quinta-feira, 10 de junho de 2021

"Kardec e a divergência na forma de escrever o seu nome civil - atualização", por Paulo Neto


Nosso confrade e pesquisador espírita Paulo Neto (Minas Gerais) já há um bom tempo tem se dedicado, dentre outras coisas interessantes, ao estudo das diversas maneiras como tem sido escrito o nome civil de Allan Kardec, então Professor Rivail. Inclusive, já havíamos publicado uma duas versões de sua monografia acerca dessas pesquisas: a primeira em agosto de 2017 (veja aqui) e a segunda em setembro de 2018 (veja aqui). Eis, porém, que ora compartilhamos sua atualização, a partir de novos elementos históricos que vieram enriquecer o trabalho do nosso confrade. E é assim mesmo o ofício do bom pesquisador: sempre atualizar-se e deixar ser atualizado.

Desde já agradecemos ao pesquisador por nos compartilhar suas conclusões e, com satisfação, oferecemos aos nossos leitores esse valoroso trabalho atualizado:


Kardec e a divergência na forma de escrever o seu nome civil

“[…] quem quer esclarecer-se não deve colher ensinos de uma só fonte, porque só pelo exame e pela comparação se pode firmar um juízo.”
(ALLAN KARDEC, O que é o Espiritismo)

Ao longo do tempo, vínhamos observando que o nome civil de Allan Kardec (1804-1869) apresentava, para nossa surpresa, variações na ordem das palavras que o compõem. Até então, não havíamos nos preocupado muito com isso, entretanto, ao preparar a palestra Terceira Revelação – Espiritismo e Kardec, para ser apresentada no Grupo Espírita de Fraternidade Albino Teixeira, em Belo Horizonte, MG, voltamos a perceber essa divergência, daí resolvemos pesquisar para, se possível, conhecer as causas disso, porquanto intrigou-nos demais tal fato.

Estaremos apenas levantando a questão da ordem das palavras, portanto, não tentaremos buscar as informações sobre usar “z” em vez de “s” em Denisard, um “p” ou dois “pp” e “i” em vez de “y” em Hypolite, fatos que estamos registrando para que você leitor tome ciência disso.

Quando formos referenciar os documentos oficiais e não oficiais usaremos a numeração que colocamos em cada fonte, conforme constam nas Referências bibliográficas. Vamos denominar de “Documentos oficiais”, aqueles produzidos por órgão público ou particular encarregado de algum tipo de registro e de “Documentos não oficiais” os provenientes de outras fontes, incluindo, aí algumas produzidas pelo próprio Allan Kardec.

Nos documentos oficiais temos:


Então, aqui os termos “Denisard” e “Léon” não são mantidos na mesma ordem, sendo que a posição de Denisard em primeiro lugar aparece em 36% das ocorrências. Via de regra, dar-se-ia preferência ao que se utilizou na certidão de nascimento, caso na França seguisse, nesse particular, o que ocorre aqui no Brasil. Porém, acreditamos que a ordem estabelecida pela decisão judicial é que dará o norte do que se deve fazer.

Mais à frente apresentaremos as imagens constante na obra, da qual foram tomados a maioria das ocorrências; porém, algo já nos chamou a atenção na certidão de nascimento: qual é a razão da vírgula depois de Denisard?

Constata-se, também, que nas duas cópias da Certidão de Casamento há divergência na ordem do nome o que, a nosso ver, é algo bem estranho.

Novamente, apenas para registro, observe que na certidão de óbito de Allan Kardec lê-se Denisart e não Denisard, ou seja, em lugar do “d”, apareceu-nos um “t”.

Vejamos agora como consta o nome de Allan Kardec nos documentos não oficiais:


Nos documentos em que assina todo o nome – Carta a Amélie Boudet e Testamento – Allan Kardec mantém a ordem, porém, no primeiro ele apõe Denizard entre vírgulas, cuja razão para isso não entendemos.

Nas três ocorrências, onde Allan Kardec não assinou o nome todo, ele coloca as iniciais exatamente na ordem que utilizou nos dois documentos em que assina o nome completo. Sendo que o do Testamento, é, por sua vez, quase idêntica à que consta do Novo Dicionário Universal, publicado por Maurice Lachâtre (1814-1900), a não ser pela troca do “y” pelo “i” e o uso de dois “pp”.

