segunda-feira, 8 de abril de 2019

"Leymarie, aceite os meus conselhos...!" por Ery Lopes


Publicamos aqui recentemente o lançamento na nossa Sala de Leitura da Revista Espírita - Coleção 1867de Allan Kardec (ver aqui), da qual pomos em evidência um trecho que pensamos ser bastante oportuno para os dias correntes, enquanto temos assistido a grandes descobertas acerca da História do Espiritismo, com especial expectativa para o projeto Cartas de Kardec (saiba mais aqui).



O trecho ao qual nos referimos consta da edição da Revue Spirite (Revista Espírita) fevereiro de 1867, na clássica seção "Dissertações espíritas", na qual várias entidades espirituais se dirigiam à Kardec e demais membros da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas para lhes dar suas opiniões e conselhos acerca de variados temas. O item específico é uma comunicação intitulada "A Clareza", assinada pelo Espírito Sonnez, recebida ali em 5 de janeiro de 1866 através da mediunidade do Sr. Leymarie.

Ora, pois, estamos falando de Pierre-Gaëtan Leymarie (1827-1901), registrado por muitos livros e enciclopédias como "o continuador da obra de Allan Kardec" e, portanto, grande contributo da Doutrina Espírita. Acontece que, como temos acompanhado um grande resgate histórico do Espiritismo, os fatos vão se apresentando e certos conceitos redesenhados mediante as evidências. No caso em questão — infelizmente — temos que a "obra espírita" de Leymarie tem se revelado nefasta para a nossa doutrina.


Pierre-Gaëtan Leymarie

De fato, Leymarie foi um joio no meio do trigo espírita cujos danos são incalculáveis. A quem mesmo quem lhe atribua o fracasso do Espiritismo na França logo após a morte do Codificador espírita. Talvez seja uma sentença demasiada forte, no entanto é patente que ele teve um peso enorme na "descontinuação da obra kardequiana", conforme podemos conferir no documentário Espiritismo à Francesa - a derrocada do Movimento Espírita Francês pós-Kardec (Luz Espírita, 2018).



Também Leymarie esteve diretamente envolvido em outro esdrúxulo episódio da historiografia espírita: a adulteração do livro A Gênese de Allan Kardec, conforme a pesquisa realizada pela diplomata brasileira e pesquisadora espírita Simoni Privato Goidanich em seu livro O Legado de Allan Kardec. (saiba mais aqui).



E muito mais está por vir aí, pelo menos é a expectativa em torno do projeto Cartas de Kardec, nas mãos da FEAL - Fundação Espírita André Luiz, já citado neste post. Uma demonstração prática disso é a fraude de um importante texto de Kardec que Leymarie inseriu no livro Obras Póstumas, tanto que, na exposição do ebook deste livro em nossa Sala de Leitura, colocamos a seguinte advertência: "ATENÇÃO: informações recentes sugerem que textos da autoria de Allan Kardec foram adulterados e inseridos nesta obra, pelo que, recomendamos sua leitura com o máximo de rigor crítico enquanto tais alterações sejam apuradas e a obra seja relançada.(saiba mais aqui).



Pois bem, é de se pensar que, pela relevância da continuação da obra de Kardec na propagação do "Consolador Prometido", a "Terceira Revelação" da lei de Deus, a espiritualidade deveria ter agido de forma mais veemente, seja para impedir que Leymarie indevidamente se apossasse  como o fez — do movimento espírita e daí lhe encaminhasse à ruína na França e, por conseguinte, em toda a Europa. E convém tenhamos em conta que, tendo Kardec à frente, o Espiritismo só crescia, tanto que os eufóricos prognósticos eram de que nos primeiros anos do século seguinte, a Doutrina Espírita já seria a "doutrina predominante no mundo", encaminhando a Humanidade rápida e decididamente à Nova Era; sob o comando de Leymarie, ao contrário, o Espiritismo praticamente foi varrido do Velho Continente, incluso no solo francês, seu berço.

A esta colocação, diríamos que os mentores espirituais contribuem com um tanto e necessariamente esperam pela contrapartida dos homens — quem deveria ser os mais interessados , inclusive pelo critério de livre-arbítrio a ser respeitado, como condição mesma de evolução humana.


Por que os Espíritos superiores permitem que pessoas dotadas de grande poder, como médiuns, e que muito de bom poderiam fazer, sejam instrumentos do erro?
“Os Espíritos de que falam procuram influenciá-las; mas, quando essas pessoas consentem em ser arrastadas para mau caminho, eles as deixam ir. Daí o fato de se servirem delas com repugnância, visto que a verdade não pode ser interpretada pela mentira.”

