Artigo "Esquecimento do passado não é apertar a tecla delete", por Paulo da Silva Neto Sobrinho



“O gênio […] é fruto de longa experiência em muitas vidas. Algumas almas são mais velhas do que outras e, por isso, sabem mais…”
Henry Ford

Equivocadamente algumas pessoas pensam que o esquecimento do passado seja algo como apertar a tecla delete do teclado do seu notebook. Às vezes, dizem que ao nascer o Espírito é “uma página em branco”; sim, é fato, mas não de um livro com todas as páginas em branco, mas já com milhares de páginas escritas, onde se encontram gravadas em sua memória integral, o inconsciente, toda a sua evolução intelectual e moral.

O notebook, que usamos como exemplo, tem duas memórias: ROM e RAM:

As memórias ROM (Read-Only Memory – Memória Somente de Leitura) recebem esse nome porque os dados são gravados nelas apenas uma vez. Depois disso, essas informações não podem ser apagadas ou alteradas, apenas lidas pelo computador, exceto por meio de procedimentos especiais. […].

As memórias RAM (Random-Access Memory – Memória de Acesso Aleatório) constituem uma das partes mais importantes dos computadores, pois são nelas que o processador armazena os dados com os quais está lidando. Esse tipo de memória tem um processo de gravação de dados extremamente rápido, se comparado aos vários tipos de memória ROM. […]. (1) (grifo nosso)

Podemos, por comparação, dizer que, semelhante ao notebook, o ser humano tem duas memórias: memória integral, que corresponderia à ROM, e a memória atual, relacionada a RAM.

Curioso é o que aparece nos relatos de Espíritos e nos de pessoas que passaram por uma EQM – Experiência de Quase Morte, que, em tempo muito curto, viram, como se fosse um filme, todos os atos de sua vida, tal e qual um programa de texto que o lê, antes de gravá-lo na memória ROM.

Em O Livro dos Espíritos, 2º Livro, cap. IV, tópico “Ideias inatas”, temos esclarecimento quanto aos conhecimentos inatos:

218. O Espírito encarnado conserva algum vestígio das percepções que teve e dos conhecimentos que adquiriu nas existências anteriores?
“Resta-lhe uma vaga lembrança, que lhe dá o que se chama ideias inatas.”

218-a. A teoria das ideias inatas não é, portanto, uma quimera?
“Não; os conhecimentos adquiridos em cada existência não se perdem; liberto da matéria, o Espírito sempre se recorda. Durante a encarnação, pode esquecê-los em parte, momentaneamente; mas a intuição que deles guarda lhe auxilia o progresso, sem o que estaria sempre a recomeçar. Em cada nova existência, o Espírito toma como ponto de partida aquele em que se encontrava em sua existência anterior.” (2)

A prova de que os conhecimentos anteriores não se perdem, ao contrário se manifestam, vamos encontrar, especialmente, nas pessoas que vemos como homens de gênio.

Em A Gênese, cap. I, item 5, Allan Kardec (1804-1869) explica-nos:

"Mas quem são esses homens de gênio? Por que são gênios? De onde vieram? Como se tornaram? Notemos que a maioria deles possui, desde o nascimento, faculdades transcendentes e alguns conhecimentos inatos que, com pouco esforço, desenvolvem. De fato, eles pertencem à humanidade, pois nascem, vivem e morrem como nós. Pois, então, de onde adquiriram esses conhecimentos que não puderam aprender durante a vida? Pode-se dizer, como fazem os materialistas, ter o acaso dado a eles matéria cerebral em maior quantidade e de melhor qualidade? Neste caso, não teriam mais mérito que um legume maior e mais saboroso que os outros.

"Diremos, como certos espiritualistas, que Deus dotou os gênios de uma alma mais favorecida que a das pessoas comuns? Essa suposição é igualmente ilógica, pois qualificaria como parcial. A única solução racional desse problema está na preexistência da alma e na pluralidade das existências. O homem de gênio é um Espírito que, tendo vivido mais tempo, conquistou e progrediu mais do que os menos adiantados. Ao se encarnar, traz consigo o que sabe. Por saber mais que os outros, sem precisar aprender, é chamado de gênio. Contudo, seu saber é fruto de um trabalho anterior, e não resultado de um privilégio. Antes de renascer, já era um Espírito adiantado; reencarna para fazer os outros aproveitarem seu conhecimento, ou para progredir ainda mais." (3)

Retornando à obra O Livro dos Espíritos, destacamos, respectivamente, dois comentários de Allan Kardec sobre as respostas dos Espíritos superiores às questões 393 e 399:

"Embora em nossa vida corpórea não nos lembremos com exatidão do que fomos e do que fizemos de bem ou de mal nas existências anteriores, temos a intuição de tudo isso, sendo as nossas tendências instintivas uma reminiscência do nosso passado, tendências contra as quais a nossa consciência, que é o desejo que sentimos de não mais cometer as mesmas faltas, nos adverte para resistir." (4)

"Embora o homem não conheça os próprios atos que praticou em suas existências anteriores, sempre pode saber qual o gênero das faltas de que se tornou culpado e qual era o caráter dominante. Basta estudar a si mesmo e julgar do que foi, não pelo que é, mas pelas suas tendências." (5)

Então, evidencia-se que, de fato, não somos uma página branca em um livro em branco, mas trazemos, via reminiscências, todo o nosso passado que deságua sobre a personalidade atual como tendências, às quais é impossível fugir. Devemos nos esforçar para eliminar as más, visando sobressair somente as boas.