Vejamos como alguns autores das fontes, que foram por nós utilizadas, tratam dessa questão.

Jorge Damas Martins e Stenio Monteiro de Barros se limitaram a apresentar o nome conforme consta da certidão de nascimento, da qual apresentam um fac-símile, que mostraremos mais à frente.

Przemyslaw Grzybowski também menciona a diferença na ordem e opta por aquela utilizada por Allan Kardec, justifica dizendo que foi ela que o Codificador assinou em suas obras.

Zêus Wantuil (1924-2011) e Francisco Thiesen (1927-1990), em nota explicativa sobre primeiro livro de Allan Kardec – Cours Pratique e Theórique d'Arithmétique, d'apres la méthode de Pestalozzi, informam:

Tanto nesta quanto em todas as demais obras pedagógicas do mesmo autor, seu nome está sempre estampado abreviadamente, como se segue: H. L. D. Rivail, o que vem patentear, a olhos vistos, a maneira por que ele dispunha o seu nome, ou seja: Hippolyte Léon Denizard Rivail, fato para o qual o Dr. Canuto Abreu, ilustre espírita brasileiro, já chamava a atenção na revista “Metapsíquica” de 1936, p. 112, dizendo que Hippolyte aparecia ainda como prenome nos registros de batismo e de casamento, bem assim nos documentos públicos em que ele lançava o seu nome por extenso ou abreviado. (WANTUIL e THIESEN, vol. I, 2004, p. 96)

E mais à frente, no capítulo “Kardec e o seu nome civil”, Wantuil e Thiessen apresentam várias considerações pelas quais justificam optar por Hippolyte Léon Denizard Rivail, que será bem interessante ao presente estudo, porquanto elenca a lista, objeto de sua consulta, razão pela qual transcrevemos o seguinte trecho:

