quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Projeto Allan Kardec: "Voltaire redimido diante da Sociedade Espírita de Paris"


Mais um manuscrito original disponibilizado pelo Museu AKOL ao acervo do Projeto Allan Kardec da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF-MG: uma mensagem mediúnica assinada pelo Espírito de Voltaire, psicografada pela médium Senhorita Béguet, durante uma sessão na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, em 1 de abril de 1864. Mais uma preciosidade para a Historiografia do Espiritismo.

Saiba mais sobre o Projeto Allan Kardec.

Primeiro, vamos conferir o conteúdo da carta, depois faremos a contextualização dos assuntos tratados:


Confira o manuscrito original no portal da UFJF.

Transcrição (em francês)

Société de Paris
Séance du 1er Avril
1864
Med. Mlle. Béguet

J’ai pu il y a quelques jours me communiquer ici et donner en quelques paroles vagues et détaillées l’ensemble d’une pensée qui inquiète mon âme. Je souffre, oui, je souffre du mal que j’ai fait et du bien que j’ai omis. J’ai jeté le deuil dans l’âme de toute une génération par un nouvel enseignement. Quoique bonne en réalité, l’apparence et la réaction en furent mauvaises et je perdis par mes écrits plus d’hommes que je n’en ramenai au bien. C’est qu’avec le ridicule on ne fait pas de sage et la <satyre> aigrit et repousse au lieu d’attirer en voulant détruire l’empire des prêtres je poussai les hommes à l’athéisme le plus complet, parce qu’ils n’étaient point préparés encore à recevoir ces vérités. Je fus incompris et ne fis qu’une œuvre incomplète en semant dans un champ qui n’avait point été labouré. Je n’ai point dit : Ô hommes, écoutez ! Vous êtes, roi, libres de vous-même, indépendants, vous pouvez agir selon les penchants de votre cœur. Qu’importe ? Puisqu’après cette vie éphémère tout est fini ? Oh, non, sans doute, j’écris au contraire dans une de mes pages : Si Dieu n’existait point, il faudrait l’inventer.

Mais depuis plusieurs siècles, tous habitués à voir Dieu dans le prêtre furent ébranlés par cette philosophie nouvelle. De là naquit l'athéisme que j’ai inspiré non enseigné.

Plus heureux vous jetez la lumière dans des cœurs plus soumis ; plus forts vous parlez à l’âme par la persuasion sainte que donne la confiance en ce que vous écrivez, et la foi qui transporte les montagnes vous aide et vous donne le vrai génie. Malheur au philosophe qui enseigne ce que souvent il ne pense pas ; ses écrits sont faux parce qu’ils /2/ sont le reflet de son orgueil, non les pensées de son cœur. Quel champ vaste j’aurais pu ensemencer ; que de récompenses j’aurais acquises ! Qu’ai-je, hélas ? Les souvenirs et la souffrance.

D’une imagination ardente et poétique, j’aurais fait de mon siècle le siècle des sages penseurs, en les préparant à recevoir les bienfaits que Dieu préparait au vôtre. Tout est passé, tout est perdu pour moi. Il me reste une planche après le naufrage : c’est l’espérance en Dieu et en vos bonnes prières. Je reviens ici en demander. J’aime encore a voir entre les mains des médiums la plume qui me rappelle le moment de <bonheurs> que j’ai goûté souvent écrivant l’idée que mon cœur repentait ; ma joie était de trouver dans mon imagination quelques phrases poétiques quelques rêves dorés; ma philosophie était pour tous, rien pour moi,

Voltaire.

Tradução

Sociedade de Paris
Sessão de 1º de abril de 1864
Médium: Senhorita Béguet

Pude, há alguns dias, comunicar-me aqui e dizer, em algumas palavras vagas e detalhadas, o conjunto de um pensamento que inquieta minha alma. Sofro, sim, sofro pelo mal que fiz e pelo bem que omiti. Enlutei a alma de toda uma geração com um novo ensinamento. Embora bom na realidade, a aparência e a reação a ele foram ruins e, por meio dos meus escritos, perdi mais homens do que os levei ao bem. É que, com o ridículo, não se faz um sábio, e a sátira amarga e repele, em vez de atrair. Querendo destruir o império dos sacerdotes, empurrei os homens para o mais completo ateísmo, pois ainda não estavam preparados para receber essas verdades. Fui mal compreendido e fiz uma obra incompleta, semeando em um campo que ainda não havia sido arado. Eu não disse: Ah, homens, escutem! Vocês são, <rei>, livres de si mesmos, independentes, podem agir de acordo com as inclinações dos seus corações. Que importa, uma vez que, após essa vida efêmera, tudo termina? Ah, não, sem dúvida; escrevi, ao contrário, em uma de minhas páginas: se Deus não existisse, seria necessário inventá-lo.

Mas, durante vários séculos, todos os que estavam habituados a ver Deus na figura do sacerdote foram abalados por essa nova filosofia. Assim nasceu o ateísmo, que eu inspirei, não ensinei.