Na Revista Espírita 1858, mês de fevereiro, Allan Kardec publica o artigo “Diferentes ordens de Espíritos” no qual apresenta a classificação dos Espíritos conforme a ordem a que pertencem. Vamos destacar os de segunda ordem – bons Espíritos:

"Caracteres gerais. – Predominância do Espírito sobre a matéria; desejo do bem. Suas qualidades e o seu poder para fazerem o bem estão em razão do grau que alcançaram: uns têm a ciência, os outros a sabedoria e a bondade; os mais avançados unem o saber às qualidades morais. Não estando, ainda, completamente desmaterializados, conservam, mais ou menos, segundo sua classe, os traços da existência corporal, seja na forma da linguagem, seja em seus hábitos, onde se encontram mesmo algumas das suas manias; de outro modo, seriam Espíritos perfeitos." (6)

Importante a informação de que somente os Espíritos puros não conservam os traços da existência corporal, seja na forma da linguagem, seja em seus hábitos e algumas manias. O que vem significar que todos os Espíritos de segunda e terceira ordem trazem consigo tudo isso. Logo, quando reencarnam, apresentam todas essas características. Como? Na forma de reminiscências instintivas, ou seja, manifestam-se como tendências.

Na Revista Espírita 1859, mês de março, Allan Kardec diz que “[…] Estamos persuadidos de que devemos ter reminiscências de certas disposições morais anteriores; diremos até que é impossível que seja de outro modo, pois o progresso não se realiza senão gradualmente. […].” (7)

De O que é o Espiritismo, publicado em julho/1859, no tópico “Esquecimento do Passado”, destacamos este argumento de Allan Kardec:

"É assim que, reencarnando, o homem traz por intuição e como ideias inatas, o que adquiriu em ciência e moralidade. Digo em moralidade porque, se no curso de uma existência ele se melhorou, se soube tirar proveito das lições da experiência, se tornará melhor quando voltar; seu Espírito, amadurecido na escola do sofrimento e do trabalho, terá mais firmeza; longe de ter de recomeçar tudo, ele possui um fundo que vai sempre crescendo e sobre o qual se apoia para fazer maiores conquistas." (8) (grifo nosso)

Allan Kardec, como se vê, mantém-se firme na mesma linha de raciocínio, certamente, calcada nos ensinamentos dos Espíritos superiores.

Em Obras Póstumas, no artigo “Minha missão”, buscando confirmação do que lhe fora dito antes, pergunta ao Espírito Hahnemann: “Outro dia, disseram-me os Espíritos que eu tinha uma importante missão a cumprir e me indicaram o seu objeto. Desejaria saber se confirmas isso.” Cuja resposta foi:

"– Sim e, se observares as tuas aspirações e tendências e o objeto quase constante das tuas meditações, não te surpreenderás com o que te foi dito. Tens que cumprir aquilo com que sonhas desde longo tempo. É preciso que nisso trabalhes ativamente, para estares pronto, pois mais próximo do que pensas vem o dia." (9)

Então, a missão de Allan Kardec de trazer à Humanidade a revelação espírita, entre vários fatores, tem relação direta com as suas aspirações e tendências, provando, portanto, que nossas experiências reencarnatórias são como tijolos na construção de um edifício.

Assim, como existiram (ou ainda existe?) os caçadores da arca perdida, semelhantemente, no meio espírita, encontramos os “caçadores de reencarnações de personalidades”. Esse fato em si, não é um grande problema, já que a reencarnação é um dos princípios basilares do Espiritismo, o que torna isso fora de propósito é quando não apresentam elementos de prova que possam ligar os todos os candidatos envolvidos pela semelhança de tendências de seus supostos personagens anteriores.

Isso demonstra, que, apesar de se apresentarem como profundos conhecedores da Doutrina Espírita, estão bem longe disso, pois apenas elaboram uma lista de personagens sem entretanto apresentar as tendências que possam ligá-los uns aos outros, obedecendo, obviamente, ao fato de que “A cada nova existência, o Espírito dá um passo adiante na estrada do progresso. […].” (10)


1) INFOWESTER, Memória RAM e ROM, disponível em: 

2 KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 136.

3 KARDEC, A Gênese, p. 44.

4 KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 203.

5 KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 206.

6 KARDEC, Revista Espírita 1858, p. 41.

7 KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 70.

8 KARDEC, O Que é o Espiritismo, p. 115.

9 KARDEC, Obras Póstumas, p. 309.

10 KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 120


Paulo da Silva Neto Sobrinho
jul/2020.

Revisores:
Hugo Alvarenga Novaes
Rosana Netto Nunes Barroso.


Referências bibliográficas:

KARDEC, A. A Gênese. São Paulo: FEAL, 2018.

KARDEC, A. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 2006.

KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Brasília: FEB 2013.

KARDEC, A. O Que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2001.

KARDEC, A. Revista Espírita 1858. Araras (SP): IDE, 2001.

KARDEC, A. Revista Espírita 1859. Araras (SP): IDE, 1993.



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