[…] importa fazer algumas observações preliminares:
a) Tanto a certidão de nascimento (sic) quanto o registro de batismo do futuro Allan Kardec inscrevem Denizard(124) e cremos que também assim o faz o contrato de casamento(125). 
b) Por ocasião do passamento de Kardec, a "Revue Spirite" de 1869 publicou a páginas 130 um artigo da Redação intitulado -"Biographie de M. Allan Kardec", Aí aparece escrito, em grifo - Léon-Hippolyte-Denizart Rivail
Dois grandes discípulos de Kardec - Camilo Flammarion e Léon Denis - escreveram de maneira diferente o nome do mestre lionês. 
O primeiro, no seu “Discours prononcé sur la tombe d'Allan Kardec”, brochura editorada em 1869, apôs, em nota, ao pé da pág. 7: “Léon-Hippolyte-Denisart-Rivail”
O segundo, no “Prefácio” da 4ª edição da obra de Henri Sausse citada na nota (1), escreveu este período, à p. 8: Remarquons que mon nom est enchâssé dans celui d'Allan Kardec qui s'appelait en réalité: Hippolyte, Léon, Denisard Rivail”. 
c) A velha, mas sempre consultada obra de J.-M. Quérard - “La France Littéraire ou Dictionnaire Bibliographique (...)”, Paris, tomo VIII (1836), p. 58, registou: “Rivail (H. L. D.)”; o tomo XII (1859-64), p. 450, escreveu: “RIVAIL (Hippolyte-Léon Deriízart)”.
d) o famoso "Dictionnaire Universel des Contemporains, contenant toutes les personnes notables de la France et des pays étrangers”. de G. Vapereau, Paris, regista em sua 3ª edição (1865), inteiramente refundida e consideravelmente aumentada, pp. 31/2, e na 4ª edição (1870), p. 30: “Allan-Kardec (Hippolyte-Léon-Denizard Rivail, dit)”... 
O pseudônimo Allan-Kardec, conforme se lê no Prefácio datado de 1/12/1861, só entrou para o Dicionário de Vapereau a partir de sua 2ª edição, dada a público provavelmente entre 1861 e 1863. 
A quinta edição desta obra (1880) não inscreveu o nome Allan Kardec, mas a sexta edição (1893) traz, no pé da p. 26, a mesma grafia que demos acima para o nome de Kardec. 
e) O “Catalogue Général de la Librairie Française”, redigido por Otto Lorenz, Livreiro, escreve no tomo I, Paris, 1867, p. 27: “Allan Kardec, nom fantastique adopté par M. H.L.D. Rivail”; no tomo IV, Paris, 1871, p. 240: RIVAIL (Léon Hippolyte Denisart); no tomo V (tome premier du Catalogue de 1866-1875), Paris, 1876, p. 15: ALLAN KARDEC. Pseudonyme de H. L. D. Rivail
f) “Les Supercheries Littéraires dévoilécs”, par J. M. Quérard, segunda edição, consideravelmente aumentada, publicada pelos Srs. Guslave Brunet e Pierre Jannet, seguida (…), assim regista no tomo I, primeira parte (1869), a pp. 266: “Allan Kardec (Hipp.-Léon Denizart RIVAIL), ancien chef d'institution, à Paris (…)” 
g) O “Nouveau Dictionnaire Universel”, por Maurice Lachâtre, s. d.126, Paris, tomo primeiro, p. 199, regista: “Allan Kardec (Hippolyte-Leon-Denizard Rivail)”, fazendo a seguir longa biografia do Codificador. 
h) O “Orand Dictiormaire Universel du XIXe Siecle”, por M. Pierre Larousse, Paris, tomo nono (1873), regista: "Kardec (Hippolyte-Léon-Denizard Rivail, plus connu sous le pseudonyme d'Allan)”... 
i) Faz exatamente o mesmo o “Nouveau Larousse Illustré” (1897-1904), publicado sob a direção de Claude Augé, tom V. 
j) O “Dictionnaire Biographique et Bibliographique”, por Alfredo Dantès, Paris, 1875, p. 26, escreve: “Allan Kardec (Hipp. Léon Denizard Rivail)... 
k) O “Manuel Bibliographique des Sciences Psychiques ou Occultcs”, por Albert L. Caillet L C., Paris, 1912, regista: 
Tomo I, p. 28: “RIVAIL (Hippolyte-Léon-Denizard)”... 
Tomo II, p. 487: “Hippolyte Léon Denizard Rivail”... 
Tomo III, p. 407: “RIVAIL (Hippolyte-Léon-Denizard) dit Allan Kardec”...
l) O “Dictionnaire de Biographie Française", Paris, inclui no tomo segundo (Alíénor-Antlup), 1936. sob a direção de J. Balteau (Agrégé d'Htstoire), de M. Barroux (Archiviste paléographe, directeur honoraire des Architves de la Seine) e M. Prevost (Archiviste paléographe. conservateur adjoint à la Bibliotheque Nationale), com o concurso de numerosos e cultos colaboradores, inclui, como dissemos, na p. 98, o pseudônimo Allan Kardec, escrevendo-lhe assim o nome, de acordo com o registro de nascimento: “Denizard, Hippolyte, Léon Rivail”... 
m) O “Nouveau Dictionnaire Encyclopédique Universel Illustré”, sob a direção de Jules Trousset (3º vol.), escreve: "KARDEC (Hippolyle-Léon-Denizard RIVAIL)”...
n) “La Grande Encyclopédie”, por uma "Société de Savants et de Gens de Lettres" (1885-1902), escreve no volume 28: "RIVAIL. (Hippolyte-LéonDenizard)”... 
o) O tomo II (1900), coluna 319, do "Cataloque Général des livres imprimés de la Bibliothèque Nationale”, Paris, regista assim o nome de Allan Kardec: Hippolyte-Léon-Denizard Rivail. Nas colunas seguintes, o mesmo "Catálogo", ao relacionar-lhe as obras pedagógicas, põe sempre: H.-L.-D. Rivail
Apenas por essa amostra, incompleta. podem os leitores verificar haver uma quase unanimidade na maneira de se grafar a palavra principal em estudo.
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(124) Henri Sausse - “Biographie d'Allan Kardec” (Nouvelle Édition), 1910, p. 12; 4me édition (1927), pp. 18 e 19.
(125) idem, ibidem, p. 14; id. ib., p. 22. 
(126) O Dicionário não traz a data de publicação, nem no primeiro nem no segundo e último tomo. Ramiz Galvão coloca-lhe o aparecimento em 1865-1870. 
(WANTUIL e THIESEN, vol. I, 2004, p. 228-231) (grifo nosso).