O Livro dos Médiuns, Allan Kardec - cap. XX questão 7ª.

De outra sorte, poder-se-ia indagar se não seria o caso de a espiritualidade ajudar Leymarie em sua missão, posto que talvez fosse inevitável que ele tivesse que passar pela provação de "beber da fonte do poder". Não poderiam os Espíritos lhe ter advertido de forma mais concreta?

É sobre esta outra situação que resgatamos o trecho na dita Revista Espírita. Pois é que Leymarie, um dos mais requisitados médiuns da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, não deixou de ser instruído sobre seus deveres espíritas e alertado sobre as vicissitudes de sua missão — que certamente foi planejada, em seu plano reencarnatório, para almejar êxito e verdadeiramente dar continuidade à obra espírita de Kardec, de quem era "amigo".

Por tantas vezes o Codificador enfatizou que cumpre primeiramente ao médium tirar os ensinamentos dos bons Espíritos, visto serem eles os primeiros a receber essas comunicações...! Daí temos Erasto a prever contra estes: "Serão punidos duplamente se fizerem mau uso delas, porque têm um meio a mais de se esclarecerem e o não aproveitam. Aquele que vê claro e tropeça é mais censurável do que o cego que cai no fosso." (O Livro dos Médiuns, Allan Kardec - cap. XX - questão 3ª).

Dito isto, vejamos o quão emblemática nos parece a então comunicação que Leymarie recebeu na SPEE (obs: os grifos em negrito são nossos):

A CLAREZA
(Sociedade de Paris, 5 de janeiro de 1866 – Médium: Sr. Leymarie)

Conceder-me-íeis hospitalidade para a vossa primeira sessão de 1866? Abraçando-o fraternalmente, desejo vos apresentar votos amigos; que possais ter muitas satisfações morais, muita vontade e caridade perseverante.

Neste século de luz, o que mais falta é clareza! Os semissábios, os papões da imprensa, fizeram valentemente o trabalho da aranha, para obscurecer, por meio de um tecido supostamente liberal, tudo o que é claro, tudo que aclara.

Caros espíritas, encontrastes em todas as camadas sociais esta força de raciocínio que é a marca da inteligência dos seres bem-sucedidos? Ao contrário, não tendes a certeza de que a grande maioria de vossos irmãos apodrece numa ignorância malsã?

Por toda parte as heresias e as más ações! As boas intenções, viciadas em seu princípio, caem uma a uma, semelhantes a esses belos frutos, cujo cerne um verme rói e o vento lança por terra. A clareza nos argumentos, no saber, acaso teria escolhido domicílio nas academias, entre os filósofos, os jornalistas ou os panfletários?... Ao que parece, poder-se-ia duvidar, vendo-os, a exemplo de Diógenes, de lanterna à mão, procurar uma verdade em pleno sol.

Luz, claridade, sois a essência de todo movimento inteligente! Logo inundareis com os vossos raios benfazejos os mais obscuros refolhos desta pobre Humanidade; sois vós que tirareis do lamaçal tantos terrícolas pasmados, embrutecidos, Espíritos infelizes que devem ser purificados pela instrução, pela liberdade e, sobretudo, pela consciência de seu valor espiritual. A luz expulsará as lágrimas, as penas, os sombrios desesperos, a negação das coisas divinas, todas as más vontades! Sitiando o materialismo, ela o forçará a não mais se abrigar por trás dessa barreira factícia, carcomida, de onde arremessa desajeitadamente suas flechas sobre tudo quanto não é obras sua.

Mas as máscaras serão arrancadas e então saberemos se os prazeres, a fortuna e o sensualismo são mesmo os emblemas da vida e da liberdade. A clareza é útil em tudo e a todos; no embrião como no homem é preciso luz! Sem ela tudo marcha às cegas e, às apalpadelas, a alma busca a alma.

Que se faça uma noite eterna! Logo as coisas harmoniosas desaparecerão de vosso globo, as flores estiolar-se-ão, as grandes árvores serão destruídas; os insetos, a Natureza inteira não mais darão esses mil ruídos, a eterna canção de Deus! Os regatos banharão barrancos desolados; o frio terá tudo mumificado, a vida terá desaparecido!...

É o mesmo para o Espírito. Se fizerdes noite em seu redor, ele ficará doente; o frio petrificará suas tendências divinas; o homem, como na Idade Média, entorpecer-se-á, semelhante em sua alma às solidões selvagens e desoladas das regiões boreais!

