"Curiosidades da 1ª edição em português do livro A Gênese" por Adair Ribeiro
Afonso Angeli Torteroli foi um dos principais divulgadores e uma das figuras mais importantes para o Espiritismo no final do século XIX e início do século XX no Brasil.
Em janeiro de 1881 a Sociedade Acadêmica lançou o periódico denominado REVISTA DA SOCIEDADE ACADÊMICA DEUS, CHRISTO E CARIDADE, que tinha Torteroli como redator-chefe.
Visando a união e a unificação do Movimento Espírita Brasileiro, foi organizado em setembro de 1881, no Rio de Janeiro, o 1° Congresso Espírita Brasileiro.
Segundo o pesquisador Mauro Quintella, biógrafo de Torteroli, ele foi fundador do “Centro da União Espírita do Brasil”, instituição que tinha a intenção de coordenar o Movimento Espírita Brasileiro.
Torteroli foi um dos mais atuantes diretores da Sociedade Acadêmica. Sob sua influência e liderança, ocorreu imprescindível oposição ao trabalho da edificação do pensamento de Roustaing no Brasil. Torteroli, era líder dos chamados “científicos” (antirroustainguismo), e investiu fortemente contra Bezerra de Menezes tido como “místico” (neorroustainguista).
Segundo as informações constantes em uma das folhas iniciais da primeira edição brasileira do Livro A Gênese, publicada em 1882:
O Centro na 13ª Sessão Extraordinária preparatória da “Academia Spirita de Sciencias”, realizada em 28 de agosto de 1881, foi deliberado que a sua diretoria estava autorizada a publicar com urgência a tradução da 5ª obra adotada pela Sociedade Acadêmica (vide foto) – A GÊNESE, OS MILAGRES E AS PREDIÇÕES SEGUNDO O ESPIRITISMO, sob a organização de sua COMISSÃO DE REDAÇÃO, à vista das duas traduções que foram oferecidas.
Foto 1
As obras adotadas pela Sociedade Acadêmica eram: 1ª) O Livro dos Espíritos (parte filosófica) contendo os princípios da Doutrina Espírita; 2ª) O Livro dos Médiuns (parte experimental) contendo a teoria de todos os gêneros de manifestações espíritas; 3ª O Evangelho Segundo o Espiritismo (parte moral) contendo a explicação das máximas do Cristo, sua aplicação e concordância com o Espiritismo; 4ª O Céu e o Inferno ou a justiça divina segundo o Espiritismo (parte doutrinária), contendo números exemplos sobre o estado dos Espíritos no mundo espiritual e na Terra; 5ª A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo (parte científica), contendo a explicação das leis que regem os fenômenos da natureza.
Estas obras foram adotadas em francês. As traduções serão aprovadas depois de cotejadas com os originais. A presente tradução de A Gênese, publicada sob os auspícios da Sociedade Acadêmica, foi aprovada.
Segundo o pesquisador Mauro Quintella, o trabalho de tradução era creditado à Comissão de Redação da Sociedade Acadêmica, mas, Quintela informa que, segundo o confrade Arthur Machado, era Torteroli, sozinho, quem executava essa tarefa.
Torteroli, também, colaborou na elaboração dos primeiros números da REVISTA O REFORMADOR, que foi lançada em 21 de janeiro de 1883. A Sociedade Acadêmica suspendeu a circulação da REVISTA O RENOVADOR para que o público não se dividisse entre ela e o Reformador. Os assinantes do primeiro, caso desejassem, passariam a receber o segundo.
Gostaríamos de apontar algumas curiosidades que se apresentam na primeira edição brasileiro do livro A GÊNESE, que foi lançada entre junho e julho de 1882, pela Sociedade Acadêmica.
Foto 2
Foto 3
PRIMEIRA CURIOSIDADE
Na folha que consta a descrição da obra, autor e o editor, é informado que ela foi traduzida da OITAVA EDIÇÃO (vide foto 1) do original francês. Aí temos um primeiro questionamento e mistério! Como pode esta obra ter sido feita a partir da oitava edição do original em francês, se a SÉTIMA EDIÇÃO e a OITAVA EDIÇÃO dos livros em francês - LA GENÉSE LES MIRACLES ET LES PRÉDICTIONS SELON LE SPIRITISME - foram lançadas em 1883 (vide foto 2)?
