terça-feira, 12 de julho de 2022

"Adeus às armas" por Rogério Miguez


Adeus às armas

O planeta se aproxima do momento da transformação em mundo de regeneração, tantas vezes profetizada como consequência natural da lei de evolução regendo não somente o princípio material, quanto o espiritual. Há uma expectativa imensa dos que há bom tempo tomaram conhecimento desta tão esperada realidade, e assim aguardamos.

Quando poderemos avançar, moral e eticamente, e encontrar, finalmente, um pouco de paz em nossas vidas diante de tantas incertezas presentes? indagamos ansiosos.

Quanta esperança poder viver mais próximos uns dos outros, aproximando-nos mais da condição de verdadeiros irmãos, juntos progredindo a passos largos, um ajudando o outro na corrida da vida rumo ao prêmio maior: a perfeição relativa e a completa integração com o Pai!

Nada obstante, exatamente quando a Humanidade como um todo almeja ardentemente dias melhores, alguns enxergam como solução o uso da força para conquistar a tal almejada felicidade, esquecendo-se de que, ao possuir uma arma, está implícito o desejo de usá-la, lamentavelmente, contra outro ser humano.

O mais surpreendente é que muitos dos apoiadores desta estapafúrdia proposta são religiosos, outros, pasmem, religiosos também e adeptos e seguidores da proposta formulada por Allan Kardec, Doutrina que cataloga, entre muitos dos seus nobres princípios, exatamente o que ratifica a não violência, priorizando sempre a busca pela pacificação.

Conta-se que perguntaram a um espírita se ele algum dia compraria uma arma e a resposta foi categórica e realmente sábia: Jamais! Diante de tão positiva e pronta resposta, dita com plena convicção, formulou-se outra, questionando agora por qual razão? e a nova e correspondente resposta foi extremamente lúcida: Não desejo matar ninguém nesta vida! Espantosamente, este mesmo dito discípulo do mestre lionês e, portanto, cristão, anos mais tarde votou contra o proposto estatuto do desarmamento, pois não comungava com as ideias políticas dos idealizadores daquela campanha.

Observa-se, neste curto relato, a sabedoria baseada em conceitos espíritas, quando o irmão acima referido justificou a sua primeira posição expressando o desejo de não abreviar a existência de ninguém, nesta vida, porquanto sabemos que, em função de nossa forte ligação com este planeta de provas e expiações, é extremamente provável já termos tirado a vida não de apenas um, mas de muitos semelhantes em existências pregressas; no entanto, ele anulou o exemplo cristão oferecido na primeira resposta dada, quando votou contra o desarmamento, agora em função de posicionamentos políticos. Uma pena...

A violência jamais impedirá a violência, como os postulados espíritas, traduzindo as leis divinas, já nos orientaram reiteradamente. Mesmo assim, em pleno século XXI, temos muitos - vamos alargar um pouco mais o universo dos adeptos desta proposta – cristãos, alegando só poderem conter os atos violentos perpetrados corriqueiramente, armando-se, lutando de igual para igual, fogo contra fogo, arma contra arma, em uma demonstração inequívoca de que ainda não consolidaram certos entendimentos doutrinários, que nada mais são do que expressões das Leis do Criador, muitas delas trazidas há dois mil anos pela personificação máxima da brandura: o inesquecível Cristo Salvador.

Façamos um ligeiro e despretensioso exercício de imaginação:

Como os verdadeiros cristãos poderiam ter deixado à posteridade exemplos tão eloquente de fé quanto os que deram ao se entregarem resolutos, pacificamente, felizes, aos desatinados romanos que os imolaram aos milhares?

Francisco de Assis seria hoje tão conhecido e venerado, se houvesse usado de atitudes agressivas contra aqueles que não entendiam o alcance de sua proposta de viver com humildade e na pobreza?

