Ensaio: "O Momento da Morte e o Desencarne" por Marcelo Medeiros


Recebemos o texto a seguir e julgamos muito válido para a reflexão geral, uma vez que a questão da morte está presente no nosso cotidiano, de graves implicâncias para a vida de todos, e em especial em meio à pandemia da covid-19 pela qual estamos passando, quando o espectro mortal apavora tanta gente, em virtude principalmente do tabu, que ainda está implantado em nosso meio, de falar desse fenômeno, embora seja tão natural e, aliás, invariável para todas as vidas orgânicas.

Observação: o autor utiliza-se do termo "desencarne", que, a rigor, não está contemplado pelos dicionários tradicionais e, por isso, pode causar certo desconforto aos literatos mais exigentes, sendo o vocábulo sugestivo para tal fim "desencarnação". Ainda assim, de nossa parte, conservamos aqui aquele termo, em respeito ao direito do autor, conquanto normalmente o evitamos.

Segue o texto:


O Momento da Morte e o Desencarne

Muito comum, mesmo entre os espíritas, que se faça confusão entre os termos morte e desencarne, porém os termos possuem sentidos diferentes e a compreensão deles nos ajudará a esclarecer um assunto muito importante: o que acontece com o Espírito no momento da morte do corpo? Ela é dolorosa? É igual para todos? É a todas essas perguntas que tentaremos esclarecer neste artigo.

Para ajudar a esclarecer esse assunto tão fascinante é preciso, antes de tudo, conhecermos o significado dos termos morte e desencarne para o Espiritismo.

  • A morte é o fim da vida do corpo físico, ocorre quando o corpo, natural ou forçadamente, não tem mais condições de se manter vivo.
  • O desencarne é o processo de desligamento do Espírito, e seu corpo espiritual ou perispírito, do corpo físico.

Ao reencarnar o Espírito se une ao corpo físico através de seu perispírito molécula a molécula, no desencarne esse processo é invertido e o Espírito se desligará do corpo também molécula a molécula. A esse respeito Kardec escreveu que “o fluido perispiritual só pouco a pouco se desprende de todos os órgãos, de sorte que a separação só é completa e absoluta quando não mais reste um átomo do perispírito ligado a uma molécula do corpo” [1]. É importante ressaltar o fato de que morte e desencarne acontecem, normalmente, em momentos distintos e é isso que veremos agora com mais detalhes.

Kardec generaliza os diferentes “tipos” de desencarne quanto ao momento em que se dão e consequentemente quanto à facilidade ou dificuldade do processo. Os exemplos devem ser entendidos como casos extremos e, portanto, existem muitas variações entre um tipo e outro. Essa generalização foi feita em quatro grandes grupos que são:

“Se no momento em que se extingue a vida orgânica o desprendimento do perispírito fosse completo, a alma nada sentiria absolutamente.

"Se nesse momento a coesão dos dois elementos (os dois corpos: espiritual e carnal) estiver no auge de sua força, produz-se uma espécie de ruptura que reage dolorosamente sobre a alma.

"Se a coesão for fraca, a separação torna-se fácil e opera-se sem abalo.

"Se após a cessação completa da vida orgânica existirem ainda numerosos pontos de contato entre o corpo e o perispírito, a alma poderá ressentir-se dos efeitos da decomposição do corpo, até que o laço inteiramente se desfaça” [2].

Após esses oportunos esclarecimentos sobre os diferentes processos de desencarne, Kardec finaliza dizendo que “daí resulta que o sofrimento, que acompanha a morte, está subordinado à força adesiva que une o corpo ao perispírito; que tudo o que puder atenuar essa força, e acelerar a rapidez do desprendimento, torna a passagem menos penosa; e, finalmente, que, se o desprendimento se operar sem dificuldade, a alma deixará de experimentar qualquer sentimento desagradável” [3].