O escritor Jorge Rizzini (1924-2008), mantém-se firme na escolha do nome que consta da certidão de nascimento, alegando que é esse que vale, por originar de documento oficial. Além disso, ele tece as seguintes considerações sobre a pesquisa de Wantuil:

Quer Zeus Wantuil que o nome civil de Kardec seja “Hippolyte León Denizard Rivail”. Entre seus argumentos destaca o registro de batismo e o de casamento. O primeiro nada representa, afirmemos logo. A certidão de nascimento, sim, pois é expedida pelas autoridades do país. Ninguém pode provar a filiação e a autenticidade de seu nome senão através da certidão de nascimento; com ela é que se obtêm os demais documentos.

Resta a certidão de casamento, na qual, muito estranhamente, se apoia Zeus Wantuil – estranhamente, repetimos, porque ninguém, que no Brasil quer no
estrangeiro, divulgou-a. Mas, é óbvio, Allan Kardec não poderia casar-se no civil sem antes apresentar sua certidão de nascimento; mesmo que se casasse na igreja teria que fazê-lo. Assim, na certidão de casamento de Kardec há de constar, também, seu verdadeiro nome: Denizard Hippolyte León Rivail. (RIZZINI, 1995, p. 11)

Jorge Rizzini restringiu demais a base de Zêus Wantuil, que, como vimos logo acima, é bem mais extensa do que aquela que nos quer fazer crer Rizzini, inclusive, nela se vê que a grande maioria das fontes citadas por Wantuil utiliza Hippolyte Léon Denizard Rivail.

Quanto à certidão de casamento, que Rizzini alega que nela deve constar o nome da certidão de nascimento, que supõe que teria sido apresentada, parece-nos que se deu justamente o contrário, pois observa-se que, na certidão de casamento, consta exatamente a grafia não aceita por Rizzini; mas aquela defendida por Wantuil, ou seja, Hippolyte Léon Denizard Rivail.

Oportuno, também, ressaltar que não é só Wantuil que cita a certidão de casamento, podemos encontrá-la em Jorge Damas e Stenio Monteiro, que, inclusive, apresentam um fac-símile dela (MARTINS e BARROS, 1999, encarte entre as páginas 50 e 51).

Na revista Reformador encontramos o texto “Allan Kardec e o seu Nome Civil” (p. 24-28) de autoria de Washington Luiz Nogueira Fernandes, do qual transcreveremos e, conforme o caso, comentar alguns trechos:

Nossa visão destes assuntos sempre foi mais documental, e não literária.

Assim, de posse de cópias dos documentos civis e certidões, isto é, de Fontes Primárias de informação, tudo seria esclarecido, não importando debates linguísticos, ou o que consta em livros de terceiros, que já seriam Fontes Secundárias, portanto, de valor menor, no tocante a esse assunto. (FERNANDES, 2000, p. 24)

Concordamos plenamente com o autor, e reconhecemos a nossa dificuldade em não ter as fontes originais. Entretanto, a coisa não é tão tranquila assim, pois mesmo naqueles que dizem ter essas fontes, encontramos problemas como ver-se-á mais à frente ao apresentarmos fac-símile da certidão de nascimento de Allan Kardec.

Com relação ao nome civil, positivamente, o que vale é o registro de nascimento, que justamente atribui nome e personalidade civil a alguém. O Código Napoleônico francês (1804) somente fez breves referências a esta matéria, sendo depois completada pelos textos das leis intermediárias e pela jurisprudência.

Se, por acaso, o nome no registro de nascimento fosse feito com algum erro linguístico, semântico, etc., o seu dono teria que carregar este nome até o fim da vida, em qualquer lugar do mundo, ressalvado o caso de alterá-lo.