Como a “grande alma” - Mahatma Gandhi -, poderia ter sobrepujado o poderoso império britânico, aquele sobre o qual diziam que o Sol jamais se punha, se houvesse utilizado da violência como ferramenta de luta e libertação, e não apenas os seus ideais da não violência? É de se notar ter Gandhi morrido pela ação de uma arma de fogo manuseada por um adversário cruel.

Finalmente, teria Jesus alcançado o patamar por Ele atingido de exemplificação de uma vida inteira de cordura e mansuetude, se tivesse enfrentado com violência os obcecados fariseus que o combatiam sistematicamente, bem como o mundo antigo que de modo algum o compreendia?

Sim, pacificadores vêm se apresentando no caminhar da Humanidade, legando incomparáveis modelos de mansidão à posteridade, plenamente contrários aos amantes da violência, da selvageria, da iniquidade, resquícios bem vivos ainda por depurar, oriundos das primitivas e bárbaras encarnações pelas quais todos nós experimentamos.

É de se lamentar assistir a cristãos ávidos por matar os poucos que ainda vivem segundo ferozes princípios, porquanto, estes, nada mais são do que frutos amargos de nosso próprio modo de vida, da nossa própria semeadura, de como temos mal dividido os generosos recursos oferecidos pela mãe Terra, resultados diretos da negligência que temos tido com os mais fracos e necessitados, mormente com a educação de nossas crianças, por séculos.

Qual é a nossa participação neste cenário moderno e aparentemente caótico a nos caracterizar? Somos nós mesmos que por aqui estivemos em pregressas existências e, quem sabe, se merecermos, neste mundo estaremos no futuro.

A propósito, enquanto escutamos insistentemente sobre propostas armamentistas, absolutamente nada ouvimos sobre novos e ajuizados projetos visando à Área da Educação, mormente endereçados àqueles agora aportando mais uma vez na escola Terra. Precisamos de professores motivados, adequadamente remunerados, livros, salas de aulas, uma boa internet, em suma, boas escolas e não de armas!

Quem fere com a espada, com a espada será ferido! Esta máxima, pronunciada há muitos séculos pelo Amorável Rabi da Galileia e plenamente ratificada pelo monumental edifício do conhecimento espírita, não é suficiente para acalmar o nosso íntimo, aplacar esta sede de vingança, este fogo destruidor que queremos lançar sobre os nossos agressores? Após a publicação dos compêndios espíritas, há mais de 150 anos, alguém ainda acredita no acaso?

Sobre esta impossibilidade podemos recordar o Espírito André Luiz1 quase ao final de uma, entre tantas, lúcidas mensagens de sua autoria:

O espírita está informado de que o acaso não existe.


Esquivar-se do uso de armas homicidas, bem como do hábito de menosprezar o tempo com defesas pessoais, seja qual for o processo em que se exprimam.

Será crível tal posicionamento de seres que alcançaram o reino dos humanos!? Qual exemplo daremos às nossas crianças quando assumimos a posição de que precisamos nos defender a qualquer preço, mesmo sendo ao custo da morte do pecador?

Onde está o bom senso? O equilíbrio? O perdão? Tamanho desatino!

Imaginemos se os cristãos não tivessem se imolado com alegria, nos deixado aquele testemunho eloquente de fé, pois convictos estavam sobre a continuidade da vida? Qual resultado esperamos alcançar, tirando a vida do semelhante?

Alguns desatinados, embora se dizendo cristãos, tresloucados pelo materialismo vigente, parecendo imperar nos corações e mentes, poderiam argumentar: antes ele do que eu!

Tempos sinistros estes caracterizando o início do século XXI. A Humanidade avançou sobremaneira no entendimento dos deveres e direitos, boas leis são promulgadas a todo o momento para tentar ajustar a sociedade na busca da paz e da tranquilidade, contudo, a nossa parte da Humanidade, os brasileiros, estão desejosos de possuir uma arma, um instrumento de morte, quando Jesus sempre nos ensinou existir apenas vida, e vida em abundância.

