Projeto Allan Kardec: "Comunicação [DD/06/1863]" - Mensagem do Espírito Lázaro 'O Panteísmo'


Na semana passada a fanpage do Museu AKOL - Allan Kardec Online anunciou a publicação de mais um lote de manuscritos da Sociedade Pariense de Estudos Espíritas para o Projeto Allan Kardec da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF-MG, e nós fomos conferir as novidades, trazendo hoje a contextualização da documento catalogado como "Comunicação [DD/06/1863]", que trata de uma questão filosófica bastante debatida na época da Codificação do Espiritismo: "panteísmo".

Saiba mais sobre o Projeto Allan Kardec.

Esta comunicação, que ocupou três páginas manuscritas, consiste numa mensagem mediúnica recebida em junho de 1863, numa sessão da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, através da médium Sra. Costel e assinada pelo Espírito Lázaro. Na parte superior da primeira folha, lê-se a marcação de Allan Kardec: "Cópia para a Revista", indicando que ele pretendia publicar esse texto na sua Revista Espírita; além disso, as iniciais TTB serviam para classificar a comunicação como "Muito Muito Boa" (Très très bonne, em francês).

E, de fato, o texto foi publicado integralmente por Kardec na Revista Espírita de outubro daquele ano de 1863, na seção de "Dissertações" (PDF disponível aqui).

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Então, vamos conhecer o manuscrito original:





Segue a tradução deste modelo:

Sra. Costel

O Panteísmo. Junho de 63

O Panteísmo, ou a encarnação do Espírito na matéria, da ideia na forma, é o primeiro passo do Paganismo em direção à lei do amor que foi revelada e pregada por Jesus = A Antiguidade, ávida de prazeres, apaixonada pela beleza exterior, mal olhava para além daquilo que ela já via; sensual e ardente, ignorava as melancolias que nasciam da dúvida inquieta e das ternuras reprimidas. Ela temia os Deuses cujas imagens tenras colocava nas lareiras de suas casas; a escravidão e a guerra roíam-na por dentro, esgotavam-na por fora; em vão, a natureza sonora e magnífica convidava os homens à compreenderem seu esplendor; eles a temiam, ou adoravam-na como faziam com os deuses; os bosques sagrados participavam do terror dos oráculos, e nenhum mortal separava o benefício de sua solidão das ideias religiosas que faziam as árvores palpitar e a pedra tremer.

O Panteísmo tem duas faces sobre as quais convém estudar. Primeiro, a separação infinita da natureza divina, fragmentada em todas as partes da Criação, encontrando-se nos mais ínfimos detalhes, assim como em sua magnificência, isto é, uma confusão flagrante entre a obra e o artesão; em segundo lugar, a assimilação da humanidade, ou melhor, sua absorção na matéria universal. O Panteísmo antigo encarnava as divindades; o Panteísmo moderno assimila o homem no reino animal, e faz brotar as moléculas criadoras da ardente fornalha onde /2/ se elabora a vegetação, confundindo assim, os resultados com o princípio. Deus é a ordem que a confusão humana não conseguiria perturbar; tudo chega a tempo. A seiva às árvores, o pensamento aos cérebros; nenhuma ideia, filha do tempo, está abandonada à própria sorte. Ela tem seu próprio canal, um parentesco estreito que lhe dá a sua razão de ser, a conecta ao passado e a compromete com o futuro. A história das crenças religiosas é a prova desta verdade absoluta, não uma idolatria, não um sistema, não um fanatismo que nasce em sua poderosa e imperiosa razão de existir; todos avançavam em direção à luz, todos convergiam em direção ao mesmo objetivo, e todos se confundirão, como as águas dos rios longínquos, no vasto e profundo mar da unidade espiritual.

Assim, o Panteísmo, precursor do Catolicismo, trazia em si o germe da universalidade de Deus, ele inspirava nos homens a fraternidade para com a natureza. Esta fraternidade que Jesus devia ensiná-los a praticar uns com os outros; fraternidade sagrada! Afirmado hoje pelo espiritismo, que conecta vitoriosamente os seres terrestres aos mundos espirituais. Eu vos digo em verdade. A lei do amor ocorre lentamente e de forma contínua com suas espirais infinitas; é ela que, nos ritos misteriosos das religiões indianas diviniza o animal, o sacralizando por sua fraqueza e seus humildes serviços; é ela que povoava, com deuses familiares, os lares purificados; é ela que, em cada uma das crenças diversas, fazia soletrar às /3/ gerações uma palavra do alfabeto divino, mas estava reservado apenas para Jesus proclamar a ideia universal que resumem-nas todas. O Salvador anunciou o amor e tornou-o mais forte que a morte; ele diz aos homens: amai-vos uns aos outros, amai-vos na dor, na alegria, no opróbrio; amai a natureza, vossa primeira iniciadora, amai aos animais, vossos humildes companheiros; amai aquilo que começa, ameis aquilo que termina.

O verbo do Eterno chama-se amor, e ele abraça, com inesgotável ternura, a terra onde passais e os lugares onde entrais, purificados e triunfantes.

Lázaro


Sobre o panteísmo

Panteísmo é uma crença e uma proposição filosófica que, em linhas gerais, é caracterizada por idealizar a integração essencial e absoluta entre Deus e a realidade física (toda a natureza, o Universo, todos os multiversos possíveis) como sendo a unidade total de tudo o que existe e possa existir: “Deus é tudo, e tudo é Deus”. A partir desta ideia central, a doutrina panteísta se divide em variações, por exemplo, quanto ao entendimento sobre a natureza divina. A Codificação Espírita trata diretamente a questão do panteísmo e a refuta peremptoriamente ao demonstrar a sua incongruência com o princípio Espírita da imaterialidade de Deus, além de negar a identidade individual dos Espíritos, furtando-lhes as responsabilidades e méritos de suas ações.