Foi o Ato de Nascimento que atribuiu existência civil a Rivail, e através do qual ele recebeu um nome e identidade. Citações em dicionários, enciclopédias e catálogos referentes a este nome, ainda que publicados no decorrer da vida de Rivail, valeriam apenas como um registro cultural ou filológico, sem nenhum alcance para o registro civil. (FERNANDES, 2000, p. 25)

Está coberto de razão, porém, devemos conhecer melhor a certos detalhes que podem mudar aquilo que julgamos ser correto. No caso da certidão de nascimento, inclusive, o próprio autor constata isso neste texto, após Denizard há uma vírgula, e esse pequeno sinal gráfico não poderia mudar tudo? Sobre esse detalhe, argumenta Washington Luiz, em sua conclusão:

– Definitivamente, o verdadeiro nome, e o registro civil de Allan Kardec é: Denisard Hypolite Léon Rivail; observamos que a vírgula após o prenome Denisard é um procedimento usado ainda hoje nas certidões de nascimento francesas, que colocam, aliás, vírgula após cada termo do nome; se ele nascesse hoje, seria registrado como Denisard, Hypolite, Léon, Rivail, aparecendo uma vírgula após cada termo; não podemos confundir isto com citações bibliográficas, que colocam primeiro o sobrenome e depois a vírgula (Ex: Kardec, Allan), porque são coisas totalmente diferentes. Portanto, para efeito de saber o nome correto de alguém, à vista de sua certidão de nascimento francesa, pode-se ignorar a vírgula em sua certidão; (FERNANDES, 2000, p. 27, grifo nosso)

Estaria tudo certo não fosse o que nos traz Júlio Abreu Filho (1893-1971), quanto à questão da vírgula:

Há entre os espíritas uma certa confusão quanto ao nome do Codificador, por falta
de acomodação entre o sistema francês e o nosso de citar o nome das pessoas. Para uns o menino em questão era Léon, para outros Denizard e, ainda para um terceiro grupo, Hippolyte. É que, de um modo geral, nós ignoramos que:

I – na França é comum acrescentar-se ao prenome do menino o de um ou dois avós;
II – nas famílias nobres esse acréscimo se torna abusivo;
III – por vezes adiciona-se ao prenome do ascendente masculino o do padrinho;
IV – nos documentos oficiais é praxe escrever em primeiro lugar o nome da família e depois os prenomes.

Assim, no caso vertente, o prenome é Hippolyte; os prenomes adicionais, Léon e Denizard e o nome de família, Rivail. Comumente se escreve Hippolyte-Léon-Denizard Rivail, enquanto que nos documentos oficiais escrever-se-ia Rivail Hippolyte-Léon-Denizard.

E, escrevendo certo, justo é se exija a pronúncia correta.

Perdoem-nos os espíritas a exigência: é que não compreendemos não se saiba grafar e, menos ainda, pronunciar nome tão respeitável e que nos é sobremaneira caro. Seria uma falta de respeito. (ABREU FILHO, 1995, p. 9-10, grifo nosso)

Nota-se que não são concordantes as opiniões de Washington Luiz e Júlio Abreu, quanto à questão da vírgula, embora, a deste último ter uma aparência de mais coerente, apesar de a forma proposta não ser exatamente a que consta da certidão de nascimento.

Um pouco atrás falamos da dificuldade dos que se lançam a pesquisar os fatos em ter em mãos as fontes originais, o que hoje já não se justifica, porquanto, com todos os recursos de informática disponíveis, esses documentos já deveriam estar disponibilizados em algum site de alguma das Instituições que dizem representar o Movimento Espírita.

Para se ter uma boa ideia, dessa dificuldade, vejamos, por exemplo, a certidão de nascimento de Allan Kardec. Apresentamos estes dois fac-símiles, constantes dessas obras que utilizamos:

Embora os autores de Allan Kardec – Análise de Documentos Biográficos, Martins e Barros, não tenham mencionada a fonte da qual tomaram essa imagem, ao que descobrimos por gentil informação de um amigo, ela corresponde a arquivada nos Archives Municipales de Lyon ( iv ), apenas apresentam os caracteres mais “fortes”, provavelmente, por edição da imagem original, conforme se poderá ver no fac-símile, um pouco mais à frente.