O título deste breve texto foi retirado do livro mundialmente conhecido escrito por um famoso pacifista, o escritor americano Ernest Hemingway – Adeus às armas. A obra se desenvolve como um romance, entretanto abordando os horrores da Primeira Guerra Mundial, deixando uma mensagem para a Humanidade: a de que não há nada glorioso nos conflitos armados. Cremos que podemos usar a advertência desse talentoso escritor para igualmente afirmar: não há nada cristão na conduta de se armar para matar o seu próximo.

Assim caminha a humanidade há milênios, entre modestos acertos e fragorosos enganos. Contudo, não precisa ser assim, não há por que ser desta forma, porém, se escolhermos as armas, na suposição de que estas detêm o poder de nos trazer a tão almejada paz do Cristo, estejamos certos de que muito em breve desejaremos impacientemente livrar-nos de todas elas, mais uma vez, plenamente cônscios de que jamais a violência poderá ser usada para combater a própria violência.

Lembrando ensinamento antiquíssimo, recordemos ainda uma vez mais: Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a Terra (Mateus, 5:5; grifo nosso); e, se a nossa memória não nos trai, esta profecia não foi revelada pelo Cristo de Deus!?
Rogério Miguez

Referência:

1 VIEIRA, Waldo. Conduta espírita. Pelo Espírito André Luiz. 13. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987. cap. 18. Perante nós mesmos.

2 comentários:

  1. Parte 1
    Caro articulista,
    Espero com esse texto contribuir com algumas reflexões com a seriedade que nossa amada Doutrina requer de todos nós.
    Causa-me estranheza o título do artigo “Adeus às armas” (A Farewell to Arms) retirado do livro de Ernest Hemingway publicado em 1929, livro inspirado em suas experiências na Primeira Guerra. A estranheza origina-se pelo fato de Hemingway ter continuado a se envolver voluntariamente com guerras ao longo de sua vida. Em 1935, foi como jornalista cobrir a guerra civil espanhola e tanto atuou como colaborador da guerrilha socialista e comunista que sua credibilidade como correspondente ficou comprometida. Durante a Segunda Guerra Mundial, por conta de sua simpatia comunista, equipou seu barco de pesca para patrulhar os submarinos alemães. Ainda empolgado com a guerra, integrou-se as tropas americanas na batalha de Bulge, que foi uma das maiores ofensiva norte-americanas contra os alemães. Em seguida, Hemingway liderou uma guerrilha que combateu na libertação de Paris. Após a derrota Nazista, apoiou continuadamente o partido comunista cubano. Mais recentemente, descobriu-se que o famoso autor era, também, espião da KGB.
    É preciso esclarecer, não existe uma oposição entre armas e livros. São objetos com finalidades diferentes. Winston Churchill que foi o grande líder que protegeu o mundo do Nazismo, antes lutou na Primeira Guerra Mundial e, após vencer Hitler, ganhou o Nobel de literatura. Aliás, o escritor comunista citado amava a guerra, as armas e os livros a ponto de buscá-los ao longo de toda a vida.
    O Espiritismo não é contra a posse de armas. O espírita deve avaliar sua condição social e histórica e tomar a decisão que acreditar mais ponderada. Ninguém nesse tópico está autorizado a falar “em nome do Espiritismo.” É preciso registrar que tanto nas descrições da vida espiritual de André Luiz e na excelente obra Memórias de um Suicida, as cidades espirituais são protegidas com armamentos poderosos. No mundo espiritual em volta da Terra, é necessário o uso de armamentos para proteção. Não sei se podemos, na Terra, simplesmente dispensarmos as armas.