Mais feliz, vocês iluminam os corações mais submissos; mais fortes, falam com a alma pela santa persuasão, que dá credibilidade àquilo que escrevem, e a fé que move montanhas os ajuda e lhes dá o verdadeiro talento. Infeliz do filósofo que ensina aquilo em que, muitas vezes, ele sequer acredita; seus escritos são falsos, pois /2/ são o reflexo de seu orgulho, não dos pensamentos de seu coração. Que vasto campo eu poderia ter semeado; que recompensas eu teria conquistado! O que tenho eu, infelizmente? As lembranças e o sofrimento.

Com uma imaginação ardente e poética, eu teria feito do meu século o século dos sábios pensadores, preparando-os para receberem os benefícios que Deus estava preparando para o seu. Tudo acabou, tudo está perdido para mim. Resta-me apenas uma prancha após o naufrágio: é a esperança em Deus e nas boas orações de vocês. Volto aqui para pedi-las. Ainda gosto de ver, entre as mãos dos médiuns, a pluma, que me lembra o momento de felicidade que experimentei, frequentemente, ao escrever a ideia de que meu coração se arrependeu; minha felicidade era encontrar em minha imaginação algumas frases poéticas, alguns sonhos dourados; minha filosofia era para todos, nada para mim,

Voltaire.


Contextualizando a mensagem

A Sociedade Parisiense de Estudos Espírita - SPEE foi o centro espírita fundado em 1 de abril de 1858 por Allan Kardec, que presidiu esta entidade até a sua desencarnação. Portanto, a referida sessão foi realizada exatamente no 6ª aniversário daquela sociedade (Saiba mais sobre a SPEE).

Sobre médium que trouxe a mensagem em destaque, contamos com as  eficientes pesquisas de nosso confrade Carlos Seth Bastos, o Sir CSI: em seu livro Espíritos sob Investigação - resgatando parte da História (cap. 10: "A maçonaria"), ele informa que o nome completo da moça era Louise Marie Angélique Béguet, e que depois de 1865, ela passou a assinar como Sra. Fix.

Mas o protagonista da vez é mesmo o Espírito comunicante: Voltaire (François-Marie Arouet: 1694-1778), aquele que foi um dos mais aclamados filósofos do seu tempo, escritor prolífico, conhecido pela sua eloquente defesa em prol da liberdade civil e ácida crítica às instituições, especialmente à monarquia francesa e à igreja. Com um sedutor sarcástico, criticou o cristianismo e os dogmas religiosos, e assim semeou as ideias básicas para o ateísmo moderno. Seu pensamento influenciou consideravelmente a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos da América. Ainda hoje seu nome é idolatrado pelos ateus e anarquistas (Confira a biografia de Voltaire na Wikipédia).

Voltaire (1694-1778)

Eis, pois, o sarcástico pensador arrependido por ter semeado a revolta contra a fé e, com isso, ter posto toda uma geração a perder. Ele parece também manifestar uma certa inveja do papel iluminador desempenhado pelos espíritas do século XIX, quando então lamenta não ter feito o mesmo na sua época, um século anterior ao de Kardec. É assim que ele vê a felicidade e a força dos arautos do Espiritismo que ele ignorou:

"Mais feliz, vocês iluminam os corações mais submissos; mais fortes, falam com a alma pela santa persuasão, que dá credibilidade àquilo que escrevem, e a fé que move montanhas os ajuda e lhes dá o verdadeiro talento."

E encerra confessando que sua prancha de salvação então era sua esperança em Deusas preces dos espíritas, pelas quais ele vinha suplicar.

Quem diria, hein?!

Nem de longe passa pela cabeça de um ateu materialista e anarquista que seu grande ídolo Voltaire viesse a se "converter". Mas a verdade é que não existe outro caminho senão o da resignação e da submissão à Divindade.

Pensemos nos mais obstinados ícones do anticristo e propagandistas do materialismo e coloquemos nesse raciocínio um bocado de tempo, e a resultado é que cedo ou tarde todos eles dobrarão seus joelhos diante do Senhor. E para aqueles que relutarem em aceitar esta verdade, só restará o sofrimento amargo do atraso evolutivo.

E o bom de pensarmos nisso é que, uma vez resignado e devidamente apto a expiar seus erros, Voltaire passa a representar em nossa mente um símbolo de renovação pessoal, e muito provavelmente mais um Espírito a se alistar na seara de Jesus para a espiritualização da Terra. Com um talento intelectual como o dele, ora aliado à reforma moral, a campanha espírita se fortalecerá sensivelmente.

Bem-vindo ao clube, irmão Voltaire.

Ver esta mensagem de Voltaire no portal do Projeto Allan Kardec.

Veja as demais postagens que fizemos contextualizando os documentos disponibilizados pelo Projeto Allan Kardec:
E, é claro, visite também o portal online do Projeto Allan Kardec da UFJF-MG.


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