Em Allan Kardec – o educador e o codificador, vol. I, em “Adendo Esclarecedor (Novos detalhes históricos)”, os autores Wantuil e Thiesen, que a fonte utilizada foi a pesquisa realizada pela Srª Teresinha Rey, de Genebra Suíça.

Comparando-se as duas imagens, vemos claramente que a fonte não pode ter sido a mesma, pois há diferença entre elas, especialmente, quanto à letra, que, embora seja muito semelhante não é a mesma. Fora a questão do local onde consta os selos. Fato que você, caro leitor, poderá pessoalmente constatar.

O problema é que todos são utilizados como se fossem o original, o que nos fez lembrarmos da frase atribuída a S. Jerônimo: “A verdade não pode existir em coisas que divergem”.

Apenas para que se possa comparar com o documento arquivado no Archives Municipales de Lyon, e aqui aproveitamos para agradecer ao amigo Carlos Seth Bastos, de Jacareí, SP, que nos informou sobre ele, trazemos o fac-símile dessa fonte (v). A página com a Certidão de Nascimento de Allan Kardec é a da sua direita:


Certamente, que nem temos condições técnicas para apontar qual é a ordem correta; porém, mesmo assim arriscaríamos a dizer que, em princípio, seria a ordem utilizada pelo próprio Allan Kardec no seu testamento, por razões, bem simples, não acreditamos que escrevesse seu nome errado, porquanto, portador de uma considerável cultura, isso, segundo pensamos, o impediria de utilizar uma ordem diferente da real, porém… Ah!, sempre aparece um porém, o que apresentaremos a seguir demostrará, exatamente, o contrário.

No apagar das luzes do ano de 2017, encontramos algo importante relacionado ao assunto, pois ele vem, inapelavelmente, definir qual o verdadeiro nome civil de Allan Kardec que devemos utilizar.

A diplomata brasileira Simoni Privato Goidanich, escritora e expositora espírita, publicou a obra El legado de Allan Kardec, em espanhol (vi), que informa ter sido resultado de pesquisa na Biblioteca Nacional da França, nos Arquivos Nacionais da França, na Confederação Espiritista Argentina e na Associação Espiritista Constância, de Buenos Aires.

Em 3 de outubro de 2018, Simoni Privato realizou a apresentação do livro na Confederação Espiritista da Argentina, cujo vídeo se encontra disponível no site do YouTube (9). A partir dos 39’’, ela aborda a questão do nome civil de Allan Kardec, informando que a divergência na forma de escrevê-lo, resultou num processo judicial, no qual, em 1º de maio de 1869, o Poder Judiciário Francês decidiu ser o seguinte: Denisard Hippolyte Léon Rivail. Isso pode ser muito bem ser confirmado nesta imagem apresentada pela Simoni Privato (9) na sua palestra (vii):


Observamos que essa forma de escrever seu nome civil é bem próxima da que consta na Certidão de Nascimento e na Certidão de Casamento – extrato, mas que ainda permaneceu a divergência no segundo nome, que aqui é grafado “Hippolyte” e na certidão como “Hypolite”, portanto, estavam “quase” certos todos os confrades que citamos que defendiam ser esse o documento que deveria decidir a questão. Entretanto, não obedecem a ordem dos dois documentos assinados por Allan Kardec – Carta a Amélie Boudet e Testamento, onde o Hypolite aparece em primeiro lugar, e divergente em relação ao “y” e “pp”.

E, para finalizar, gostaríamos de agradecer aos amigos que nos indicaram essa obra da Simoni Privato. Conforme suspeitávamos, em março de 2018 ela foi publicada pela USE – SP e CCEPD-ECM, na língua pátria.

Nosso objetivo ao tratar do tema não foi o de contestar ninguém que já tenha escrito algo sobre esse assunto, estamos apenas juntando o resultado de 13 várias pesquisas realizadas, para que o leitor, ávido de conhecimento, possa tê-las reunidas num só lugar.

