obra de Kardec consagra perfeitamente o sentido clássico de expiação, vide por exemplo a definição que o próprio codificador dá no Vocabulário Espírita: "EXPIAÇÃO - pena que sofrem os Espíritos em punição de faltas cometidas durante a vida corpórea. Como sofrimento moral, a expiação ocorre no estado errante; como sofrimento físico, ocorre no estado corporal. As vicissitudes e os tormentos da vida carnal são às vezes provas para o futuro e uma expiação para o passado."
      Além de outros tantos exemplos na bibliografia kardequiana, veja a aula ministrada em "O Evangelho segundo o Espiritismo": cap. V, especialmente o item 6: 'Causas anteriores das aflições', onde lemos: "Os sofrimentos devidos a causas anteriores a essa existência (como os que se originam de culpas atuais) são muitas vezes a consequência da falta cometida, isto é, pela ação de uma rigorosa justiça distributiva, o homem sofre o que fez os outros sofrerem. Se foi duro e desumano, em sua vez poderá ser tratado duramente e com desumanidade; se foi orgulhoso, poderá nascer em humilhante condição; se foi mesquinho, egoísta, ou se fez mau uso de suas riquezas, poderá se ver privado do necessário; se foi mau filho, poderá sofrer pelo procedimento de seus filhos etc."
      Mas, é claro, não basta ler: é preciso ler, ler com atenção e sem preconcepção, refletir e ser capaz de compreender; enquanto enviesado por alguma ideologia, aí não tem jeito, porque sempre vai faltar coragem para assumir a lógica e a razão das coisas.
      A ideologia que muitos querem implantar hoje é a de uma "religião customizada" por uma "fé customizada", em que cada um se acha no direito de criar um mundo para si do jeito que cada qual quer, esquecendo-se dos deveres (que são inseparáveis dos direitos); e querem inventar um Deus e uma Lei Divina que lhes agrade, numa versão em que o Espírito pode tudo e não aceite se submeter à vontade do Criador, e daí tenta-se redesenhar o significado de "expiação" ao gosto de suas paixões, pois não querem sofrer as consequências de seus atos.
      Esta é a "Revolução Espírita" que alguns defendem e nós, em acordo com o pensamento kardecista, refutamos com a justeza da racionalidade.
      Mas, cada qual que prossiga com o seu direito.
      De nossa parte, ficamos com Allan Kardec.

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