É por isto, espíritas, que vos deveis a todas as clarezas.

Mas antes de aconselhar e ensinar, começai primeiro por esclarecer os menores recônditos de vossa alma. Quando, bastante depurados para nada temer, puderdes elevar a voz, o olhar, o gesto, fareis uma guerra implacável à sombra, à tristeza, à ausência de vida; ensinareis as grandes leis espíritas aos irmãos que nada sabem do papel que Deus lhes assinala.

1866, possas tu, para os anos por vir, ser esta estrela luminosa, que conduzia os reis magos para a manjedoura de uma humilde criança do povo. Eles vinham render homenagem à encarnação que devia representar, no mais vasto sentido, o Espírito de Verdade, esta luz benfeitora que transformou a Humanidade.

Por esse menino tudo foi realizado! É bem ele que eterniza a graça e a simplicidade, a caridade, a benevolência, o amor e a liberdade.

O Espiritismo, estrela luminosa que também é, deve rasgar, como o fez aquela há dezoito séculos, o véu sombrio dos séculos de ferro, conduzir os terrícolas à conquista das verdades prometidas. Saberá ele bem se desvencilhar das tempestades que nos prometem as evoluções humanas e as resistências desesperadas da ciência em apuros? É o que vós todos, meus amigos, e nós, vossos irmãos da erraticidade, somos chamados a melhor acusar, inundando este ano com as claridades conquistadas.

Trabalhar com este objetivo é ser adepto do Menino de Belém, é ser filho de Deus, de quem emanam toda luz e toda clareza.
Sonnez

Veja-se a quantas "claridades" foi o médium Leymarie encaminhado, e isso sem contar de outras tantas mensagens que foram transmitidas pela sua mediunidade, nas demais edições da Revista Espírita e outras que não Kardec não teve tempo de publicar. Acrescente-se a isso as instruções mentais que não foram postas no papel, que o médium guardou consigo. Tivesse ele ouvido os bons Espíritos, o movimento espírita francês e europeu possivelmente teriam durando mais e, quem sabe, mudado o curso da História do século XX sensivelmente. Quem sabe?...

Não faltou, portanto, um bom Espírito a dizer ao sucessor de Kardec: "Leymarie, meu irmão, aceite os meus conselhos...".

Se damos visibilidade a essas conclusões, não o fazemos para denegrir a memória do referido personagem (quem, por sinal, nós supomos já esteja reabilitado e trabalhando pela doutrina de forma produtiva), tampouco estão nossos conclusões carregadas de rancor ou mesmo lamentação gratuita: nós o fazermos, antes de tudo, pela precisão histórica, mas também pela lição — conquanto amarga — que daí devemos todos colher, muito falíveis que somos ainda e porque cada qual traz em seu plano reencarnatório suas obrigações espirituais, tendo em mente que o Espiritismo tem origem divina, porém requer a contribuição humana — exatamente para quem ele se destina.

Afinal, o futuro do Espiritismo será o que dele os espíritas fizerem.

Ery Lopes

2 comentários:

  1. Excelente artigo. Infelizmente, o Movimento Espírita Brasileiro prefere colocar para sob o tapete os erros das pessoas e instituições, sem refletir adequadamente sobre os mesmos. E, assim, vamos indo, sem repetir praticamente nenhuma das lúcidas ações de Rivail, à frente da SPEE e do movimento espírita inaugural. Sem bom senso, sem lógica, sem crítica, sem CUEE, sem rechaço às vaidades pessoais, somos - Espiritismo Brasileiro - praticamente uma seita religiosa em que fanáticos ficam adotando guias e mentores (e suas falas) como sendo similares àquelas que Kardec selecionou em suas 32 obras. Até quando?

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  2. Excelente artigo. Infelizmente, o Movimento Espírita Brasileiro prefere colocar para sob o tapete os erros das pessoas e instituições, sem refletir adequadamente sobre os mesmos. E, assim, vamos indo, sem repetir praticamente nenhuma das lúcidas ações de Rivail, à frente da SPEE e do movimento espírita inaugural. Sem bom senso, sem lógica, sem crítica, sem CUEE, sem rechaço às vaidades pessoais, somos - Espiritismo Brasileiro - praticamente uma seita religiosa em que fanáticos ficam adotando guias e mentores (e suas falas) como sendo similares àquelas que Kardec selecionou em suas 32 obras. Até quando? Marcelo Henrique, Florianópolis (SC).

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