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  2. Parte 2
    Parte 2
    Outro ponto central. Jesus não era contra que se portasse armas nem ao uso da violência de forma adequada, como Ele mesmo exemplifica, quando expulsa os vendilhões do Tempo de chicote em punho. Jesus ama a Deus acima de todas as coisas, por isso, defende o Templo, a casa de seu Pai.
    Amar o próximo como a si mesmo, significa, também, proteger-se e proteger a quem se ama. Allan Kardec, nas conclusões de O Livro dos Espíritos, comenta,

    ... para aqueles que compreendem o Espiritismo filosófico e nele veem outra coisa, que não apenas fenômenos mais ou menos curiosos, existem outros efeitos. O primeiro e mais geral consiste em desenvolver o sentimento religioso, até naquele que, sem ser materialista, só tem indiferença pelas coisas espirituais. Daí resulta, para ele, o desprezo pela morte; não nos referimos ao desejo de morrer, longe disso, pois o espírita defenderá a sua vida como outro qualquer, mas uma indiferença que o faz aceitar uma morte inevitável, sem-queixa nem pesar, como alguma coisa antes favorável que temível, pela certeza que possui do estado que a ela sucede. O segundo efeito, quase tão geral quanto o primeiro, é a resignação nas vicissitudes da vida. (Kardec, Allan. Livro dos Espíritos (p. 367). CELD. Edição do Kindle).

    Portanto, o Espiritismo nos fornece coragem e resignação!
    Explica Kardec na questão 882 de O Livro dos Espíritos,
    882. O homem tem o direito de defender o que acumulou através do trabalho?
    “Não disse Deus: Não roubarás? E Jesus: Dê-se a César o que é de César?”
    O que o homem junta, através de um trabalho honesto, constitui uma propriedade legítima, que ele tem o direito de defender, pois a propriedade que resulta do trabalho é um direito natural, tão sagrado quanto o de trabalhar e o de viver. (Kardec, Allan. Livro dos Espíritos (p. 307). CELD. Edição do Kindle.)

    Do ponto de vista espírita, o que é essencial é a condição moral do indivíduo. Um indivíduo perverso ou desequilibrado com uma faca ou uma pedra fará imenso mal, enquanto uma pessoa ética e treinada será um protetor da comunidade se estiver adequadamente armada como fazem os espíritos que protegem as colônias próximas a Terra e os trabalhos de socorro espiritual tanto nos centros espíritas como nas regiões inferiores.
    Além de teorizarmos, é essencial olharmos para nossa realidade. Observamos a vida, o dia a dia real. Somos um país seguro após tantos anos das campanhas de desarmamentos? Eis alguns números nos Estados Unidos o índice de homicídio é de 5,4 por 100 mil habitantes, quer dizer, para cada grupo de 100 mil pessoas há 5 homicídios por ano. No Brasil o índice é de 32 homicídios. Simplesmente seis vezes mais do que Os Estados Unidos. Tivemos, em média, mais de 60 mil homicídios por ano acontecidos nos últimos 15 anos, número que caiu recentemente.
    Em relação ao porte legal de armas, os Estados Unidos possuem 120 armas legais por 100 habitantes, quer dizer, tem mais arma do que gente. No Brasil, temos 8 armas legais por 100 habitantes. Não parece claro que simplesmente defender o desarmamento seja uma solução adequada ao grave problema da violência. Muitas vezes, soluções fáceis agravam problemas graves que precisam de estudos sérios.



    O autor de “Adeus às Armas”, abraçara o comunismo, tivera uma vida promíscua, tornou-se alcoólatra e teve quatro conturbados casamentos. Ante suas angústias, não buscou o amparo do Cristo, que o comunismo o ensinara a desprezar. Infelizmente, em 1961, cometeu suicídio, com uma arma. Entendamos, o essencial é nossa condição moral, é nossa ligação emocional com o Mestre que nos dá coragem para lutarmos com firmeza por nossas vidas e nos resignarmos ante as dificuldades inevitáveis da vida.

    Nota. Estas informações são hoje facilmente encontráveis. Mas, para os desejam pesquisar indico o livro de Nicholas Reynolds. Writer, Sailor, Soldier, Spy: Ernest Hemingway's Secret Adventures, 1935-1961

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