Teria existido uma OITAVA EDIÇÃO em francês sido lançada antes de 1882, assim como temos uma QUINTA EDIÇÃO com o ano de 1869 e uma outra QUINTA EDIÇÃO sem data definida, a qual atribuem o ano de 1872?
SEGUNDA CURIOSIDADE
Conforme informamos acima, a 13ª Sessão Extraordinária preparatória da “Academia Spirita de Sciencias”, que autorizou a publicação em português do livro A Gênese, se realizou em 28 de agosto de 1881, portanto as traduções que foram apresentadas na referida reunião, só poderiam ter sido feitas, ou da QUINTA EDIÇÃO, ou da SEXTA EDIÇÃO dos originais em francês, visto que, a título de exemplo, no Capítulo XV, da obra em português constam 67 itens e não 68 itens, como nas quatro primeiras edições em francês do livro LA GENESE (vide foto 4).
Foto 4
TERCEIRA CURIOSIDADE
Para esta curiosidade, precisaremos reproduzir o PREFÁCIO DA TRADUÇÃO, constante do livro (série de fotos a seguir).
“A Sociedade Academica Deus Christo e Caridade sabe que o mais sólido monumento é aquele que se ergue espontaneamente no coração dos homens, por que é o sentimento de gratidão, é o amor que lhe serve de base; o qual é mais firme e inabalável do coração Espírita, resiste mais ao embate das paixões do que a pedra e o ferro à ação do tempo.
Movida pelo desejo de secundar os esforços do Fundador da Doutrina, e querendo concorrer para a realização do intuito daquela grande alma, - levar a luz espírita a todos os homens, para que se regenerem - ; julga de seu dever a Sociedade Acadêmica, trasladando para o português as obras fundamentais do Espiritismo, como prova de homenagem ao seu colecionador, nosso Mestre, Allan Kardec, conservá-las com o cunho que ele imprimiu-lhes; com aquela disposição, ordem e desenvolvimento próprios ao molde em que, atendendo às condições de tempo, lugar e conveniência, as vasou o seu bom senso, a sua robusta e bem preparada inteligência.
Por isso, conquanto alguns condiscípulos mostrassem desejo de que modificações fossem feitas em certos pontos deste volume, de acordo com as ideias manifestadas na obra Os Quatro Evangelhos explicados segundo o Espiritismo, e outras que os Membros da Sociedade Acadêmica também conhecem; publicamos a presente tradução de A Gênese, sem a mínima alteração e mesmo sem anotações; não concordamos que fosse aumentada ou alterada, posto que já tivessem sido obtidas revelações ou se façam novas descobertas, mostrando que em alguns pontos a obra esteja incompleta ou que alguns dos assuntos nela tratados, não o foram sob o seu verdadeiro ponto de vista.
A Sociedade Acadêmica julga que não lhe assiste, como a ninguém, o direito de alterar o plano e, menos ainda, as bases fundamentais, as teorias, a doutrina das obras publicadas pelo nosso Mestre; não só por lhe parecer isso uma profanação, por serem um legado precioso, pois que por elas conhecemos a verdade, se nos fez a luz; mas ainda, porque também não há lei alguma conhecida que justifique tal procedimento; e, se tal lei existisse, seria bárbara, despótica, vandálica, porque seria a anulação da propriedade, seria a negação do direito.
Nesta edição, a primeira que se publica em língua portuguesa, apenas substituímos, em algumas notas, as referências à Revista de Paris, por outras a da Sociedade Acadêmica, em benefício dos leitores que não conhecem a língua francesa, e isso mesmo, só o fizemos no último capítulo, porque antes não nos tinha ocorrido o pensamento de que os leitores da Gênese, em português, não poderiam utilizar-se das citações, que os enviam à Revista de Paris, não só pela diferença de língua, como também, porque a aquisição, daquele repositório de variada, interessante e profunda fonte de instrução espírita, já não está ao alcance de todas as bolsas, e não é fácil no Brasil.