Este vocábulo deriva dos termos gregos πᾶν = pan: “tudo”, “de tudo”, e θεός = theos: “deus”, “divino”. Sua alcunha é atribuída ao matemático inglês Joseph Raphson (1648 - 1715) que usou a expressão em latim “pantheismus”, no seu livro De Spatio Reali, de 1697, onde ele se refere às ideias do filósofo holandês Baruch Espinosa (1632 - 1677) e de outros pensadores que compartilhavam do mesmo entendimento que caracteriza o panteísmo. O livro de Raphson foi traduzido para o inglês e daí a palavra “pantheism” se consagrou, com suas variações idiomáticas, especialmente a partir do livro Socinianism Truly Stated by a pantheist (de 1705) do escritor irlandês John Toland.

Diversos teólogos e filósofos conceberam um sistema nos moldes panteísta — antes mesmo que o termo fosse cunhado —, mas foi Espinosa quem deu a forma clássica que se popularizou pela cultura ocidental. Sua obra Ética, publicada postumamente, em 1677, costuma ser citada como referência para o panteísmo, cuja síntese para explicara a divindade é: “Deus é a Natureza, e a Natureza é Deus”, algo similar ao anteriormente concebido pelo frade católico Giordano Bruno (1548 - 1600) — que, aliás, foi queimado vivo pelo Tribunal da Inquisição por heresia.

O panteísmo na concepção espinosiana parte do pressuposto de que Deus, por ser infinito, é a única substância existente, o que implica que nada existe fora de Deus: “Tudo o que existe, existe em Deus, e sem Deus nada pode existir ou ser concebido”; Deus é “causa imanente, e não transcendente, de todas as coisas”; “As coisas particulares não são mais do que afecções dos atributos de Deus, ou seja, modos pelos quais os atributos de Deus se exprimem de maneira certa e determinada”; Deus é assim identificado com a própria natureza, de acordo com o famoso lema “Deus sive Natura” = "Deus, ou seja, a Natureza". Contudo, esse sistema se complica por si mesmo desde quando Espinosa tenta definir Deus como um “ser” (que muitos entendem como uma “coisa”) sem vontade própria e liberdade superior por uma necessidade de cumprir o que é próprio da natureza.

A presente comunicação de Lázaro certamente contribuiu para estabelecer a opinião de Kardec quanto ao conceito panteísta, determinando assim a resposta doutrinária espírita para tal formulação teórica. Já na Introdução de O Livro dos Espíritos, o autor chama a atenção para a errônea concepção de uma espécie de “alma universal” que contivesse tudo:

“Outros pensam que a alma é o princípio da inteligência, agente universal do qual cada ser absorve uma porção. Segundo estes, haveria para todo o Universo apenas uma única alma que distribui centelhas entre os diversos seres inteligentes durante sua vida; após a morte, cada centelha retorna à fonte comum, onde ela se mistura com o todo, como os riachos e os rios retornam para o mar de onde saíram. Esta opinião difere da anterior em que, nesta hipótese, há algo em nós além da matéria, e que alguma coisa sobrevive após a morte; contudo, é quase como se não restasse nada, pois, não havendo mais individualidade, não teríamos mais consciência de nós mesmos. Dentro desta opinião a alma universal seria Deus e cada ser uma porção da Divindade; esta é uma variedade do panteísmo.”
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - ‘Introdução...’, item II

Em seguida, enfrentando diretamente a definição panteísta, o codificador espírita abre um tópico específico a respeito disso na seção do referido livro que trata exatamente de Deus, quando coloca a questão objetivamente:

Deus é um ser distinto, ou, segundo a opinião de alguns, seria o resultado de todas as forças e de todas as inteligências do Universo reunidas?
“Se fosse assim, Deus não existiria, porque seria o efeito e não a causa; ele não pode ser ao mesmo tempo uma e outra coisa. Deus existe, disso vocês não podem duvidar, isso é o essencial. Acreditem em mim e não queiram ir além; não se percam num labirinto de onde não poderiam sair. Isso não lhes tornaria melhores, mas talvez um pouco mais orgulhosos, pois vocês acreditariam saber, quando na realidade nada saberiam. Então, deixem de lado todos esses sistemas; vocês têm bastantes coisas que lhes interessam mais diretamente, a começar por vocês mesmos; estudem as suas próprias imperfeições a fim de se libertarem delas, o que lhes será mais útil do que pretender penetrar no que é impenetrável.”
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 14

Saiba mais sobre:
Sobre a médium, Sra. Costel, ver o livro Espíritos sob Investigação: resgatando parte da História, de Carlos Seth Bastos, especialmente o capítulo 11: 'Sra. Costel, a médium misteriosa'.

Quanto ao Espírito, Lázaro, não sabemos precisar quem seja; como hipótese, temos a lembrança do personagem bíblico, aquele que foi "ressuscitado" por Jesus, conforme a narração do Evangelho segundo João, 11:1-46.

Confira a publicação original desta pasta de correspondência da SPEE no portal do Projeto Allan Kardec.

Veja as demais postagens que fizemos contextualizando os documentos disponibilizados pelo Projeto Allan Kardec:
E, é claro, visite também o portal online do Projeto Allan Kardec da UFJF-MG.

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