Paulo da Silva Neto Sobrinho
Mar/2012.
Revisado em março de 2021

Referência bibliográfica:

(1) ABREU FILHO, J. O principiante espírita. São Paulo: Pensamento, 1995.
(2) FERNANDES, W. L. N. Allan Kardec e o seu nome civil. in. Reformador, ano 118, nº 2052. Rio de Janeiro: FEB, março 2000, p. 24-28.
(3) INCONTRI, D. e GRZYBOWSKI, P. (org) Kardec Educador. Bragança Paulista, SP: Ed. Comenius, 2005.
(4) KEMPF, C. Nome Civil de Allan Kardec, informação enviada por Email na data de 14 mar. 2021.
(5) LACHÂTRE, M. Allan Kardec in. COSTA NUNES, B. H et al. Em torno do Rivail.
Bragança Paulista, SP: Lachâtre, 2004.
(6) MARTINS, J. D. e BARROS, S. M. Allan Kardec: análise de documentos biográficos. São Paulo: Lachâtre, 1999.
(7) RIZZINI, J. Kardec, irmãs Fox e outros. Capivari, SP: EME, 1995.
(8) SETH, C. De Rivail a Kardec. (sites) Autores Espíritas Clássicos e Luz Espírita,
disponível em: https://www.luzespirita.org.br/leitura/pdf/L180.pdf, Acesso em; 17 mar. 2021.
(9) WANTUIL, Z. e THIESEN, F. Allan Kardec: o educador e o codificador, vol. I. Rio de Janeiro: FEB, 2004.
(10) WANTUIL, Z. e THIESEN, F. Allan Kardec: o educador e o codificador, vol. II. Rio de Janeiro: FEB, 2004.
(11) GOIDANICH, S. P. El legado de Allan Kardec – presentación en la Confederación Espiritista Argentina, https://www.youtube.com/watch?v=SddznxO66zE&t=823s. Acesso em 20 dez. 2017.
(12) Archives Municipales de Lyon, Certidão de nascimento de Allan Kardec: http://www.fondsenligne.archives-lyon.fr/ac69v2/genealogie.php?mode=1, acesso em: 12 ago. 2018.

Este texto foi publicado, numa versão anterior:
Revista Espírita Histórica e Filosófica nº 28. Porto Alegre: Maria Carolina Gurgacz, set/2012, p. 4-15.
Luz Espírita, disponível em:

i Nota da Transcrição (N.T.): Henri Sausse - “Biographie d'Allan Kardec” (Nouvelle Édition), 1910, p. 12; 4me édition (1927), pp. 18 e 19.
ii N.T.: idem, ibidem, p. 14; id. ib., p. 22.
iii N.T.: O Dicionário não traz a data de publicação, nem no primeiro nem no segundo e último tomo. Ramiz Galvão coloca-lhe o aparecimento em 1865-1870.
iv http://www.fondsenligne.archives-lyon.fr/ac69v2/genealogie.php?mode=1
Passo a passo: Entrar no link: http://www.fondsenligne.archiveslyon.fr/ac69v2/genealogie.php?mode=1; Preencher formulário: Commune: Lyon; Type d’acte: Baptêmes ou Naîssances; Registre ou table: Registre; Année/Période: 1804 à 1804. Na janela que abrir, escolha o último registro: “Lyon – Division du Midi – Naissance – Registre – 1 vendémiaire an XIII
(23/09/1804)-5è jour complémentaire an XIII (22/09/1805) – 2E110”, depois de aberta escolha a página 9.
vi Em São Paulo, a 04.03.2018, no Seminário “150 anos de A Gênese – o resgate histórico” promovido pela União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (USE-SP), em parceria com o Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – Eduardo Carvalho Monteiro, Liga de Pesquisadores do Espiritismo (LIHPE) e Site Autores Clássicos Espíritas foi lançada a versão em português da obra (GOIDANICH, S. P. O Legado de Allan Kardec. São Paulo: Edição U.S.E./CCDP-ECM, 2018). Esse tema é tratado no capítulo 8, “A sucessão e a questão do nome civil de Allan Kardec”, p. 115-123.
vii Na edição brasileira da obra, está na p. 125.

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