Atendendo a isso, vamos trasladar da Revista de Paris para a nossa todos os artigos a que se referem às obras fundamentais da doutrina espírita, e na próxima edição das obras, que havemos de dar, não só cotejaremos a tradução dos quatro primeiros volumes com o original, afim de que saiam escoimados de todo o erro, como também daremos nas notas, citações dos fatos publicados na Revista de Paris, e transcritos na Revista da Sociedade Acadêmica – Deus Christo e Caridade: para o que começaremos desde já esse trabalho.
Terminando a nossa tarefa, consideraremos suficientemente retribuído o nosso trabalho, se os leitores auferirem – da obra – toda a vantagem que, de meditada leitura dela, lhes provirá necessariamente; e nos confessamos felizes, transcrevendo aqui o seguinte:
“Sim; porque ainda qualquer ideia, das ali colecionadas, tivesse de sofrer qualquer retoque ou modificação, seria trabalho reservado para uma obra especial, cuja leitura, sendo boa para aqueles que já conhecem profundamente a Ciência Espírita não convém àqueles que apenas começam. Porque, não estando preparados, teriam de fazer passar bruscamente por uma inversão todas as ideias arrigadas em seu cérebro, o que é contrário às leis naturais, e por isso inconveniente. Não defendo a obra que colecionei, mas o melhor sistema de, com método, lenta e suavemente, preparar aqueles que devem conhecer o que de mais elevado poderia se apresentar à concepção humana.
31 de março de 1882
Allan Kardec”
Gostaríamos, após esta transcrição, de deixar uma reflexão, que chamamos de Terceira Curiosidade.
Conhecendo um pouco da historiografia do Espiritismo do final do século XIX e início do século XX, e as batalhas existentes ente os chamados “Científicos” e os “Místicos”, e considerando que no período de publicação da Primeira Edição brasileira (junho/julho de 1882), ou mesmo na data (13 de agosto de 1881) da referida reunião que aprovou sua publicação, o grupo da Sociedade Acadêmica era, majoritariamente, "científico";
Considerando que de acordo com o Prefácio da Tradução, os científicos, liderados por Torteroli, que provavelmente foi o autor - conforme expõe o pesquisador Mauro Quintella - de uma das duas traduções apresentadas na citada reunião da 13ª Sessão Extraordinária;
Considerando que foram evitadas todas as investidas Roustainguistas de tentativas de modificações na obra original de Allan Kardec - conforme mostrado acima - nesta tradução da Primeira Edição da Gênese em português;
Considerando que a tradução foi feita à partir da QUINTA EDIÇÃO ou da SEXTA EDIÇÃO, conforme mostramos acima, e Torteroli foi o grande expoente do Espiritismo e dos Científicos, no final do século XIX e início do século XX;
Considerando, finalmente, que Torteroli evitou as mudanças propostas pelos mistificadores, por ser um científico;
Teria o jornalista, dono de companhia teatral, agenciador de empregos, corretor de imóveis, professor, advogado e tradutor, deixado passar todos os desvios doutrinários que hoje são alegados na Quinta Edição do Livro A Gênese, sendo ele um dos principais divulgadores e uma das figuras mais importantes para o Espiritismo no final do século XIX e início do século XX no Brasil, e combatente feroz dos Místicos?
QUARTA CURIOSIDADE
O Livro era comercializado em 1882 pelo valor de 3$000 (ou três mil réis), e se fosse encadernado, por 4$000 (ou quatro mil réis). A título de comparação, o jornal O Globo, do Rio de Janeiro, custava 40rs (quarenta réis), em julho de 1882.
Ficam as reflexões...e ficam as Curiosidades!
Adair Ribeiro
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O livro A Gênese, Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo, de 1882 – Editor B.L. Garnier - pertence ao acervo do museu AllanKardec.online
A 7ª. Edição do livro A Gênese pertence ao acervo do Museu AllanKardec.online.
Referências:
3. Jornal O Globo – 21/07/1882
4. Jornal Gazeta da Tarde – 24/07/1882
5. Jornal O Progresso – número 76 – agosto de 1882
6. Jornal Gazeta de Notícias – 08/08/1882
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