Mas então o que gera essa força “adesiva” que torna o corpo espiritual mais ligado ao corpo carnal e, por consequência, mais difícil e penoso o seu desligamento para o Espírito? Kardec mais uma vez vem nos esclarecer quando responde que “o estado moral da alma é a causa principal que influi sobre a maior ou menor facilidade do desligamento. A afinidade entre o corpo e o perispírito está em razão do apego do Espírito à matéria; está em seu máximo no homem cujas preocupações todas se concentram na vida e nos gozos materiais; ela é quase nula naquele cuja alma depurada está identificada por antecipação com a vida espiritual. Uma vez que a lentidão e a dificuldade da separação estão em razão do grau de depuração e de desmaterialização da alma, depende de cada um tornar essa passagem mais ou menos fácil ou penosa, agradável ou dolorosa”.[4]

Fica agora fácil entender que os fenômenos da morte e do desligamento do Espírito em relação ao corpo (desencarne) ocorrem, de modo geral, em momentos distintos podendo ser essa diferença de tempo em horas, dias, meses e mesmo anos. O que também nos chama a atenção é o fato de depender de cada um tornar esse momento mais fácil e agradável ou mais penoso e doloroso. A vida plenamente material onde se busca tudo que a matéria oferece como gozos e posses é aquela que dará mais dificuldade ao Espírito na hora do desencarne. Aquele que vive conforme a moral do Evangelho, dando importância relativa às coisas materiais, reconhecendo seu valor, mas não vivendo em função disso e principalmente reconhecendo e aceitando os Desígnios Divinos acima de qualquer revolta, esse sim terá uma passagem tranquila e fácil quando chegar sua hora.

Existe um outro fenômeno que possui relação direta com a moral do indivíduo e que começa a acontecer imediatamente após a morte do corpo, é o fenômeno da perturbação espiritual. Como nos esclarece Kardec a esse respeito “[...] nesse momento a alma sente um entorpecimento que paralisa, momentaneamente, as suas faculdades e neutraliza, pelo menos em parte, as sensações; está, por assim dizer, cataleptizada, de sorte que quase nunca testemunha consciente o último suspiro. [...] A perturbação pode, pois, ser considerada como estado normal no instante da morte; a sua duração é indeterminada; varia de algumas horas a alguns anos. À medida que ela se dissipa, a alma está na situação do homem que sai de um sono profundo; as idéias estão confusas, vagas e incertas; vê-se como através de um nevoeiro; pouco a pouco a visão se ilumina, a memória retorna e ela se reconhece. Mas esse despertar é bem diferente, segundo os indivíduos; nuns é calmo e proporciona uma sensação deliciosa; noutros, é cheio de terror e ansiedade, e produz o efeito de um horrível pesadelo”.[5]

Assim fica mais uma vez clara a importância de uma vida reta, onde impere a moral do Evangelho de Jesus e onde cada um se esforce para ser cada dia melhor que no dia anterior. Para fechar a questão trago mais uma citação de Kardec onde ele fecha o assunto com muita clareza e objetividade:

“O último alento quase nunca é doloroso, uma vez que ordinariamente ocorre em momento de inconsciência, mas a alma sofre antes dele a desagregação da matéria, nos estertores da agonia, e, depois, as angústias da perturbação. Demo-nos pressa em afirmar que esse estado não é geral, porquanto a intensidade e duração do sofrimento estão na razão direta da afinidade existente entre corpo e perispírito. Assim, quanto maior for essa afinidade, tanto mais penosos e prolongados serão os esforços da alma para desprender-se. Há pessoas nas quais a coesão é tão fraca que o desprendimento se opera por si mesmo, como que naturalmente; é como se um fruto maduro se desprendesse do seu caule, e é o caso das mortes calmas, de pacífico despertar”.[6]

Marcelo Medeiros


Referências:

1. Kardec, Allan. O Céu e o Inferno. 2ª parte, cap. 1, item 4.
2. Idem. Ibidem, item 5.
3. Idem. Ibidem.
4. Idem. Ibidem, item 8.
5. Idem. Ibidem, item 6.
6. Idem. Ibidem, item 7.

Fonte: Espiritismo, 3ª revelação.



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